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Utilizador/ pagador

por henrique pereira dos santos, em 23.06.19

Existe abundante literatura sobre o princípio do utilizador/ pagador.

E existe lixo produzido por quem tinha a obrigação de ter um mínimo de decoro no que diz:

"A direita que acha que as pessoas devem pagar taxas moderadoras é a direita que não sabe o que é viver com 650 euros e ter de pagar taxa moderadora pelos cuidados médicos que já se pagou com os impostos. E o PS que agora quer adiar o fim das taxas moderadoras por causa do impacto no orçamento é o mesmo que há seis meses dizia que as taxas moderadoras tinham um impacto simbólico no orçamento e que há uma semana votou uma proposta do Bloco que entrava em vigor em 2020. Insustentável é ter 2 milhões de cuidados de saúde por prestar porque há quem não consiga pagar as taxas moderadoras."

Catarina Martins diz o que entende e, aparentemente, ninguém a confronta com o que diz.

 Em primeiro lugar, ao que parece, Catarina Martins engloba Mário Centeno e o governo que apoia na "direita que não sabe o que é viver com 650" visto que o governo resolveu que afinal não há dinheiro para isto (pelo menos para já).

Em segundo lugar, quem não sabe o que é viver nessas condições é Catarina Martins, doutra forma saberia que essas pessoas estão isentas de taxas moderadoras (DL 113/ 2011 de 29 de Novembro. As pessoas que vivem nestas condições até podem nem conhecer a lei, mas têm perfeita consciência do que pagam ou não porque cada cêntimo conta, Catarina Martins é que, pelos vistos, não tem muitos amigos que vivam nestas condições).

Em terceiro lugar Catarina Martins, pelos vistos, sabe mal os impostos que estas pessoas pagam. Impostos directos não pagam, pagam os impostos indirectos, em especial o IVA em cada transação, mas naturalmente o valor de impostos que pagam acaba por ser reduzido por más razões: as limitações ao consumo, em especial ao consumo que produtos não básicos, são enormes. Logo dizer que já pagaram os cuidados de saúde nos impostos, não sendo tecnicamente uma mentira, é um bom exemplo do que dizia António Aleixo: ”Para a mentira ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade.”

Aparentemente Catarina Martins fala pouco com o PS (em campanha eleitoral, depois das eleições é tudo mais simples) e por isso deve desconhecer o que escrevia Sérgio Vasques em 2004, exactamente sobre o princípio do utilizador/ pagador: "A "gratuitidade" das prestações públicas oculta muitas vezes uma fiscalidade parasitária, pela qual a classe média obriga as franjas mais desfavorecidas da sociedade a suportar-lhe as preferências.".

É certo que nesse texto, Sérgio Vasques exclui a prestação de serviços de saúde e educação da aplicação deste princípio, ao arrepio de toda a sua própria argumentação e sem explicar muito bem as razões.

É também certo que uma aplicação cega do princípio do utilizador/ pagador tem um efeito regressivo que não pode ser esquecido em serviços básicos (por isso o diploma acima referido exclui do pagamento de taxas moderadoras as pessoas com insuficiência económica) e é também certo que a sua aplicação generalizada, associada a uma condição de recursos (como é o caso nos serviços de saúde) pode implicar externalidades negativas que devem ser avaliadas, sendo o melhor exemplo o dos transportes públicos.

Mas nada disso autoriza os jornalistas que todos os dias convivem com Catarina Martins a esquecerem-se da evidente mentira do que é dito (sim, é uma mentira, com todas as letras, e seria bom que alguma vez alguém diga isso com essa clareza quando se fazem afirmações destas) e da discussão que vale a pena fazer nestas matérias: quem paga o que tem de ser pago?

É que não há serviços públicos gratuitos, o que há é serviços públicos pagos por quem os utiliza ou pagos por todos, quer os utilizem ou não, para além das combinações todas intermédias entre estes dois extremos.

Dizer que "Insustentável é ter 2 milhões de cuidados de saúde por prestar porque há quem não consiga pagar as taxas moderadoras" é apenas fingir que a restrição está no acesso dos mais pobres (uma mentira evidente) e não na falta de dinheiro do Estado para os prestar, apesar do nível de taxação que existe em Portugal.

E Catarina Martins sabe perfeitamente que está a fingir, que está a mentir e que o que diz não passa de banha da cobra para aguentar os 10% de eleitores que também sabem que estão a votar em banha da cobra, mas acham isso uma mentira piedosa que é dita em nome de um bem maior (que se esquecem de explicar qual é e como se obtém).


1 comentário

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De António a 24.06.2019 às 13:38

Catarina Martins (e Marisa Matias) fez parangonas com o “Portugal dá lucro”, esse “segredo bem guardado”. Se nenhum jornalista lhe perguntou como é que um país “dá lucro”, que é uma estupidez descomunalmente óbvia, porque iriam questionar algo mais complexo?
Parece que o curso de jornalismo se reduz a saber segurar um microfone ou uma câmara, com um mestrado em apontá-los para quem está a falar. Saber escrever já deve exigir um pós-doutorado. Mas não faz mal, cada vez menos gente sabe ler.
Parafraseando Frank Zappa - que era republicano e conservador - “jornalismo político são pessoas que não sabem escrever, a entrevistar pessoas que não sabem falar, para pessoas que não sabem ler”.
E claro que Portugal dá lucro, pelo menos para gente como Catarina Martins.

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