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O título do post vem directamente da crónica de Alberto Gonçalves no Observador de ontem.
Lembrei-me porque andava aqui às voltas, na minha cabeça, com um programa da Rádio Observador que tinha ouvido quando vinha da SIC, onde fui dizer lugares comuns sobre gestão da paisagem, a propósito do tempo (no sentido meteorológico da palavra) dos últimos dias.
Era um programa que juntava vários jornalistas da secção de político do Observador a fazer comentários sobre o pacote laboral e a anunciada greve geral.
Claro que se eu protestar com a péssima qualidade do jornalismo do programa, virá um dos papas do jornalismo actual chamar-me ignorante porque o programa não é jornalismo, é um programa de opinião, embora feito por jornalistas, que só são chamados a pronunciar-se por serem jornalistas.
Nenhum deles é especialista em economia do trabalho, ou direito do trabalho, ou macro-economia, ou em desenvolvimento e produtividade, nada, nada, nada, todos eles são apenas jornalistas a comentar a actualidade num programa de actualidade política, mas não é jornalismo, são programas de opinião em que não se aplicam as regras do jornalismo.
Passando por cima destas questões semânticas, o nível de discussão sobre o pacote laboral pouco ultrapassava o nível das discussões dos meus netos sobre quem é responsável por haver água entornada no chão.
"A greve é um direito, sem sopinhas nada feito" é como se conclui a introdução ao programa, que os jornalistas que não estão a ser jornalistas confundem com um programa de humor, fazendo trocadilhos sem sentido de que se riem muito no estúdio (a tendência para os trocadilhos e para a poesia de terceira qualidade devem ser coisas que me irritam mais no jornalismo actual, mais ainda que a sua má qualidade e incumprimento de regras básicas).
Nem vou pela parvoíce de andarem a repetir cem vezes que o governo não tem legitimidade para propor alterações à legislação laboral porque na campanha eleitoral não falou no assunto (por acaso, até está no programa eleitoral " 4.1.1. REFORMAS DO MERCADO DE TRABALHO: MAIS PRODUTIVIDADE, MAIS RENDIMENTOS ... Modernizar as regras para confrontar a segmentação do mercado e ajustar às transformações no mundo do trabalho ... Simplificação do código do trabalho através da racionalização do articulado, fo cada em reduzir custos de contexto, assim garantindo a maior implementação e compreensão das regras pelas partes ... Revisitar o enquadramento legal e privilegiar a concertação social na definição das regras da relação laboral, ajustadas à realidade de cada setor, ao invés do código do trabalho e demais enquadramentos genéricos legislativos associados;" página 265 e seguintes do programa eleitoral da AD, mas isso até é razoavelmente irrelevante), depois do país ter sido governado com base em acordos entre partidos que foram activamente escondidos numa campanha eleitoral, sem que estes jornalistas que afinal não estão a fazer jornalismo questionassem a sua legitimidade.
"Não deixa de ser, a questão da amamentação ... é completamente contra a ideia de que o país tem de puxar pela natalidade" e parvoíces semelhantes (há alguma indicação, por ténue que seja, de que existe alguma relação entre a regulamentação da amamentação e a taxa de natalidade em algum país do mundo?) ocupam o tempo do programa sem que, em nenhum momento, uma parte relevante da secção de política do Observador ache relevante explicar as razões que levam o governo a querer alterar a legislação laboral.
O governo pode não ter razão nenhuma, as propostas podem ser a maior estupidez, mas o governo não acordou um dia a pensar que era boa ideia chatear os sindicatos (sim, que anda chateado com as alterações da legislação laboral são os sindicatos, os trabalhadores, que os sindicatos de facto não representam, acharão bem uns, acharão mal outros, e não fazemos ideia do peso global de cada um dos pontos de vista no conjunto dos trabalhadores do país) alterando a lei laboral, há uma racionalidade relacionada com a capacidade das empresas se adaptarem aos contextos em que operam, por exemplo, seguindo o Bloco de Esquerda que despede trabalhadores quando as receitas disponíveis caem abruptamente por falta de votos.
Estes cortesãos, que se perdem em dichotes sobre questões marginais, em programas de jornalistas sobre a actualidade que não são jornalismo, acham inútil discutir as razões dos que estão contra ou a favor, limitam-se a dizer que "a greve é um direito, sem sopinhas nada feito", esperando que os ouvintes, leitores e afins estarão sempre disponíveis para pagar esta pessegada.
