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Falemos, então, de migração

por henrique pereira dos santos, em 17.05.25

Alberto Gonçalves, no Observador, hoje, acabou por ser o empurrão final a uma ideia que há algum tempo tem andado a fermentar como um potencial post, que hoje passa de potencial a real.

Sou angolano de nascimento, mas moçambicano de criação.

É certo que, na verdade, o que sou, verdadeiramente, é apátrida, quase não me lembro de onde nasci (de Nova Lisboa, seguramente não me lembro de nada, sobra-me a cicatriz no nariz de ter caído de um muro em cima de uma enxada, ao que me dizem, do Lobito, para onde terei ido com dois anos de idade, tenho vagas memórias, aparentemente, muito menos vagas do que eu pensava, a julgar pela experiência  de lá ter voltado ao 35/ 36 anos, acabando a saber o que ia encontrar ao virar de cada esquina, mesmo não tendo a menor noção anterior de que teria memória desses sítios) e o mundo em que cresci até a meio da minha adolescência morreu de morte súbita, pouco depois de o ter deixado.

Ficou este meu interesse por Moçambique e é por isso que é o exemplo que vou usar para falar, brevemente, de migrações.

Ninguém me convence de que o desespero de tantos moçambicanos, os que por lá andam, e os que lá desandam, se prende mais com opções do poder instalado em Moçambique, há cerca de cinquenta anos, que da herança colonial.

Uma das opções com fortíssima influência na pobreza que empurra os moçambicanos para fora do país, quando podem, ou para as manifestações de rua, às vezes violentas, dos que ficam, é o princípio constitucional, que viola o direito humano fundamental à popriedade, de que a propriedade da terra é do Estado e não pode ser dos indivíduos (mesmo quando organizados em comunidades).

O artigo 17º da declaração universal dos direitos humanos é taxativo: "Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.", mas para além do princípio constitucional que impede a propriedade da terra violar os direitos humanos, esse princípio é indutor de pobreza e miséria, como acontece sempre que os direitos de propriedade não são fortes e protegidos pelos Estados.

Pretender que a pobreza em Moçambique (e em grande parte de África), que gera fluxos migratórios relevantes, é uma herança colonial e não o resultado de opções do poder instalado, nomeadamente no que diz respeito ao direito de propriedade, tem servido para ilibar os governos moçambicanos (e, de maneira geral, de grande parte dos países pobres onde são gerados os fluxos migratórios que são uma das grandes questões sociais actualmente) das suas responsabilidades na pobreza do seu povo e da necessidade de arrepiar caminho, reforçando os direitos de propriedade nos seus países.

Dificilmente estes poderes, viciados na esmagadora prevalência do poder do Estado sobre a liberdade dos indivíduos, nomeadamente através da negação do direito de propriedade forte e plena aos seus cidadãos, estará interessado em transferir poder do Estado para os individuos.

Talvez fosse tempo dos países receptores de fluxos migratórios adoptarem medidas de política migratória que recompensem os países de origem que reforcem as garantias relacionadas com a propriedade privada, penalizando os que insistem em negar às pessoas comuns o direito à propriedade plena

O respeito pela propriedade privada não é uma panaceia para erradicar a pobreza, mas é seguramente uma condição sine qua non para a maior criação de riqueza nos países de origem desses fluxos.

Carlos Moedas está completamente enganado

por henrique pereira dos santos, em 16.05.25

Um amigo mandou-me a decisão da Câmara em que se proíbe a provocação desnecessária do Ergue-te! prevista para hoje no Martim Moniz.

Respondi-lhe que nem ia verificar se o documento era verdadeiro porque não tinha dúvidas de que era impossível que Moedas não só tomasse essa decisão (proibir uma manifestação provocatória de um partido em campanha eleitoral, argumentando que há grupos que se podem revoltar contra a presença de elementos da cultura dominante no país), como muito menos me parecia possível que justificasse a decisão nos termos em que o fez.

Eu estava enganado.

Por mais que tudo tenha sido feito com base no parecer da polícia, por mais que o risco de perturbação da ordem pública seja real e elevado, Moedas não é um funcionário da polícia, é um responsável eleito que tem de correr riscos, quando está em causa a liberdade de expressão.

A liberdade de expressão tem mesmo de incluir a liberdade de ser estupidamente provocatório, e se Moedas acha que a coisa pode correr mesmo mal, que trabalhe para evitar isso (duvido que o risco desta manifestação seja maior que o risco dos maluquinhos do futebol num jogo como o da semana passada ou do que vai acontecer no Sábado, seja qual for o campeão nacional de futebol).

Não só é inacreditável a decisão de Moedas, como é inacreditável os termos em que a justifica (mutatis mutandi, parece Pedro Pinto a dizer que Ventura não pode ficar num quarto de hospital com um cigano como companheiro de quarto) como é ainda inacreditável a quantidade de campeões da liberdade de expressão e da multicultiralidade que ficam calados perante este evidente abuso de poder.

Sim, é verdade que o Ergue-te! resolveu fazer uma provocação estúpida e desnecessária, mas o direito à asneira é sagrado, quando está em causa o respeito pela liberdade de expressão.

Questão diferente seria se o Ergue-te! decidisse expulsar alguém do Martim Moniz fosse sob que pretexto fosse, uma coisa são as palavras, que devem ser livres, outra coisa são as acções, que são limitadas pela lei e pelo efeito em terceiros.

O Ergue-te! quer batatada, isso parece-me uma evidência, cabe à polícia desenhar um dispositivo que limite essa possibilidade, o que é completamente inaceitável é que um Presidente de Câmara ache que pode restringir o direito de manifestação, nomeadamente em contexto eleitoral, porque tem a opinião (fundamentada, sem dúvida) de que os manifestantes querem é batatada.

Artur Baptista da Silva, o padroeiro da imprensa portuguesa

por henrique pereira dos santos, em 14.05.25

Em 2012, no auge da sanha da imprensa contra Passos Coelho, entra em cena Artur Baptista da Silva, apresentado pelo Expresso e por tutti quanti na imprensa portuguesa como um economista, professor numa universidade americana (que não existia), consultor das Nações Unidas (a credibilidade das Nações Unidas é tal que ninguém estranha que tenha consultores daquele calibre), do Banco Mundial e coordenador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ver comentário anterior sobre a credibilidade das Nações Unidas), que a imprensa acolheu efusivamente dando-lhe palco para falar de "um relatório inexistente sobre Portugal elaborado também pelo inexistente Observatório Económico e Social das Nações Unidas para a Europa do Sul." (não há como a wikipedia para fazer sínteses).

O então director adjunto do Expresso, Nicolau Santos, reconheceu ter sido embarretado.

O facto de um jornalista ser embarretado por um burlão, com um longo cadastro criminal, não terá tido grande influência negativa na carreira do jornalista, que foi depois presidente da LUSA e da RTP, numa demonstração de como a responsabilização pelos erros cometidos é levada mesmo a sério, no jornalismo.

Note-se que, o mais provável é que Nicolau Santos não quisesse "embarretar" os seus leitores, ele simplesmente foi vítima de uma característica da natureza humana (o viés de confirmação) por não ter cumprido regras básicas do jornalismo.

Há regras básicas da actividade jornalística que existem exactamente para limitar os problemas criados pela natureza humana, em que se inclui o viés de confirmação, ou a tendência que todos temos de acrescentar um ponto ao que contamos, sobretudo quando sabemos que a identidade de quem acrescenta o ponto não é revelada.

É por causa dessas características da natureza humana que a confirmação dos factos e a identificação das fontes (com excepção das situações em que a revelação da identidade da fonte a pode pôr em risco real) são coisas sagradas para se poder fazer jornalismo sério.

A generalidade da imprensa em Portutal está-se completamente nas tintas para estas regras e vou dar o exemplo do editorial do Público de ontem sobre a Spinumviva, história que a imprensa quer, à viva força, trazer para a campanha.

Como a imprensa investiu muito neste história e, afinal, aquilo é uma mão cheia de nada, passaram a explicar que não se passa nada, legalmente, mas há uma questão ética qualquer que, de maneira geral, quem escreve não se dá ao trabalho de explicar qual seja (um dos títulos de primeira página do Correio da Manhã de hoje, e que o Expresso imediatamente reflecte, criando uma situação "suficientemente estranha para dar títulos de online" (a justificação de David Pontes para dar importância a uma resposta sem qualquer relevância, de Montenegro), é o de que a sede da Spinumvia continua a ser a casa de Montenegro).

Na boa escola da promoção de Artur Baptista da Silva, que domina a imprensa, David Pontes diz, mais uma vez, que "Há certamente interrogações sobre o facto de o primeiro-ministro ... ter passado de uma empresa que se destinava a gerir património agrícola familiar para uma empresa dedicada à aplicação do RGPD e acabar na consultadoria empresarial", quando as únicas interrogações relevantes se prendem com a repetição desta mentira, inegavelmente mentira, que se pode verificar facilmente ser mentira.

David Pontes, para além deste evidente viés de confirmação que o faz acreditar no que escreveu, que é manifestamente falso, chega ao ponto de falar "de um político achar que pode manter uma actividade paralela, mesmo de forma indirecta", sem explicar aos seus leitores o que é uma actividade indirecta de alguém.

Não me parece que haja esperança enquanto for esta gente, que na verdade tem Artur Baptista da Silva como padroeiro, a dominar a imprensa.

Por muito que a imprensa seja central numa democracia, há que não ter medo de deixar o capitalismo exercer na imprensa a "destruição criativa" que o caracteriza.

A saúde é um negócio ... felizmente

por henrique pereira dos santos, em 13.05.25

Na discussão de políticas públicas há assim uma espécie de santo e senha que se tem de aceitar, para que a coisa siga normalmente em relação a alguns assuntos.

