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Há já alguma tempo, ouvi na rádio uma entrevista do bispo Dom Américo Aguiar em que, às tantas, dizia que tínhamos de substituir o "in dubio pro reu" para "in dubio pro vítima".
Isto fez-me soar uma campaínha qualquer na cabeça, mas como não é uma área em que me sinta muito à vontade, limitei-me a registar na memória a minha estranheza pela ligeireza que me parecia haver nesta afirmação.
O caso do padre da igreja de São Nicolau, e a discussão à sua volta, fez-me voltar à memória esta frase, várias vezes.
Escuso de perder tempo com a descrição do assunto porque Filipe d'Avillez faz aqui uma síntese bastante consistente do que eu poderia escrever sobre o assunto. Na parte não religiosa da questão, entenda-se.
Há apenas uma questão que subsiste, para mim, que é a da proporcionalidade entre medidas cautelares e credibilidade dos indícios.
O vademecum da igreja para tratar deste assunto é bastante claro.
Mas, inevitavelmente, tem zonas cinzentas, o que o leva a fazer uma referência explícita ao cuidado que é preciso ter com denúncias anónimas, não as descartando e investigando e, sobretudo, ao expressamente se referir à verosimilhança da denúncia.
Ora é esta verosimilhança que exige um juízo que é tudo menos objectivo e linear, o que (suponho eu), leva o vademecum a falar da possibilidade do bispo tomar medidas cautelares, e não a dar uma indicação explícita para o fazer, explicitando que essas medidas cautelares existem para acautelar "a continuação de eventuais abusos".
É aqui que entra a minha perplexidade inicial com a afirmação do bispo Américo Aguiar, que hoje acho que percebo melhor.
Todo o sistema judicial é desenhado "pro vítima", é por causa das vítimas que existe sistema judicial.
O princípio "in dubio pro reu" é apenas, acho eu que manifestamente percebo pouco disto, falo a partir da minha noção intuitiva de justiça, um princípio que visa limitar o risco de condenar um inocente, que me parece a mim, e pelos vistos à sociedade, o maior falhanço que pode haver num processo judicial.
Esta ideia, na minha cabeça, tem tradução bíblica nesta passagem "Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento."
Reconheço que a ligação não é directa, mas há ali uma ideia de atenção à redenção do pecador, ou se quisermos em linguagem menos religiosa, ressocialização do condenado, que na minha cabeça liga as duas ideias.
Aparentemente, tenho uma hipersensibilidade à injustiça da condenação de um inocente, que me parece de uma violência brutal.
Penso que seja por isto que tenho muita relutância em aceitar situações em que os direitos das vítimas se sobreponham, de forma desproporcional, aos direitos dos acusados, sobretudo quando as acusações dizem respeito a suspeições que nunca poderão ser reparadas por um processo judicial justo, na medida em que a suspeição se mantém sempre, sempre, qualquer que seja a decisão formal do processo judicial (veja-se a quantidade de vezes que Paulo Pedroso é citado a propósito do processo Casa Pia, apesar de todas as decisões judiciais entretanto tomadas).
E deve ser por isto que acho que quem decide sobre uma suspeição concreta deve ser especialmente cauteloso na definição de medidas cautelares (passe a aparente contradição), em especial só as adoptando na estrita medida em que elas sejam indispensáveis para evitar a continuação de abusos sobre os quais haja suspeita verosímil (não precisa de ser uma suspeita credível, basta que seja verosímil, e por isso maior deve ser o cuidado na proporcionalidade da definição de medidas cautelares, diria eu, dada a amplitude do que é a verosimilhança de uma denúncia deste tipo de crimes).
O risco da hierarquia da igreja centrar-se menos no seu compromisso com a verdade que no seu compromisso com o mundo, e portanto tender a esquecer os direitos dos acusados, como pede o mundo, não me parece pequeno.
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