O título do post é o título do livro que acabei de ler, escrito por João Miguel Tavares.
Bem sei que o meu interesse possa ser maior que o de outras pessoas porque estive muito perto de Sócrates durante pouco menos de dois anos, quando ele era secretário de estado do ambiente e eu era vice-presidente do ICN, organismo que, não sendo tutelado por ele, ainda assim acabava por implicar proximidade em muitas circunstâncias.
Dito isto, o livro é muito interessante, João Miguel Tavares escolheu escrever o livro apenas com base em fontes abertas de informação - o que lhe interessava mais era perceber as circunstâncias que permitem a uma pessoa como Sócrates passar entre os pingos da chuva durante tantos anos e com tanto êxito - e escreve-o quase como um policial, fazendo o que faz um arqueólogo que avalia os indícios que encontra numa gruta sobre uma comunidade que existiu há cinco mil anos para construir uma história consistente, coerente e credível.
Aconselho vivamente a leitura, tanto mais que João Miguel Tavares tenta evitar (aqui e ali não consegue, como ninguém conseguiria) leituras especulativas e se atém ao que realmente é publicado, procurando ligar pontas de forma distanciada e racional.
Aqui e ali há coisas que eu interpretaria de forma diferente, como é normal.
Por exemplo, João Miguel Tavares diz que Sócrates, de maneira geral escolhia pessoas com base na sua lealdade e competência, baseando-se nos dados que coligiu e consegue encontrar em fontes abertas.
Eu tenho uma visão menos benigna dos que rodearam Sócrates e o levaram num andor.
Com a informação pessoal que tenho e não consigo demonstrar (portanto, inutilizável por João Miguel Tavares, dado o seu critério de apenas usar fontes abertas publicadas), quando Sócrates se aproxima de alguém é porque tem um interesse concreto nessa pessoa (esse interesse pode ser inteiramente legítimo, por exemplo, querendo acabar com as lixeiras no país, pretende aproximar-se dos dirigentes das ONGs de ambiente, para alargar a sua base de apoio).
A entrada de alguém no seu círculo de relações mais estáveis e de confiança faz-se usando, sucessivamente, três métodos: 1) Procura seduzir e convencer as pessoas (mais uma vez, nada de ilegítimo nisto, é normal que um dirigente de uma ONG de ambiente se sinta atraído e dê o seu apoio a um político que julga que pode realmente alterar o panorama das lixeiras em Portugal); 2) Se a primeira abordagem não resultar ou não for suficiente, procura comprar a pessoa (outra vez, nem sempre ilegítimo, ascender socialmente é um desejo mais que razoável e a proximidade a um político com futuro não é condenável, sob nenhum aspecto, quando digo comprar não estou, necessariamente a falar de trocas ilegítimas); 3) Se as duas primeiras abordagens falham, usa em último caso, sem qualquer complexo, a coacção, para obter o que quer.
Deste processo resulta uma selecção do seu círculo de confiança com base em duas características, sim, que se podem confundir e às vezes se sobrepõem com as identificadas por João Miguel Tavares, mas que acho menos benignas: uma fidelidade canina, mais que lealdade e, sobretudo, uma relação descomplexada com (por esta ordem), a verdade, a lei e as regras.
Sendo certo que a combinação destas duas características resulta no afastamento de quem não seja suficientemente competente para as executar sem falhas, isto é, limita muito a incompetência social e a outra, das pessoas envolvidas.
O facto do país ter votado como votou em António Costa, depois do desastre socrático, um exemplo típico de relação descomplexada com a verdade, a lei e as regras, é uma boa demonstração da tese de João Miguel Tavares: o problema não é ter havido um Sócrates, o problema é nós termos esta relação com a verdade, a lei e as regras, que limita a nossa capacidade de escrutínio das pessoas e das instituições.
Tendo escrito sobre um contexto internacional e financeiro que empurra os preços das casas para cima, e sobre o efeito de um mercado de arrendamento disfuncional, sobra uma questão: e nós, o que temos de fazer para gerir o problema do acesso à habitação por parte de quem não tem capital nem crédito para comprar casas ao preço a que estão, nem encontra um mercado de arrendamento suficientemente dinâmico que lhe permita arrendar uma casa, deixando de lado as políticas sociais que devem ser completamente autónomas em relação ao funcionamento do mercado?