Um dos bons exemplos é o que hoje trata João Miguel Tavares, é-se obrigado a aceitar, sem contestação, que não há vida para lá da defesa da escola pública, liquidando, mediaticamente, qualquer político que resolva dizer que é o acesso público que importa discutir, não o dono das paredes da escola.

O mesmo se poderá dizer da dificuldade que terá um político que resolva dizer, com razão, que a saúde é um negócio, independentemente das nossas opiniões sobre o negócio e o acesso universal aos cuidados de saúde.

O mais curioso é que a saúde já foi um negócio muito mais pequeno do que é hoje, não porque houvesse menos doentes, claro, mas porque havia menos médicos, enfermeiros e tudo o resto.

Naquele tempo, os muito ricos poderiam recorrer aos poucos médicos existentes e a esmagadora maioria dos que precisavam de cuidados de saúde recorriam ao que podiam, fossem feiticeiros, bruxos, vizinhos ou, o que era mais frequente, às instituições filantrópicas ou de caridade (apesar do mau nome que foi sendo criado à custa da crítica à "caridadezinha", para um cristão "a caridade passa sempre pelo respeito do próximo e da sua consciência", sendo essa a base da extensão da acção social de muitas igrejas, no nosso caso, a católica).

As razões pelas quais havia poucos médicos é simples de explicar: o conhecimento sobre nós e o nosso corpo era, em muitos aspectos limitado e o mercado, isto é, o conjunto de pessoas com vontade e recursos para pagar serviços de saúde de elevada diferenciação, era igualmente limitado.

O resultado deste modelo de saúde, que não pretende ser um negócio, é a existência de poucos recursos para o desenvolvimento dos cuidados de saúde, e uma legião de cuidadores de primeira linha (de parteiras a simples apoio logístico) assente esmagadoramente em religiososos que dedicam a sua vida ao cuidado dos outros.

Se a profissão de médico tem a sua origem muito atrás no tempo, o reconhecimento da enfermagem como uma profissão especializada é relativamente recente: só em 1860 Florence Nightingale funda a primeira escola não religiosa de enfermagem.

De resto, em Portugal, no princípio do século XX, terá havido uma discussão interessante entre os jacobinos que queriam afastar as religiosas do trabalho de enfermagem, profissionalizando-o, e os que defendiam que o carácter voluntário dos cuidados a prestar os tornava mais humanos (é Pedro Almeida Vieira que me chama a atenção para a similitude entre esta discussão e a discussão  sobre o voluntariado e profissionalização no combate ao fogo florestal).

Quando a sociedade assume que a filantropia não é suficiente para garantir um acesso universal a cuidados de saúde, entrega ao Estado a responsabilidade de assegurar que todos os que precisam têm acesso a cuidados de saúde, alargando enormemente o mercado de cuidados de saúde ao determinar que o Estado deve assumir os custos desses cuidados, quando as pessoas não têm recursos para isso.

Claro que nisto tudo há uma imensa evolução de conhecimento e tecnologia que altera toda a relação que temos com a medicina, às vezes até por caminhos muito estranhos: hoje temos uma quantidade enorme de gente a defender o direito absoluto do indivíduo sobre o corpo de cada um, a propósito do aborto ou da mudança de sexo, ao mesmo tempo que temos muita gente, os mesmos ou outros, a dizer que é inaceitável que sejam as mulheres a decidir livremente se preferem fazer cesarianas ou ter partos como sempre se fizeram.

Os partos sempre foram um momento de risco elevado para as mães e os bebés (para estes, o risco elevado mantinha-se durante um ano ou dois), lembrando-nos de que a civilização é a luta constante que travamos contra a natureza.

Neste caso, travamos uma guerra sem quartel contra a mortalidade relacionada com os partos e a primeira infância, para a qual convocamos a profissionalização dos que assistem os partos e acompanham as crianças, a artificialização através da medicalização e hospitalização de um processo natural e a panóplia tecnológica, incluindo farmacêutica, que hoje rodeiam o nascimento de crianças.

Pretender que tudo isto se faz melhor voltando ao voluntariado e ausência de mercado, apenas substituindo a filantropia pelo Estado, não faz qualquer sentido para mim, o mercado, isto é, o ponto de encontro entre quem procura e quem oferece, é incomparavelmente mais eficiente a produzir soluções para os problemas de cada um.

O que cabe ao Estado é, o que já não é pouco, assegurar que esse mercado funciona tão bem quanto possível, e que ninguém fica para trás por falta de recursos.

Sim, a saúde é um negócio, um negócio crescente, e ainda bem.

As políticas públicas de saúde deveriam partir desta ideia base, e não da tolice, nunca demonstrada, de que a saúde não pode ser um negócio para que seja possível garantir cuidados de saúde adequados para todos.

Liberdade e igualdade

por henrique pereira dos santos, em 12.05.25

Por acaso, ouvi Mariana Mortágua a dizer que a igualdade é uma condição de liberdade.

Nada de novo "só há liberdade a sério, quando houver, a paz, o pão, a habitação, saúde, educação, quando pertencer ao povo o que o povo produzir", cantava Sérgio Godinho há largos anos, dando forma à ideia querida do marxismo que entende que condições objectivas de igualdade, a liberdade é meramente formal.

A mim parece-me que a aceitação da desigualdade é uma condição essencial para que cada um tenha liberdade para ser diferente, mas percebo quem queira argumentar que estou a falar de condições de chegada, quando Mariana Mortágua estava a falar de condições de partida.

Patrícia Fernandes é das cronistas mais interessantes que vou lendo por aí e hoje ajuda-me a fazer este post (involuntariamente).

"O que quer dizer Rawls com esta ideia de lotaria? O filósofo norte-americano pretende chamar a atenção para o facto de as circunstâncias que rodeiam o nosso nascimento não serem responsabilidade nossa, mas serem resultado de mera sorte: não escolhemos nascer numa família com recursos materiais ou com pais capazes de estimular intelectualmente os seus filhos, tal como não escolhemos nascer saudáveis, inteligentes ou como filhos mais velhos. É uma questão de lotaria social e natural, o que significa que as vantagens que retiramos dessas condições de sorte não podem ser vistas como resultado de um esforço da nossa parte – isto é, não são resultado do nosso mérito".

O artigo de hoje de Patrícia Fernandes segue por caminhos diferentes do que eu gostaria de realçar neste post.

Sim, é verdade que grande parte da trilogia em que se baseiam as nossas carreiras profissionais e o nosso sucesso social - capacidade, conhecimento e contactos - resulta, em grande parte, da lotaria genética, da lotaria no lugar de nascimento, da lotaria no contexto social, da lotaria nos professores que nos calham em sorte, etc..

Não é só lotaria, até porque grande parte da forma como lidamos com o nosso contexto, isto é, com os resultados da lotaria, é opção de cada um, mas há uma esmagadora quantidade de lotaria da qual depende a nossa vida.

O que me interessa realçar é que com a justa procura de menor injustiça - a lotaria, por definição, não tem qualquer relação com a justiça - desvalorizámos o princípio aristocrático de respeito pelo "favor dos deuses" que, em tese, fundamentava a ética aristocrática de estar ao serviço dos outros, como forma de estar à altura desse "favor dos deuses".

Um aristrocrata tinha obrigações éticas, pelo menos teóricas, de prover os que dele dependiam e de servir aqueles de quem dependiam as mercês que sobre ele caíam.

Pelo menos parte dessa ética, a que, por exemplo, Warren Buffett dá corpo com a sua promessa de doar 99% da sua fortuna para fins filantrópicos, motivando o movimento entre ultra-ricos americanos para se comprometerem a doar pelo menos 50% da sua fortuna para organizações filantrópicas, deveria ser revalorizada.

A mim parece-me bem mais útil aceitar que a desigualdade é uma consequência inevitável da liberdade, implicando a criação de uma dívida dos mais favorecidos sobre os que ficaram na mó de baixo, que tentar resolver os problemas de desigualdade limitando a liberdade, como resultou sempre da ideia de que a liberdade, e não a justiça, é um bem social a perseguir.

O resultado prático dos paladinos da igualdade foi sempre a perda da liberdade, sem grandes ganhos na redução das desigualdades e da injustiça.

E não me incomodem com os grandes ganhos motivados pelas lutas sociais dos paladinos da igualdade, por exemplo, o que verdadeiramente diminuiu a desigualdade entre os estatuto das mulheres e dos homens não foi sobretudo a luta das operárias por salário igual, foi a invenção da máquina de lavar roupa e dos contraceptivos baratos e acessíveis.

A substituição de Descartes pelo activismo

por henrique pereira dos santos, em 11.05.25

"If protected areas harbor larger fuel loads than unprotected lands, then with all else being equal (e.g. fire weather, ignitions, etc), we can expect that burned area and fire severity will both be higher in protected areas. Fuel load is one of the main drivers of fire intensity (Byram, 1959) which, in turn, affects fire severity, or the immediate ecological impacts of fire (Keeley, 2009). However, other possible mechanisms could explain the potentially larger impact of fire on protected areas. For instance, protected areas tend to be more remote, and can have lower road densities, which decreases accessibility and complicates fire fighting. They could also be more prevalent where other land uses are marginal, such as higher elevation zones, or steeper terrain (Baldi et al., 2017). Quantitative estimates of the magnitude of the changes in burned area and fire severity in protected vs unprotected areas are currently lacking, and the relative roles of the different possible underlying mechanisms also remain unexplored".

Este longo parágrafo é uma citação do estudo "Protected areas as hotspots of wildfire activity in fire-prone Temperate and Mediterranen biomes" de Víctor Resco de Dios, Simon J. Schütze, Angel Cunill Camprubí, Rodrigo Balaguer-Romano, Matthias M. Boer e Paulo M. Fernandes.

