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Vendido aos interesses

por henrique pereira dos santos, em 21.05.19

"Since the mid-1970s, when DDT was eliminated from global eradication efforts, tens of millions of people have died from malaria unnecessarily: most have been children less than five years old. While it was reasonable to have banned DDT for agricultural use, it was unreasonable to have eliminated it from public health use."

Este parágrafo, retirado do artigo "Millions Died Thanks to the Mother of Environmentalism", ilustra bem a encruzilhada em que está metido o movimento ambientalista, tanto globalmente, como em Portugal.

O artigo não tem muito de novo e as alegações precisam de ser lidas com cautela, em especial o seu título, manifestamente demagógico.

Mas retrata uma discussão que é fundamental que seja feita, bastaria o último parágrafo do artigo para se perceber que não se está a falar de questões menores: "In 2006, the World Health Organization reinstated DDT as part of its effort to eradicate malaria. But not before millions of people had died needlessly from the disease.".

Por mais dúvidas que se tenham sobre as alegações do artigo, não é crível que a Organização Mundial de Saúde tenha dado um passo atrás na proibição do DDT se o assunto não fosse mesmo sério e com muitos tons de cinzento que tendem a ser esquecidos nas discussões ambientais, incluindo as de conservação da natureza.

Basta-me recusar os brancos e pretos de todos os problemas ambientais (aquele em que tenho mais dificuldade em recusar uma visão binária é o da energia nuclear) e concentrar-me nos cinzentos para ser sistematicamente rotulado como um vendido aos interesses.

Basta-me dizer que a melhor ciência disponível em Portugal demonstra não existir grande relação (se alguma) entre eucaliptos e fogos, basta-me recusar alegações infantis de que um fitocida que actua sobre os mecanismos da fotossíntese possa ser um terrível veneno para os organismos que não fazem fotossíntese, basta-me fazer notar que a escassez de recursos induz comportamentos económicos que limitam os efeitos apocalípticos tidos como absolutamente certos no futuro para que qualquer discussão acabe de imediato: para dizer coisas destas só há uma explicação, os interesses que eu sirvo.

Esta característica social está longe de estar restrita ao movimento ambientalista, mas é especialmente complicada num movimento ambientalista que sempre viveu do simbolismo e da dramatização, criando uma ética interna estranha que condescende com o uso da distorção, deturpação ou falta de rigor, desde que sirvam o bem maior da luta ambientalista.

Um bom exemplo são as listas vermelhas e os livros vermelhos, isto é, as listas que avaliam o estatuto de ameaça das espécies, cheias de imprecisões no limite da honestidade (umas vezes do lado de cá, outras vezes do lado de lá desse limite), em que se evita dizer, de forma clara, que actualmente o lobo não é uma espécie ameaçada em Portugal, estando mesmo em expansão, porque se entende que dizer isto, que é factual, pode prejudicar a conservação da espécie.

O resultado é um progressivo desfasamento entre o discurso ambientalista e o discurso científico que tem vindo a liquidar o apoio social ao movimento ambientalista, justamente considerado como fundamentando mal as suas exigências e permeável às agendas pessoais, políticas e económicas dos aldrabões que existem em todo o lado, que preferem ambientes em que o rigor e a exigência em relação à factualidade sejam mais maleáveis.

O primeiro passo para mudar isto, reganhando o papel social que o movimento ambientalista já teve, seria banir de qualquer discussão a tenebrosa teoria de conspiração dos interesses de cada vez que alguém desafina do discurso oficial sobre cada matéria.

E, se não for pedir muito, estender o princípio à discussão política mais geral era também um bom antídoto contra o sectarismo.


9 comentários

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De Anónimo a 22.05.2019 às 15:37


Os políticos encontraram o pão e circo que precisavam para desviar as atenções dos verdadeiros problemas da população: desemprego, segurança social sob pressão, inverno demográfico, economia, défice, despesa publica, serviço nacional saúde em degradação vertiginosa, educação em crise permanente, transportes públicos ineficientes ( CP, Metro, Carris etc ), o impacto negativo dos migrantes numa europa fustigada por atentados terroristas e clivagens étnicas , etc.
Agora para além da bola 24 sobre 24 horas temos a crise climática, as alterações climáticas,  fim do mundo segundo os profetas do apocalipse climático, vulgo aquecimento global que afinal não aconteceu mas ainda virá a acontecer se não despejarem milhões em subsídios para uma industria que não há maneira de descolar sem os mesmos. Quioto já foi há mais de 20 anos e já ninguém se lembra das profecias de então. Em substituição temos o acordo de Paris que deu umas fotos bonitas mas que terá o mesmo efeito de Quioto. E mais uns filmes apocalípticos feitos em Hollyood para aterrorizar as criancinhas e os mais incautos.
E agora venha de lá o verão que se faz tarde.
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De Miguel Madeira a 02.06.2019 às 21:01