O estudo confirma o que se poderia esperar das políticas de conservação da natureza, tal como hoje são definidas: "Protected areas were being disproportionally affected by fire within most Temperate biomes, and fire severity was 20 % higher within protected areas also in Mediterranean biomes. Population in the periphery of forest areas was up to 16 times more likely to be exposed to large wildfires when their environment was within, or near, protected areas".

Basta ler os comunicados das ONGA nos anos em que arde mais área protegida para perceber a dissonância cognitiva que impera no mundo da conservação, considerando-se, de maneira geral (ONGA, académicos que não estudam o fogo mas têm opiniões definitivas sobre o assunto e jornalistas), que se as áreas são protegidas, então deveriam arder menos, quando, na verdade, é exactamente por serem protegidas (quer pelas características pelas quais são classificadas como áreas protegidas, quer pelas opções de gestão adoptadas por serem protegidas) que será de esperar que ardam mais que o resto do terriório.

É com base na mesma dissonância cognitiva que as autoridades de conservação, com a União Europeia, através da Comissão Europeia, à cabeça, definem políticas como o Pacto Ecológico Europeu no qual se inclui a maluqueira, sem qualquer base técnica, de ter 10% do território europeu em protecção integral.

Note-se que não há qualquer, mas rigorosamente qualquer, fundamento técnico nem para considerar 5, 10 ou 15% como limite adequado, como menos ainda existe qualquer demonstração de que é retirando toda a actividade humana de algum lado que se obtêm os melhores resultados de conservação, como se a gestão humana fosse intrinsecamente prejudicial e não pudesse ser orientada para a maximização do conteúdo de biodiversidade de uma área.

A razão para que tenhamos caminhado neste sentido é relativamente simples de indentificar: a racionalidade cartesiana na definição das políticas públicas de conservação foi completamente substituída pelo activismo sem qualquer base técnica racional.

De vez em quando, como neste caso, a academia lembra-nos de Camões, e sugere o "honesto estudo com longa experiência misturado", em vez de dar ouvidos a quem faz mais barulho à volta de um assunto.

E, é bom não esquecer, a ignorância bem intencionada mata mais que as más intenções: "the number of fire-induced fatalities in Europe is higher than, for example, the victims of terrorism", diz quem estuda o assunto.

Mas porque é que ele não deu logo todas as explicações?

por henrique pereira dos santos, em 10.05.25

Há dois dias publiquei no Observador um ponto de vista sobre as razões que levam a imprensa a ser incapaz de olhar, com um mínimo de objectividade, para a Spinumviva (esta é uma generalização e todas as generalizações são injustas).

Estranhei ter demorado tanto tempo a aparecer um comentário como este: "O ponto é porque Montenegro não esclareceu logo de inicio actividade da empresa e falou que a empresa era e tinha sido constituida para gerir o patrimonio imobiliario da familia. Só mais tarde, várias semanas, é que se falou na consultadoria de gestão.".

A razão para ter estranhado tanto tempo é que este é dos argumentos mais usados para tentar manter vivas as teorias de conspiração sobre o que se esconde por trás da Spinumviva.

Não se pense que são apenas comentadores desconhecidos das caixas de comentários, repare-se no que escreve Susana Peralta, uma das mais ubíquas vozes do espaço público, sempre com um estudo académico pronto para demonstrar as suas teses, mas raramente encontrando estudos que tragam informação contrária aos seus preconceitos, uma verdadeira especialista do cherry picking.

Vou buscar um exemplo de Susana Peralta que é, justamente, considerada mais sólida que a maioria dos comentadores, sendo das mais relevantes representantes desta nova esquerda a quem a desigualdade incomoda mais que a injustiça, sempre pronta para descobrir interesses escondidos nas actividades privadas e completamente cega em relação aos interesses escondidos nas actividades do Estado.

"A estratégia de soltar informação a conta-gotas começou logo no debate da primeira moção de censura, a 21 de Fevereiro, quando Montenegro explicou que a Spinumviva havia sido criada para gerir a herança familiar de terrenos durienses e engarrafar umas garrafas de vinho. Quando percebemos que o grosso da actividade da Spinumviva era consultoria a outras empresas, Montenegro recusou dizer quais".

Tenho a firme convicção de que Susana Peralta não mente conscientemente, com o objectivo de enganar as pessoas, estará mesmo convencida de que a mentira que diz corresponde à verdade, porque confia no que se publica na imprensa e acha desnecessário recorrer a fontes primárias de informação, mas isso é apenas a demonstração de como o esmagador domínio da esquerda frívola no espaço público acaba por conseguir impor uma realidade paralela, mesmo a pessoas formadas e informadas.

Para quem quiser aceder a fontes primárias de informação, tem aqui o debate da moção de censura de 21 de Fevereiro de que fala Susana Peralta e pode constatar que:

1) Não é Montenegro que resolve trazer para o debate os seus terrenos, é o Chega, a generalidade da oposição e a imprensa (desculpem o pleonasmo) que, desde o primeiro minuto do debate, se centram na questão do imobiliário e o associam à alteração da lei dos solos;

2) "Vou directo ao assunto ... a criação da Spinumviva. Estava eu fora da política activa. Tinha solicitações e intervenções empresariais que extravasavam o reduto da advocacia. Tendo dois filhos que optaram por não seguir direito, mas gestão e administração de empresas e tendo eu próprio adquirido uma especialização em gestão e tirado uma pós-graduação em protecção de dados pessoais, e tendo ainda procedido a pertilhas familiares ... pensei e decidi nos seguintes termos". Como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro tenha ocultado a actividade de consultoria, logo na primeira intervenção que fez sobre o assunto;

3) "Vou criar uma entidade para o trabalho fora da advocacia, envolvendo toda a família e das duas uma, ou não volto à política e me dedico também a essas actividades e preparo o caminho para os meus filhos, ou se voltar à política, deposito esta parte importante da minha vida, nos meus filhos". Como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro tenha apresentado a Spinumviva como uma empresa para gerir heranças e encher umas garrafas de vinho;

4) "O objecto e o absurdo da centralidade do imobiliário ... o objecto da sociedade é amplo", como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro se tenha escondido atrás de uma história da carochinha sobre gestão de heranças, vai mesmo ao ponto de considerar absurda a importância que dão ao imobiliário associado a essa gestão de heranças;

5) "actividades de consultadoria de gestão, de exploração agrícola, turística e empresarial, planeamento, organização e controlo de informação e gestão, reorganização de empresas, organização de eventos, consultadoria sobre actividade seguradora, protecção de dados pessoais, segurança e higiene no trabalho, política de marketing, gestão de recursos humanos, gestão e comércio de bens imóveis ... próprios ou de terceiros, arrendamento e outras forma de exploração dos mesmos, exploração e produção agrícola, predominantemente vitivinícola", como vê, cara Susana, escrever o que escreveu sobre o que Montenegro disse em 21 de Fevereiro é uma mentira de tal tamanho que, mesmo involuntária, é de uma falta de rigor que a envergonha como académica;

6) "Em terceiro lugar, a facturação e os clientes", pois é, cara Susana, depois de explicar a criação da empresa e o seu objecto (que era a questão central na moção de censura, é bom não esquecer), Montenegro passa longos minutos a descrever quer a facturação, quer os clientes, nomeando apenas um, que já era conhecido;

7) "O pico de facturação de 2022 ... ainda antes de assumir a presidência do PSD ... eu próprio fechei e apresentei a conta final de serviços de reestruturação de uma empresa familiar de comércio de combustíveis", como vê, cara Susana, Montenegro explicou, com pormenores que me dispenso de transcrever para aqui, tudo o que andou a empresa a fazer, antes de ele estar na política activa, e depois de ele ter voltado à política (com uma evidente quebra de facturação e resultados que desmonta qualquer teoria de conspiração sobre os benefícios criados para a empresa pelo facto de Montenegro ter passado a ser um político de primeira linha, primeiro como chefe da oposição e, depois de um incidente político que não poderia prever, ter acabado primeiro-ministro);

8) "Os clientes âncora, e com necessidade de acompanhamento permanente, foram os seguintes..." Montenegro, sem nunca dizer exactamente quem eram esses clientes, faz uma descrição suficientemente detalhada desses clientes, ao ponto de, logo nesse debate, Pedro Nuno Santos ter identificado, sem esforço, a Solverde. Como vê, cara Susana, até pode argumentar que o que escreve é o que está escrito na generalidade dos jornais, mas isso não a dispensa de consultar fontes primárias de informação antes de escrever mentiras do tamanho das que escreve.

9) Depois dessa caracterização, Montenegro descreve, pormenorizadamente, a actividade actual da empresa, centrada na protecção de dados. Como vê, cara Susana, eu sei que para os seus objectivos políticos dá jeito dar gás a essa conversa de falta de transparência, mas eu não entendo como expõe desta maneira a sua reputação de académica rigorosa, mentindo, mesmo que involuntariamente, de forma tão primária.

10) "Quarto, o destino dos lucros ou a não distribuição de dividendos", extraordinário, não é, cara Susana, até nisto Montenegro deu explicações pormenorizadas, ao contrário do que decorre das mentiras que escreveu;

11) "Por decisão dos sócios ... os lucros estão totalmente destinados ao investimento ... e temos dois objectivos em carteira ... a eventual construção de uma adega e de uma unidade de turismo na quinta do Douro ... e um eventual investimento numa startup tecnológica". Só falou de encher umas garrafas de vinho, não foi, cara Susana.

Vai longo o post, Montenegro continua com a explicação da renúncia à gerência da empresa que, para o efeito deste post, já é matéria menos relevante.

O que me interessou realçar neste post é como é fácil espalhar, reforçar, inventar mentiras, quando elas servem a argumentação das esquerdas, incluindo a instrumentalização de académicos com provas dadas que se dispensam, a si próprios, de verificar as fontes primárias de informação.

Calculo que que não seja por qualquer cálculo político ou pessoal, é mesmo porque estão tão convencidos da sua superioridade moral, que são incapazes de olhar para a realidade no pressuposto de que somos todos basicamente iguais.

Para mim, não deixa de ser hilariante ler um apoiante dos governos do PS, incluindo do governo Sócrates, e ministro de António Costa, preocupado com a degradação ética que representa o voto em Montenegro, mas com estes não vale a pena perder muito tempo porque o ridículo é suficientemete corrosivo.

Mas se se convenciona aceitar como verdadeira a ideia de que Montenegro não deu explicações substanciais desde o primeiro momento e se se usa essa convenção sem necessidade de a demonstrar para obter ganho político, mesmo sendo só válida numa realidade paralela, talvez seja altura das vítimas do debate público viciado fazerem um esforço mais sério para reequilibrar o tabuleiro de jogo.

A responsabilidade é de Costa, não tanto de Montenegro

por henrique pereira dos santos, em 09.05.25

António Costa é um gestor de oportunidades com duas grandes qualidades: 1) consegue indentificar oportunidades a muito longo prazo, permitindo-lhe trabalhar para que eles se concretizem; 2) nunca fecha portas, a menos que seja estritamente obrigado.

Quando em 2015 percebeu que podia perder as eleições, percebeu também que a sua carreira política podia ser muito afectada por isso.

Com tempo, deitou fora a ideia, que defendeu publicamente, de que PS e PSD deveriam ter um entendimento estratégico para permitir que o mais votado entre eles governasse, mesmo em minoria, e passou a trabalhar na hipótese de perder as eleições de 2015, isto é, preparar, em segredo, um acordo com os partidos à esquerda do PS.

A coisa funcionou, Costa governou quatro anos e começou a trabalhar na hipótese de saltar do governo português para Presidente do Conselho Europeu, hipótese para a qual o calendário eleitoral português seria muito favorável ao terminar a legislatura no fim de 2023, mesmo a tempo de se posicionar para a ocupação do cargo do Presidente do Conselho Europeu em 2024.

Os partidos à esquerda e Marcelo Rebelo de Sousa, numa primeira fase, trocaram-lhe as voltas deitando o governo abaixo e marcando eleições para 2022, o que significava uma legislatura a acabar em 2026, limitando as suas possibilidades de ocupar o cargo que queria, sem se pôr na posição desfavorável em que ficou Durão Barroso para não perder a oportunidade de ser Presidente da Comissão Europeia.

Os eleitores reforçaram as nuvens negativas ao, surpreendentemente, darem uma maioria absoluta ao PS, em 2022, o que tornava mais complicado para António Costa manobrar as coisas de maneira a saltar a meio da legislatura para Bruxelas.

Não se deve subestimar Costa nestas matérias que verdadeiramente lhe interessam, isto é, a ocupação do poder que em cada momento acha o mais útil para si.

Por isso, em 2024, mesmo a tempo de gerir a sua candidatura a Presidente do Conselho Europeu, Costa aproveitou um pretexto contingente (podia ser esse, ou outro qualquer) para pedir a demissão, mandar as suas responsabilidades para com o país e os seus eleitores às malvas, fazer a trouxa e zarpar.

Costa não foi vítima do Ministério Público, nada, rigorosamente nada, obrigava António Costa a demitir-se, nada, rigorosamente nada, dos processos judiciais implicavam qualquer questão para a legitimidade no exercício do cargo de primeiro ministros e, já antes, tinha havido questões judiciais no seu governo que Costa, bem, tinha optado por impedir que contaminassem a esfera da política, sendo muito claro na sua recusa (e bem) de aceitar a judicialização da política.

O que se passou não foi a interferência da justiça no processo político, derrubando um governo, o que se passou foi o aproveitamente pessoal de Costa de um incidente jurídico politicamente irrelevante, para se pôr ao fresco sem custos políticos de maior (não se sabe o dia de amanhã, e Costa não quer limitar os seus horizontes pessoais que materializa através do processo político).

Se daqui a dias vamos a eleições, depois de há um ano irmos a eleições, é apenas porque António Costa não tinha o menor interesse em perder a oportunidade de ocupar o lugar de Presidente do Conselho Europeu, mesmo que isso significasse, como significou, deitar ao lixo a estabilidade política que estava assegurada até 2026.

Montenegro, evidentemente, aproveitou a inépcia política do actual PS para forçar agora eleições em vez de estar mais um ano e meio, pelo menos, a governar muito fragilizado, e o PS, sem flexibilidade tática para responder ao cerco, deixou-se ir na corrente.

Se no ano passado, e neste, temos eleições, isso deve-se essencialmente à ambição pessoal de António Costa, e não às opções políticas e pessoais de Montenegro e Pedro Nuno Santos.

Como se responsabilizam os responsáveis?

por henrique pereira dos santos, em 08.05.25

Acordei com uma pergunta na cabeça: quem é responsável, e com que fundamentação, pela ausência de serviços mínimos na greve da CP em curso?

Com mais dificuldade que a transparência aconselharia, consegui respostas concretas.

Árbitro Presidente: Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia

Árbitro da Parte dos Trabalhadores: Filipe Rodrigues da Costa Lamelas

Árbitro da Parte dos Empregadores: Luis Filipe Monteiro Ramos Henrique

Estas três pessoas, a decisão foi tomada por unanimidade, são as responsáveis por privar milhares de trabalhadores, maioritariamente os mais pobres e desprotegidos, evidentemente, porque os outros têm alternativas, de condições razoáveis de deslocação durante uns dias, impedindo ou dificultando fortemente o seu direito a ir trabalhar, ou levar os filhos, ou ir ao médico, ou fazer compras, enfim, o duro quotidiano dos trabalhadores das profissões menos valorizadas, e mais um monte de outras pessoas.

Qual é o fundamento para isso?

"Acontece, porém, que a sua concretização – lembrando que tais serviços [mínimos] têm de ser casuisticamente demarcados, composição a composição, na sequência de jurisprudência constante com esse entendimento dos tribunais do Estado e dos tribunais arbitrais do CES – se revelou desaconselhável por não se garantir, quanto à percentagem que se julgou como correspondendo à satisfação das necessidades sociais impreteríveis sem, ao mesmo tempo, se aniquilar o núcleo fundamental do direito à greve, os mínimos padrões de segurança dos utentes no acesso às plataformas das estações ferroviárias e no uso das composições, segundo a informação obtida junta da empresa, no âmbito da sua audição".

Resumindo e limpando da liguagem jurídica, estas três pessoas consideraram que se fosse respeitado o direito à deslocação das pessoas afectadas (que são aos milhares) através da determinação de serviços mínimos, ficava em causa o direito à greve decretada pelos sindicatos (cuja representatividade é um segredo de Estado nunca revelado, e cujas decisões são tomadas de forma opaca por meia dúzia de pessoas).

Para confirmar, pode ler-se aqui a decisão.

Não me passa pela cabeça discutir juridicamente a decisão, e noto que a empresa recorreu da decisão para os tribunais comuns, o que me interessa é a pergunta seguinte que me surge, depois de ler a informação relevante e de saber quais são as perturbações que a decisão de duas dúzias de sindicalistas causam na vida de milhares de pessoas: se estas pessoas tiverem tomado uma decisão idiota, como podem os prejudicados responsabilizá-los pelo que fazem?

Como se responsabilizam sindicalistas que tomam decisões em função de interesses privados não explícitos (por exemplo, os interesses de um partido) ou em função de alguns trabalhadores (neste caso, os da CP), contra os interesses de milhares de outros trabalhadores e como se responsabiliza quem toma decisões no tribunal arbitral?

Talvez uma campanha eleitoral fosse uma boa oportunidade para que os senhores jornalistas perguntassem, a cada um dos partidos, se consideram que a lei da greve, tal como existe e é aplicada, assegura a adequada ponderação dos diferentes interesses, ou se realmente está na altura de olhar a sério para a legislação que enquadra o sindicalismo e o direito à greve, para lhe introduzir o mínimo de equilíbrio que permita evitar o absurdo social de não haver serviços mínimos decorrentes da greve da CP em curso.

Os negócios activos de um primeiro ministro em funções

por henrique pereira dos santos, em 06.05.25

Os negócios activos de um primeiro ministro em funções não dizem respeito à sua vida privada, devem ser claramente escrutinados, ao contrário do que tem sido prática em Portugal.

Felizmente, no caso de Montenegro, essa prática foi abandonada e houve escrutínio à séria.

Conclusões?

Sim, o primeiro ministro em funções teve participação, por via do seu regime de casamento, num negócio privado activo.

Não, o primeiro ministro em funções não participa na gestão nem tem qualquer cargo nessa empresa.

Não, o primeiro ministro em funções nunca recebeu pagamentos dessa empresa, embora pudesse estar a beneficiar da sua potencial valorização, em função da política de distribuição de resultados da empresa.

A inovação de se considerar que todos as receitas da família do primeiro ministro em funções devem ser tratadas como receitas do próprio primeiro ministro corresponde a um retrocesso social brutal, em especial no que diz respeito à independência e respeito pelos direitos dos cônjuges (que, como é o caso, são frequentemente mulheres a quem se pretende negar a sua autonomia dentro do casamento) e não tem qualquer base legal ou ética.

Na dúvida, a sua mulher, com o seu consentimento como é de lei, em função do regime de bens do casamento, doou a sua parte aos filhos, deixando, portanto, de ter qualquer ligação com a empresa e eliminado qualquer benefício potencial que pudesse existir da valorização da empresa.