Não tenho certeza absoluta do que vou escrever (procurando no internet encontro muita coisa contraditória sobre o assunto), mas penso que essa história da proibição do DDT é um bocado um mito - creio que o DDT nunca foi proibido para combate à malária, apenas na agricultura, e que continuou largamente a ser usado.

https://scienceblogs.com/deltoid/2005/10/14/crime-of-the-century

https://scienceblogs.com/deltoid/2006/03/09/ddt-the-untold-story

Nessas questões em que, a respeito de matérias de facto, uns dizem uma coisa e outros outros, apesar da sua má reputação em alguns meios a melhor fonte ainda é capaz de ser a wikipedia (como ambos os lados podem editar, a informação que sobrevive às guerras de edição será em principio a mais inatacável), e a secção "International usage restrictions" não parece falar de nenhuma proibição generalizada no uso de DDT para controlo de infeções, e mesmo na agricultura continuou a ser usado

https://en.wikipedia.org/wiki/DDT#International_usage_restrictions

A última alteração ao que está escrito nessa secção parece-me ter sido em 17 de outubro de 2017 [https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=DDT&diff=next&oldid=805742081], o que me parece há tempo suficiente para confiar no que está lá escrito.
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De Anónimo a 03.06.2019 às 02:51


Não o entendo. Lendo o que está nos links, é claro que a organização mundial de saúde baniu o uso do DDT nos seus programas e depois voltou atrás
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De Miguel Madeira a 03.06.2019 às 22:16

Por acaso não vejo nada nos links (mas admito que possa ter sido distração minha) dizendo que a OMS baniu o uso de DDT; o que não houve de certeza foi uma proibição do uso do DDT nos anos 70, como o texto diz (houve uma convenção internacional no principio dos anos 70 proibindo o uso do DDT, mas apenas para a agricultura). E sobretudo dizer que "In India, between 1952 and 1962, DDT caused a decrease in annual malaria cases from 100 million to 60,000. By the late 1970s, no longer able to use DDT, the number of cases increased to 6 million" parece-me entrar no campo da desonestidade intelectual por parte dos autores do artigo - a India, que basta fazer uma pequena busca no google para se perceber que nunca deixou de usar DDT e que o continua a produzir em massa!

Agora, é verdade que nos anos 80 a OMS deixou de promover o uso do DDT para combater a malária (com exceção das áreas afetadas por epidemias) e para aí em 2006 voltou a recomendar o seu uso, mas acho que há uma grande diferença entre isso e uma proibição mundial do uso de DDT (aindo por cima 10 anos antes), que é o que texto da FEE diz (confesso que não sei que impacto essa não-promoção - o que imagino signifique sobretudo "não dar dinheiro para DDT", o que em muitos países pode ser decisivo - teve no uso global de DDT, mas o facto de se ter continuado a usar DDT em massa nalguns dos maiores países afetados pela malária, e que não deixaram de ter malária por causa disso põe muito em causa a tese de que as pessoas que morreram de malária no mundo morreram por causa da política da OMS)
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De Anónimo a 03.06.2019 às 23:40

Se lê o que descreve e entende que o texto está genericamente errado em relação à OMS, não há muito que eu possa fazer.
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De Miguel Madeira a 04.06.2019 às 02:30

Atenção - eu acho que o texto está largamente errado; não acho que esteja (pelo menos no sentido literal) errado sobre a OMS; em todo o texto, o único momento em que fala da OMS parece-me ser a frase no fim "In 2006, the World Health Organization reinstated DDT as part of its effort to eradicate malaria", e essa parte até está tecnicamente certa; se lermos o texto com atenção, em momento algum eles dizem que a tal proibição do DDT que falam foi feita pela OMS (embora o parágrafo final induza a pensar que foi isso), ou quem a fez. Embora em momento algum do texto seja dito quem proibiu o DDT (falam só de "DDT was banned" na voz passiva), pelo que sei das polémicas à volta do DDT, suspeito bastante que estão a falar da proibição do DDT nos EUA pela EPA em 1972 (que é frequentemente apresentada pelos seus críticos como tendo tido impacto mundial - e bate certo com a cronologia que apresentam depois)
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De Anónimo a 04.06.2019 às 18:40

Não se preocupe, eu já percebi que está a ver um meteorito dirigir-se a si com grande velocidade e a sua preocupação central é saber se o meteorito é redondo ou quadrado.
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De Miguel Madeira a 04.06.2019 às 20:57

Sim, porque dizer "houve uma proibição mundial do uso do DDT e é por isso que morreram milhões de pessoas de malária" e dizer "não houve nenhuma proibição mundial do uso do DDT para controle de infecções e nalguns dos países - como a Índia - em que há mais malária nunca se deixou de usar DDT" é praticamente a mesma coisa, pelos vistos.
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De Anónimo a 04.06.2019 às 21:24

O meteorito ser quadrado não é o mesmo que ser redondo, isso sem dúvida.
Mas só agora percebi que não está a comentar o post, mas um texto que o post diz que tem de ser lido com cautela.
Boa noite, a minha sugestão é que comente lá onde o texto foi publicado.

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