Esta é a situação base, mas faz algum sentido avaliar o histórico da empresa para perceber em que medida poderá haver conflitos de interesses potenciais.

Os conflitos potenciais de interesses não são matéria exclusiva da vida empresarial, por exemplo, uma das questões mais relevantes do processo influencier, mas poderia ser de um eventual processo sobre a gestão da renacionalização da TAP, é saber se Diogo Lacerda Machado intervém nos processos meramente pela sua actividade profissional, ou se usou a sua pública amizade e proximidade com o então primeiro ministro em funções para obter vantagens (mais uma vez, as vantagens não são apenas vantagens materiais, a vantagem política não tem mais dignidade que a vantagem financeira, por exemplo) para si, ou para terceiros, incluindo o primeiro ministro em funções que o nomeou, independentemente de haver, ou não, qualquer vínculo empresarial formal entre os dois.

A empresa foi fundada pelo actual primeiro ministro em funções, baseada em grande parte no seu círculo de relações, como acontece com qualquer pequena empresa que se lança neste mercado, com actividades nas áreas da consultoria empresarial, incluindo na protecção de dados, tendo o actual primeiro ministro em funções envolvido a mulher e os filhos na empresa.

Quando, por via da sua eleição para manda-chuva do PSD - que pressupõe a possibilidade de um dia ser primeiro ministro, desde que aguentasse internamente os quatro anos de oposição que seria de esperar da maioria absoluta do PS na altura - o actual primeiro ministro se desliga da actividade da empresa, a empresa perde praticamente toda a actividade de consultoria empresarial fora da protecção de dados, área em que entretanto tinha criado uma posição tranquila no mercado, ao contrário do que acontecia nas outras actividades da empresa, fortemente baseadas no actual primeiro ministro.

Resumindo, nada de relevante e condenável resulta do escrutínio profundo da avaliação aos negócios activos de um primeiro ministro em funções.

A única coisa relevante, do ponto de vista do processo político, foi a adopção, pelo PS, das habituais posições do PC, BE e Chega em relação a este tipo de matérias, que consiste em tomar cada suspeita como uma certeza, independentemente da solidez dessa suspeita, fazendo sistemáticamente potenciais ligações a interesses escondidos, para demonstrar a iniquidade dos outros, sobretudo em contraste com a pureza moral desses partidos.

Essa é a única novidade neste processo e, infelizmente, não é uma boa novidade, que se espera que se altere depois das eleições, em função da luta fratricida dentro do PS entre os demagogos que o dominam actualmente e as pessoas decentes que lá existem.

Debate

por henrique pereira dos santos, em 05.05.25

À esquerda (no ecrán) estava Rui Tavares, um académico e político, ou político e académico, que nunca geriu coisa nenhuma (fez umas bolsas com Ricardo Araújo Pereira e mais não sei quê, uma boa ideia que desapareceu sem deixar outro rasto que não sejam as dúvidas sobre a sua capacidade de, em condições especialmente favoráveis, fazer qualquer coisa com sustentabilidade futura. Falhar é muito mais fácil e frequente que conseguir, mas com tão poucas tentativas, é difícil ter uma opinião definitiva sobre as suas capacidades de gestor).

Logo depois, Paulo Raimundo, um político, desde pequenino, sem qualquer outra actividade profissional relevante, que se conheça (é o chefe o partido que pôs como secretária geral da principal central sindical do país uma senhora que nunca tinha trabalhado em lado nenhum, a não ser em sindicatos).

Logo depois, Mariana Mortágua, uma política, desde pequenina, sem qualquer outra actividade profissional relevante que se conheça.

Logo depois, Pedro Nuno Santos, outro político, desde pequenico, sem qualquer outra actividade profissional relevante.

Imediatamente ao lado, Luís Montenegro, um político, desde pequenino, que se lançou no mundo profissional quando estava na mó de baixo da política, quer com actividade profissional de advogado, quer fazendo uma empresa familiar, e que tem estado a ser atacado porque, ao que parece, as condições base de funcionamento de uma empresa familiar, baseada em capacidade, conhecimento e contactos, é eticamente incompatível com actividades políticas passadas e futuras.

Ao seu lado, André Ventura, um funcionário da autoridade tributária que se passou para político, sem qualquer actividade profissional fora do funcionalismo e da política (nem comprar a casa em que vive é negócio em que se tenha envolvido e pelo qual se tenha interessado).

Mais um passo ao lado, Rui Rocha, com uma carreira longa e bem sucedida como funcionário de empresas, incluindo lugares relevantes na gestão de recursos humanos da SONAE.

Por fim, a única empreendora conhecida do painel, Inês Sousa Real, cuja família tem uma actividade na agricultura intensiva, umas estufas, estufins ou qualquer coisa do mesmo género, sendo resto da sua actividade profissional no funcionalismo público, em especial como jurista na área do direito animal.

Penso que não vale a pena perder muito mais tempo a caracterizar o debate - talvez só para assinalar que terem feito uns cinco debates com este formato e cada um com um tema teria sido bem mais interessante para os espectadores que os intermináveis frente a frente - porque isto é uma boa metáfora da discussão de políticas públicas em Portugal: um conjunto de gente que desconhece o velho ditado popular: quem quer, vai, quem não quer, manda.

Claro que há excepções, mas a esmagadora maioria dos nossos políticos têm preferido mandar, a fazer.

E têm razão, quem dá o que tem, a mais não é obrigado.

As condições para ser primeiro-ministro

por henrique pereira dos santos, em 04.05.25

Corre por aí a ideia de que Montenegro não tem condições para ser primeiro-ministro.

Parece que a esquerda inventou uns critérios quaisquer para contrariar o que diz o nosso sistema democrático: quem tem condições para ser primeiro-ministro é quem tem apoio parlamentar para isso, resultante de eleições gerais em que cada pessoa vale um voto (com as entorses que referi um dia destes, mas o princípio geral é este).

Um criminoso que tenha assassinado a mãe assando-a em fogo lento durante horas, tem condições para ser primeiro-ministro, desde que tenha apoio parlamentar, visto que nada impede um criminoso de exercer cargos que resultam de eleições (se deve ganhar as eleições com esse cadastro, cabe aos eleitores decidir, e mesmo que tenha uma maioria absoluta isso não o iliba de responder na justiça pelo crime).

Dizer que "Luís Montenegro colocou-se numa posição eticamente indecorosa, para a qual arrastou o PSD, Governo e o conjunto do regime" é defender posições anti-democráticas que pretendem limitar o exercício de direitos políticos com base em critérios que ninguém sabe quais são (como se define o que é uma posição eticamente indecorosa? Quem arbitra as diferenças de opinião sobre o que é uma posição eticamente indecorosa?).

Para se ser primeiro ministro não é preciso ser eticamente inatacável, ter bom gosto, boas maneiras, ser bom rapaz, inteligente, bondoso, sensato, etc., etc., etc., basta ganhar as eleições, esse é o princípio geral.

Cabe a cada um dos eleitores o juízo sobre se os candidatos têm ou não condições para o exercício do cargo, votando, ou não votando, nos candidatos que existem.

Tudo o resto é o habitual esquema da esquerda que acha que é a dona da bola e que só há jogo se a deixarem jogar a avançada, que é como quem diz, só há escolha dentro dos limites impostos pela esquerda e pelas suas opções.

Suspeito que, em Portugal, mas no resto do mundo também, há muita esquerda que acredita na história da carochinha da maioria sociológica de esquerda e ainda não percebeu que se quer ganhar as eleições só tem de convencer a maioria dos eleitores de que é a melhor solução para governar o país nos quatro anos seguintes.

Andar a dizer que os outros não têm condições para o cargo com base nas suas próprias opiniões, parece-me completamente inútil, cada um de nós tem a estúpida mania de votar de acordo com as opiniões que tem, e não com base nas opiniões que os outros acham que estão certas.

O Chega já ganhou

por henrique pereira dos santos, em 03.05.25

Dois indivíduos fazem um contrato entre eles, de prestação de serviços, em 2021 ou 2022.

Quem compra é um empresário que está a usar o seu dinheiro da melhor forma que entende, quem vende é um político na mó de baixo, que vai fazendo pela vida quando a política lhe é madrasta.

Em 2020, o político na mó de baixo candidata-se a presidente do seu partido, e perde, ou seja, continua na mó de baixo.

Em 2022 outro partido tem uma maioria absoluta que em princípio lhe garante a ocupação do poder até 2026 e, na sequência dessa maioria absoluta o político na mó de baixo ganha o seu partido, que continua na mó de baixo, visto que o seu principal adversário partidário tem uma maioria absoluta que lhe garante a ocupação do poder por quatro anos.

O político na mó de baixo em termos nacionais, mas agora na mó de cima do seu partido, resolve afastar-se da actividade empresarial, que entrega à família, razão pela qual a actividade empresarial afunila num sector específico, o da protecção de dados, perdendo todos os clientes relacionados com actividades consultoria empresarial.

Aparentemente, a julgar pela generalidade da imprensa, a esquerda e os comentadores de direita que só dizem coisas de esquerda, este afastamento empresarial foi só uma fachada para disfarçar a continuação da actividade empresarial e o favorecimento dos empresários que, em 2021 e 2022 lhe contrataram consultorias e que se afastaram quando o político passou da mó de baixo para a situação dúbia de estar na mó de cima partidária e na mó de baixo nacional, onde outro partido ia ocupar o poder quatro anos, por ter uma maioria absoluta.

Como é evidente, estamos em presença de gente muito matreira, que contrata serviços a políticos na mó de baixo em 2021 e 2022, à espera que o dito político ganhe as eleições de 2026 e vá a correr adjudicar-lhes refeições e serviços de informática.

Quem costumava ter esta lógica da velha fábula de Esopo eram apenas os partidos de protesto e, dada dificuldade de assentar a lógica de acção política na imoralidade, quando as coisas não são sentidas como estando muito más, tinham votações marginais.

"- O que é que desejo? Mas é evidente, meu malcriado! Não vês que ao beber me turvas a água? Nunca ninguém te ensinou a respeitar os mais velhos?

- Mas... senhor? Como pode dizer isso? Olhe como bebo com a ponta da língua... Além disso, com sua licença, eu estou mais abaixo e o senhor mais acima. A água passa primeiro por si e só depois por mim. Não é possível que esteja a incomodá-lo! - respondeu o cordeirinho com voz trémula.

- Histórias! Com a tua idade já me queres ensinar para que lado corre a água?

- Não, não é isso... só queria que reparasse.

- Qual reparar nem meio reparar! Olha que não me enganas! Pensas que te escapas, como no ano passado, quando andavas por aí a dizer mal da minha família? "Os lobos são assim... os lobos são assado..." Tiveste muita sorte por eu nunca te ter encontrado, senão já te tinha mostrado como são os lobos!

- Não sei quem lhe terá contado tal coisa, senhor, mas olhe que é falso, acredite. A prova é que no ano passado eu ainda não tinha nascido.

- Pois se não foste tu, foi o teu pai! - rosnou o lobo, saltando em cima do pobre inocente".

Com o PS a promover permanentemente o Chega, tendo como consequência não esperada a diminuição global da esquerda, o PS entrou em desespero, e resolveu adoptar a lógica Chega de acção política, arrastando consigo a imprensa (admitindo que a esquerda e a imrpensa se distinguem, o que não é claro).

O resultado é esta coisa inacreditável de ver toda a imprensa a olhar para a facturação de empresas resultante de concursos públicos, como se fosse crível que o resultado desses concursos resultassem de adjudicações de serviços menores em 2021 e 2022.

O Chega já ganhou as eleições, seja qual for o seu resultado, ao ter conseguido dar respeitabilidade à calúnia e difamação como instrumentos de acção política, com a ajuda de uma imprensa cada vez mais enredada nas suas próprias especulações.

A imprensa e os atiradores furtivos

por henrique pereira dos santos, em 02.05.25

Em 2015, em plena campanha eleitoral, António Costa convida uma jornalista do Expresso (Ângela Silva, se não me engano[pelos vistos, de acordo com um comentário a este post, a jornalista terá sido Luísa Meireles]) para ir com ele num percurso da caravana da campanha e, nessas circunstâncias, diz-lhe que se perder as eleições, votará contra um governo minoritário de Passos Coelho, confiando que vai conseguir acordos para uma alternativa à esquerda.

No entanto, embora lhe esteja a dar esta informação, é muito claro a dizer que se a jornalista disser que a fonte da informação é António Costa, ele desmentirá.

O resultado foi esta capa do Expresso, pouco tempo antes das eleições.

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A manchete tem tudo o que interessa a Costa (fazendo acordos com a esquerda, posso fazer governo mesmo que perca) e não tem a única coisa que tem interesse para o público: quem garante que assim será?

Ao fazer isto, a jornalista está a assumir que a garantia é dada pela jornalista, que tem uma fonte à prova de bala, mas, para a decisão do eleitor, não é indiferente a garantia da jornalista (que não vale nada) ou a garantia de Costa (que é um compromisso político).

O que me leva a discordar de muitos jornalistas é a leitura disto: para mim, tal como foi publicada, esta página do Expresso é propaganda, enquanto para a maioria dos jornalistas é bom jornalismo assente em fontes à prova de bala. Para ser jornalismo, para mim, a fonte tem de ser identificada para se saber se se trata de uma coisa qualquer que alguém acha interessante, ou um compromisso político.

A demonstração de que só com a revelação da fonte a manchete é relevante para o leitor, é que essa é a única coisa que António Costa não quer ver publicada.

Lembrei-me disto a propósito da discussão em curso sobre quem disse quem eram os clientes da spinumviva.

Ao contrário do que tenho visto ser defendido por toda a esquerda e pelos comentadores de direita que só dizem coisas de esquerda, saber quem quis ver publicada essa informação, neste momento, é a única coisa relevante.

Não vale a pena virem com conversas para boi dormir, todos nós sabemos que se a imprensa quisesse publicar quem eram os clientes de Montenegro, há muito tempo que o teria feito, se há coisa que não é complicado é identificar clientes de uma empresa (estão identificados agora, e daí?), quando alguém quer mesmo saber quem são, o que está em causa não é o nome dos clientes de Montenegro, mas manter no ar uma bola que não se quer deixar cair.

A cultura instalada está tão entranhada que ouvi Helena Matos, uma das pessoas que andam no espaço público com mais bom senso e pés na terra, a dizer que lhe parece óbvio que Montenegro já deveria ter violado os seus deveres para com os clientes, divulgando-os, há muito mais tempo (é tão óbvio, que mais nenhum político o fez, e se o novo entendimento da Autoridade da Transparência se consolidar, é um instante enquanto a lei é alterada porque, com a interpretação feita, o exercício da actividade política pressupõe uma devassa completamente inaceitável, na ausência de qualquer suspeita sobre coisa nenhuma).

Ricardo Costa, que não viu nenhum conflito de interesses não só em manter-se nos cargos de informação que tinha quando o irmão era primeiro-ministro e que, mais que isso, chegou a comentar o caso Influencer como se uma das pessoas envolvidas não fosse seu irmão, também acha óbvio que qualquer político tem de fechar as empresas que detiver, se as tiver fundado e feito crescer com base no seu trabalho, mesmo que entretanto elas tenham autonomia para sobreviver sem ele.

O que estas histórias demonstram é que o jornalismo político, tendo abandonado o princípio de que informação política sem identificação da fonte é propaganda, não é jornalismo, é hoje muito mais político que jornalismo.

O voto ADIL

por henrique pereira dos santos, em 01.05.25

O voto tem três efeitos, no nosso sistema eleitoral.

Tem o efeito primário de eleger deputados.

Tem o efeito secundário de influenciar o orçamento dos partidos.

Tem um efeito de comunicação difícil de caracterizar.

Numa conversa sobre estes efeitos, a partir de perguntas feitas por quem tinha de votar na emigração, acabei por usar os números para explicar o primeiro efeito.

O Chega elegeu dois deputados nos círculos da emigração, há um ano, ganhou na Europa com quase 43 mil votos, o PS elegeu o segundo com 38 mil, a AD não elegeu com 33 mil e a IL teve 5 mil, ficou em segundo fora da Europa, tendo a AD elegido com 22 mil votos e o Chega com 18 mil, o PS não elegeu com 14 mil e a IL teve 1900 votos, atrás dos dois e trezentos votos do PAN. Boa sorte para 2025.

Aplicando este exemplo a todo o país, diria que quem está sobretudo preocupado com a composição da Assembleia da República, isto é, com o efeito de eleição de deputados associado ao voto e, ao mesmo tempo, acha que um governo ADIL é francamente preferível a qualquer governo que tenha como base o PS (não é preciso que se ache que um governo ADIL vai ser o paraíso na terra, basta que se considere que um governo ADIL é um bocadinho melhor que um governo de base PS), é mais ou menos indiferente votar AD ou IL em Lisboa, Porto,  Braga, Aveiro, Setúbal e, talvez, Coimbra, visto que quer o PSD quer a IL podem eleger deputados nesses círculos. Em todos os outros círculos eleitorais, votar IL é favorecer um governo de base PS, porque é diminuir as probabilidades de eleger deputados da AD, aumentando as probabilidades de eleger deputados do PS ou do Chega (os dois partidos cujo crescimento garante um governo de base PS).

Já para quem acha prioritário comunicar as suas opções políticas de fundo, achando que um governo ADIL ou de base PS não altera grande coisa, faz sentido votar em qualquer partido que se pretenda fazer crescer no futuro, porque todos os votos contam para a definição das subvenções estatais aos partidos.

No caso do PSD e do PS, estamos a falar de valores como seis milhões de euros anuais, mas mesmo partidos como o ADN, sem representação parlamentar e sem interesse nenhum e com uma votação extraordinária de 100 mil votos, recebem qualquer coisa como 340 mil euros anuais (entre 3 e 4 euros valerá cada voto, uma boa razão para, nem por brincadeira, votar em partidos absurdos).

Fazei as vossas opções em função do círculo eleitoral em que votam porque se é verdade que formalmente a uma pessoa corresponde um voto, com o actual sistema eleitoral, os votos não são todos iguais, nalguns sítios têm os três efeitos que lhes são inerentes (eleger deputados, financiar partidos e dizer ao mundo o que se pretende), só que, na prática, nalguns sítios o efeito primário, eleger deputados, está fortemente condicionado.

Não, este post não é a defesa do voto útil, até porque o voto é útil para quem o recebe, a quem o dá aplica-se o velho slogan da esquerda anti-parlamentar: se o voto é a arma do povo, quando votas ficas desarmado.

Mas que grossa asneira

por henrique pereira dos santos, em 30.04.25

Ao que parece, com a ajuda do jornalismo dos gritinhos, a oposição está a tentar usar o apagão na campanha eleitoral.

Julgo que é uma asneira política de proporções bíblicas.

Tanto quanto consigo perceber, as pessoas não estão zangadas com o governo nem com os operadores do sistema eléctrico, nem com os serviços de emergência e outros serviços públicos.

Se assim for, não tenho maneira de saber se esta minha percepção corresponde à realidade, criticar o incumbente que tem de gerir uma crise, quando não existem fortes sentimentos de responsabilidade do incumbente nessa crise, é uma asneira da grossa.

Aparentemente, as críticas têm duas linhas de argumentação, qual delas a mais frágil.

Uma, a de que a comunicação do governo foi má.

É uma crítica sem pés nem cabeça, quer porque é a admissão implícita de que a gestão da crise não correu mal, favorecendo o incumbente, quer porque não é nada linear que as pessoas, em situações como a que existiu, tenham grande interesse em estar permanentemente a ouvir políticos num registo forçosamente panglossiano.

A segunda, é a que relaciona a crise com privatizações, quando quer a origem da crise, quer a gestão da crise, não demonstram qualquer ligação com uma gestão mais interessada em interesses particulares com implicações negativas no interesse colectivo.

O que a oposição, e o jornalismo que lhe dá importância nesta rezinguisse, está é fazer perder credibilidade e autoridade de tudo o que diz sobre o governo, mesmo quando tem razão, visto que está a demonstrar que, seja qual seja a circunstância, malhará no governo e em quem o apoia, quer tenha, quer não tenha razões para isso.

A mim já me parecia que a ADIL (AD+IL) está com fortes probabilidades de ter uma vitória relativamente confortável nas eleições, mas se as oposições quiserem cavalgar o apagão para efeitos de campanha eleitoral, ainda se arriscam a levar um arraso bem maior.

Em qualquer caso, acho que o apagão terá mais efeitos na venda de rádios a pilhas que nas próximas eleições.

Ainda a discussão sobre colonialismo

por henrique pereira dos santos, em 29.04.25

Talvez se possa interpretar, desta frase, "se é que se pode chamar historiografia a alguma da actividade associada à exposição, a julgar pelos resultados", que eu teria dúvidas sobre a qualidade do trabalho de Isabel Castro Henriques.

Gostava de esclarecer este ponto.

Não tenho opinião própria sobre o trabalho de Isabel Castro Henriques, não o conheço o suficiente e o que ouço, de terceiros, é que é um trabalho sólido, quando escrevi o que cito acima estava, na verdade, a pensar mais em historiadores que conheço melhor, como Fernando Rosas, que também escreveram alguns dos textos da exposição.

Acho natural que um mané como eu se pergunte por que razão alguém pede a Fernando Rosas para escrever textos científicos ou, no mínimo, académicos, sobre colonialismo, quando sabe perfeitamente que Fernando Rosas tem da política uma concepção que o impede de admitir que alguns pontos de vista devam ser considerados como hipóteses legítimas de interpretação.

Como várias vezes esta questão me surgiu, fui pensando no assunto e parece-me, sublinho este parece-me, que a discussão sobre o colonialismo está de tal maneira inquinada que quem quer que queira trabalhar sobre o assunto, do ponto de vista académico, tem de saber caminhar pelo campo ideologicamente minado que domina, de forma esmagadora, o trabalho da academia sobre este assunto, ou é ostracizado (o que equivale a um suicídio académico).

Isabel Castro Henriques é, intelectualmente falando, uma filha do Maio de 68, como é evidente logo no arranque desta entrevista.

Já tinha lido uma corruptela desta história algures, e é uma boa ilustração do que quero dizer "Mas vi também, na cidade do Huambo, uma realidade colonial diferente daquela que eu tinha aprendido aqui. Havia discriminação? Havia. Havia, por exemplo, cinema para os pretos e cinema para os brancos. Não havia nenhuma placa que dissesse “este é cinema de brancos, este é cinema de pretos”, mas havia uma prática que instalava os brancos (e alguns assimilados) no cinema Ruacaná, enquanto os pretos iam para o cinema São João, onde havia um ecrã que se via dos dois lados".

Comecemos pela corruptela, porque também ilustra bem como a discussão sobre o colonialismo passa rapidamente de uma realidade razoavelmente objectiva, com uma interpretação racionalmente discutível, para uma realidade paralela que encaixa melhor no discurso dominante mas é impossível de discutir porque não tem relação com a realidade.

Na corruptela que eu conhecia, Isabel Castro Henriques teria dito que tinha visto em Nova Lisboa, em 1966, um cinema para brancos e outro para pretos. Estranhei, mas era muito miúdo quando saí de Nova Lisboa (onde nasci), teria dois anos e qualquer coisa, talvez, e por isso fui perguntando a quem lá tinha vivido e que poderia ter mais memória, sem que alguém confirmasse a existência de qualquer cinema, ou coisa parecida, para brancos e outro para pretos.

Ao ver agora a história tal como é contada por Isabel Castro Henriques, a coisa explica-se facilmente: tratava-se, afinal, da distinção social que existe em relação a muita coisa, incluindo a frequência dos espaços públicos.

Para mim, confundir isso com segregação racial é um erro grande, mas compreendo que havendo, como de facto havia, uma forte sobreposição entre distinção social e cor da pele, haja muita gente que confunda as duas coisas, havendo mesmo quem considere isso racismo estrutural.

É uma discussão racional que pode ser feita, é possível que os dois pontos de vista retratem partes distintas da realidade, mas não se pode dizer que o eventual racismo descrito na história que citei pode, de alguma maneira, ser confundido com a lógica da África do Sul ou do Sul dos Estados Unidos na mesma altura.

Dizer que as duas realidades são semelhantes é simplesmente um disparate.

Na história que citei, Isabel Castro Henriques socorre-se de um argumento implícito frequente (que eu acho profundamente racista, diga-se) e lhe permite sugerir a existência de uma espécie de apartheid: consiste em reconhecer que no cinema dos brancos há "não brancos", mas ao mesmo tempo torná-los invisíveis através do uso de um termo do estatuto do indigenato (que nessa altura até já tinha sido revogado): eram "assimilados".

É mesmo muito frequente a desvalorização da elite não branca que se estava a formar, considerando-os como "assimilados", de uma forma que os aproxima do conceito de colaboracionista da resistência ao nazismo, ou de traidor de classe, dos regimes comunistas, o que os torna invisíveis como evidência de que o racismo talvez não fosse igual em todos os sistemas de colonização.

Não só ninguém diz que o engenheiro agrónomo Amilcar Cabral, casado com uma colega bem branquelas (trabalhou no gabinete ao lado do meu, portanto sei bem disso) e, inicialmente, funcionário dos serviços agrícolas portugueses é um assimilado, como o meu chefe dos escuteiros na paróquia mais branca e burguesa de Moçambique, a da Polana, na então Lourenço Marques, era preto retinto (o que seria impossível na África do Sul, na Rodésia, penso eu, e no Sul dos Estados Unidos) e não me lembro de alguém levantar alguma questão com isso ou de o arrumar numa classe de "assimilados" de que nunca ouvi falar, a não ser quando comecei a ler a historiografia moderna que me obrigou a conhecer o estatuto do indigenato.

Nunca ouvi invocar esse estatuto (naturalmente, estava revogado antes de eu nascer) em momento nenhum, por ninguém. Com certeza teria repercussões na sociedade colonial em algumas circunstâncias, mesmo depois de revogado, mas estava longe de fazer parte do dia a dia de uma família da pequena burguesia do funcionalismo público colonial.

O relevante é que quer o que agora escrevi, quer a dissimulação da emergência de uma elite não branca sob a designação de "assimilados", não podem entrar na discussão académica sobre o colonialismo porque não cabem no esquema colonizadores/ colonizados, assente numa ideologia racista, a que tem de obedecer grande parte do trabalho historiográfico sobre essa época.

Curiosamente, Isabel Castro Henriques até tem um discurso desalinhado nesta matéria porque se reconhece a si mesma como historiadora de África e não historiadora da relação de África com a Europa e América, isto é, historiadora da evolução africana motivada por factores endógenos e não externos.

Tenho pena, muita pena, que essa não seja a ideia central da exposição, a de uma historiografia africana de África que, claro, que não pode esquecer os factores externos, incluindo a influência europeia e americana, nomeadamente o colonialismo.

A mim, parecer-me-ia muito mais interessante que andar a lutar contra moinhos de vento, como frequentemente acontece, quando se pretende estudar o colonialismo em África (que está muito longe de ter sido igual em toda a África e menos ainda em todo o mundo) e, parece-me, é excessivamente visível nesta exposição.

Discursos simples não servem a realidades complexas

por henrique pereira dos santos, em 28.04.25

Fui finalmente ver, sem grande profundidade, mas com um enquadramento feito por uma das pessoas que colaboraram na exposição, uma coisa chamada "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades".

A exposição vai estar no Museu de Etnologia até Novembro deste ano, portanto é natural que lá volte.

O problema começa com o objectivo da exposição: "desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial, descolonizar os imaginários portugueses e contribuir, de forma pedagógica e acessível, para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa".

É muito comum, nesta área da discussão sobre o colonialismo (a que, erradamente, se mistura frequentemente a discussão sobre a escravidão, coisas que nem temporalmente se sobrepõem assim tanto), que os investigadores abandonem a posição clássica de quem se interroga para compreender o mundo (o manifesto domínio da academia), para adoptar a posição de quem pretende contribuir para mudar a sociedade (o manifesto domínio da política).

É pacífica a ideia de que compreender o mundo pressupõe uma ideologia (por uma daquelas coincidências improváveis, o ex-marido da coordenadora da exposição era meu colega e antropólogo, conheço-o bastante bem, e lembro-me bem de ele citar um dos seus professores, penso que na Sorbonne, que insistia que não valia a pena ir para o campo sem uma boa teoria), e que a forma como tentamos compreender o mundo não é imune à ideologia que carregamos, mas reconhecer isto não é o mesmo que legitimar a interpretação ideológica do mundo que é característica da actual investigação sobre o colonialismo.

O que mais me impressiona é a simplificação da realidade a partir da chave interpretativa com que se parte, em vez de usar a chave interpretativa como reconhecimento de uma complexidade difícil de apreender sem ideias que nos permitam estabelecer padrões que possam ser discutidos racionalmente.

Um dos exemplos é a forma como tem sido usado o luso-tropicalismo na discussão académica sobre o colonialismo e os seus legados.

A mera existência do choque entre Silva Porto e Livingstone, muito antes de qualquer ideia de luso-tropicalismo (encontram-se em mil oitocentos e troca o passo, Gilberto Freyre nasce em 1900), incluindo a crítica do império britânico à ausência de ocupação real das áreas que os portugueses reclamavam como suas em África e a resposta portuguesa baseada nas suas alianças com os poderes locais, deveria ser suficiente para que a academia se deixasse de simplificações sobre uma realidade demasiado complexa para se meter numa quadro binário de interpretação colonial em que praticamente só existem colonizadores e colonizados, como se do lado dos colonizadores e do lado dos colonizados a realidade não fosse imensamente diversa e contraditória, ao ponto de invalidar qualquer chave interpretativa binária.

Se dúvidas houvesse, comparar a colonização do Congo Belga com a lenta percolação de comerciantes portugueses para o interior de Angola, com rara ou nenhuma protecção do Estado português, seria suficiente para que o discurso académico sobre a colonização europeia de África fosse um bocadinho mais complexo, para descrever realidades muito mais diversas que o esquema dominante baseado na rigidez da homogeneidade de colonizadores e colonizados.

O mesmo se pode dizer do lado dos colonizados, que estavam longe, muito longe, de ser uma mole imensa de explorados que mais tarde os movimentos anti-coloniais representaram legitimamente, pelo contrário, eram um enorme mosaico de sociedades e culturas em permanente relação, quer pacífica, quer violentamente confrontacional, que uma boa parte da investigação sobre o colonialismo trata como uma mera fonte de fornecimento de pessoas escravizadas pela violência branca.

A exposição vale a pena (não discuto a pertinência da relação entre as peças expostas, algumas muitíssimo bonitas, e os textos e ideias expressas, porque não sei o suficiente do assunto), o museu vale a pena, mas a historiografia de base (se é que se pode chamar historiografia a alguma da actividade associada à exposição, a julgar pelos resultados) é melancolicamente esquemática e encharcada pelo ar do tempo woke em que estamos.

"A economia sobrepor-se às pessoas"

por henrique pereira dos santos, em 27.04.25

Fui ter a esta entrevista de Bordalo II, a partir desta crónica de Helena Matos.

Eu gosto muito do trabalho do Bordalo II, tal como da música e do trabalho musical (parece um pleonasmo, mas não é, José Mários Branco fez muita música e fez muita produção da música de outros) do José Mário Branco, o que não confundo é a enorme qualidade artística do que fazem, com o que pensam sobre a sociedade.

O título deste post, por exemplo, que é a citação de uma frase da entrevista, é um completo absurdo que decorre da ignorância de Bordalo II, de que ele não tem a menor consciência, sobre o que é a economia.

A economia é essencialmente relação entre pessoas, quando um jornal faz uma peça em que diz que o alojamento informal é hoje um negócio de milhões, o que o jornal está a fazer é descobrir que, quaisquer que sejam as regras, se alguém precisa de um tecto e alguém pode fornecer um tecto, essas duas pessoas vão acabar por fazer um acordo em que a primeira pessoa entrega qualquer coisa à segunda, em que a segunda está interessada, em troca desse tecto.

Pode não ser dinheiro, note-se, nas organizações caritativas que acolhem pessoas sem abrigo (ou peregrinos) o que a primeira pessoa dá em troca é paz de espírito ao segundo, que se sente bem em ajudar a primeira pessoa (por inclinação emocional ou por sólido percurso racional de adesão a uma ideia, isso é irrelevante), continua é a ser economia.

Se, como acontece em Portugal, as regras impostas pelo Estado dificultam a disponibilização de mais tectos, mas a produção de bens ou serviços em que as pessoas estão interessadas, atrai novas pessoas, então o alojamento informal vai crescer e vai estar mais longe da disponibilização de tectos compatíveis com a dignidade de quem precisa deles.

Quanto mais desequilibrada for a relação entre os que procuram um tecto e a capacidade de os disponibilizar em condições que a generalidade das pessoas considerem justa e razoável, maior será o mercado informal.

A economia é isto, e isto é impossível que se sobreponha às pessoas, porque isto são as pessoas, não é tudo o que as pessoas são, mas a economia são pessoas que estabelecem relações entre elas.

É a justiça, a razoabilidade e o equilíbrio dessas relações que garante a maior ou menor liberdade de cada um no momento em que decide fechar o acordo que permite a troca, sendo razoável que o Estado se centre nas garantias de que não há alguns que abusam da sua posição dominante nestas relações.

Discutir isso parece-me muito útil, mas de Bordalo II eu espero que faça intervenções com grande qualidade artística, não espero que ensine os rudimentos de economia, matéria para a qual tem muito menos competência que para criar intervenções artísticas, umas melhores, outras piores, claro, mas seguramente muito melhores que a maioria das coisas de arte pública que vejo por aí.

O Estado Novo tem as costas largas

por henrique pereira dos santos, em 25.04.25

"Plus fréquents, plus étendus et plus menaçants qu’autrefois, ils s’inscrivent dans un contexte de transition, dans la relation des populations avec le feu et dans son comportement dans les paysages, qui touche de vastes zones du globe".

É de facto uma ironia eu escrever este título num post feito em 25 de Abril, mas antes disso é sobretudo uma coincidência.

Tudo começa quando reparo num título da revista Visão "Grandes incêndios, um legado do Estado Novo".

A peça é assinada por Luís Ribeiro, que vou conhecendo por aí e tenho na conta de um jornalista com bom senso, o que aumentou a minha estranheza, e me fez ler a peça.

Foi por essa via que fiquei a saber de uma conferência ontem, 24 de Abril, sobre um projecto de investigação chamado Paisagens de fogo, e também por isso que acabei por ter acesso às comunicações apresentadas, produzidas no contexto deste projecto.

É de um dos artigos a que cheguei por esta via a citação com que começo o post, e o facto de o estar a fazer a 25 de Abril, com o título que escolhi, não é nenhum branqueamento do 24 de Abril, é uma irritação com a manipulação ideológica com que a academia se entretém para contrabandear ideias que, no mínimo, aparecem recobertas por névoa woke (para usar uma expressão que não é minha, mas achei particularmente adequada) que impede os investigadores de ver para além dos seus preconceitos.

"Au cours de ce processus, les intérêts et l’économie des peuples utilisant les baldios ne sont guère pris en compte [Radich et Baptista 2005] et l’appareil d’État, avec ses ingénieurs et gardes forestiers, s’impose localement. Après la Révolution de 1974, qui a mis ¬n à quarante ans de dictature, les baldios sont revenus aux mains des communautés rurales (avec le décret-loi no 39, du 19 janvier 1976). Cependant, les caractéristiques des baldios et de la population résidente se sont, entretemps, profondément transformées, et les liens entre les deux passablement distendus [Baptista 2010]".

Usa-se uma bibliografia cuidadosamente escolhida: tanto quanto sei, a minha tese de doutoramente é a única sobre a evolução da paisagem rural na totalidade do continente português, ao longo de todo o século XX em Portugal, que se baseia em dados estatísticos directamente coligidos no sistema estatístico nacional, sem implicar qualquer escolha prévia de locais nem de métodos de produção de informação específica, o que não impede os investigadores deste grupo de escolherem não a usar (não por desconhecimento, ela é citada na tese de doutoramento do principal investigador do projecto), mesmo que fosse para demonstrar que está errada, claro.

A citação com que começo o post tem um erro frequente na discussão sobre o fogo em Portugal, a de que actualmente os fogos são mais frequentes do que eram.

É verdade que não se sabe, ou melhor, não está demonstrado de forma quantitativa, a quantidade de área ardida por ano no sistema tradicional, à escala da paisagem, mas tudo aponta para que a mudança do padrão de fogo que ocorreu seja de fogos mais frequentes, menos intensos e menos contínuos, para fogos menos frequentes, mais intensos e mais contínuos.

O que não é incompatível, pelo contrário, com a ideia, essa sim, verdadeira, de que os grandes incêndios são hoje mais frequentes do que eram, uma ideia frequente entre os investigadores de ecologia do fogo: uma das principais razões para ter fogos maiores, mais contínuos e mais intensos é o facto de nos encarniçarmos a impedir e combater os fogos pequenos e médios, obtendo como resultado uma maior acumulação de combustível.

Há uma velha tese de investigadores florestais que relaciona esta evolução com a ocupação dos baldios e as políticas florestais do Estado Novo (no fundo, validando a tese de "Quando os lobos uivam"), frequentemente ligados ao PC mas também de outras tendências políticas, que é uma tese que hipervaloriza as decisões do Estado, em detrimento das transformações económicas e sociais (incluindo tecnológicas) e da morte consequente da economia de sobrevivência que geria a paisagem.

Se era razoável admitir essa tese no tempo de Aquilino Ribeiro (e sem entrar na discussão sobre as razões pessoais que teria para escrever contra os serviços florestais e o Estado Novo), hoje seria uma tese completamente desacreditada, não fosse a vontade de demonstrar as malfeitorias do Estado Novo.

Repetindo-me, o Estado Novo era um regime ilegítimo por basear o governo na força e não na vontade das pessoas comuns, não é preciso manipular a história para tentar demonstrar que foi um regime parecido com o de Pol Pot, ou coisa do género, no que à repressão ou aos resultados económicos diz respeito.

25 de Abril sempre, incluindo na investigação histórica, não é preciso inventar, mesmo que sob a protecção da academia, que os grandes incêndios que temos são um legado do Estado Novo (que, já agora, durou menos tempo que o actual regime, em que as tendências anteriores, com a psicose de apagar fogos úteis, só tem conseguido agravar o problema).


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