Usando palavras que não são minhas para resumir a parte mais pacífica do contexto actual: "se a economia entra em grande dinamismo e os salários reais crescem continuamente, a taxa de esforço para comprar casa baixa, ou espera-se que baixe, e é expectável que os preços subam, o que leva a movimentos (especulativos) de antecipação. O mesmo acontece em períodos de inflação esperada, onde a compra de imobiliário (mesmo que seja para manter a casa fechada) é uma boa forma de preservar o valor da riqueza acumulada. Mas a “âncora” dos rendimentos continua efectiva".
A questão é que a liberdade de circulação de capitais permitiu, no entanto, a entrada de capital vindo de outras origens, com rendimentos mais elevados e acumulação de capital mais robusta, o que fez o mercado imobiliário português desprender-se do nível de rendimento local, para o ajustar ao nível de rendimento de outros países (mais uma vez uso, talvez criativamente, ideias que não são exactamente minhas, mas que me parecem lógicas e com base empírica razoável, mas estou disponível para mudar de opinião).
Este processo foi potenciado pela criação de liquidez induzido, em grande parte, pelos bancos centrais.
Há, se estas coisas estiverem certas (sendo até potenciadas pelo turismo) duas opções centrais: 1) controlar os movimentos de capitais e o desenvolvimento do turismo, no fundo, limitar a criação de riqueza, para obrigar os preços do imobiliário a ajustarem-se de novo a níveis de rendimento mais baixos; 2) aceitar os factos da vida, trabalhar para melhorar os níveis de rendimento, inundar o mercado de casas e procurar deslocar emprego para zonas menos pressionadas do ponto de vista do imobiliário, limitando a expectativa de rendimento seguro, rápido e crescente que existe em relação ao imobiliário.
Se "as condições de taxas de juro baixas, abundante liquidez global e expansão de crédito alimentam essa procura de investimento", então parece claro que é preciso inverter a lógica patrimonial (cultural, ambiental e de procura de qualidade urbana) que preside ao licenciamento para a construção de casas pelo menos desde a segunda guerra mundial (que, na verdade, é uma expropriação pelo Estado do direito de construção que tradicionalmente era intrínseco ao direito de propriedade), passando do actual modelo de proibição de construção, a menos que haja licença, para um modelo de permissão de construção a menos que haja razões concretas para que seja limitado esse direito (prejuízo para vizinhos, valores culturais relevantes e reconhecidos como tal pela comunidade, questões ambientais concretas, reconhecidas como tal pela sociedade), abandonando de vez a possibilidade de questões de opinião ou de gosto (o que inclui, por exemplo, a altura dos edifícios) permitirem o bloqueio da construção de habitação.
Passa a caber ao Estado a demonstração das razões para impedir a construção, deixando de caber aos promotores demonstrar a bondade dos seus projectos.
E, por agora, fecho aqui um conjunto de posts sobre habitação, que isto está a tornar-se cansativo.
A ideia de que se o mercado não responde ao que se considera uma necessidade social, o que é preciso é obrigar o mercado a funcionar de maneira socialmente aceitável (ou seja, "é preciso domesticar os mercados") é uma ideia tentadora e de maneira geral defendida com grandes proclamações (ou coisas mais ou menos irónicas como dizer que se a habitação deixar de ser um direito constitucional, o problema fica resolvido, como se as casas aparecessem, aos preços pretendidos, apenas porque alguém escreve isso num papel).
Tem, no entanto, um problemazito: os mercados reflectem a natureza humana, porque são o resultado das interacções voluntárias entre pessoas normais e, embora condicionados pelas regras definidas socialmente, domesticar os mercados corresponde a tentar domesticar a natureza humana.
Ao contrário do que frequentemente se lê por aí, o direito de propriedade não é uma forma de defender as classes dominantes, o direito de propriedade é uma fórmula social alternativa à lei do mais forte, isto é, o direito de propriedade é uma condição de liberdade e, por essa via, uma condição para mercados funcionalmente razoáveis (mercados perfeitos só existem nos manuais de economia).
Sempre que se limita o direito de propriedade, por exemplo, expropriando o direito a construir inerente ao direito de propriedade, ou limitando administrativamente as rendas que remuneram o capital de alguém, o resultado é uma compressão da liberdade dos indivíduos responderem à informação que o sistema de preços produz, o que tem consequências muitas vezes não pretendidas.
Exemplifiquemos com a manipulação administrativa do preço do arrendamento, de maneira geral justificada com necessidades sociais (é preciso que as pessoas consigam pagar uma casa e todos tenham abrigo) e com a desqualificação moral da remuneração do capital investido através da conversa da especulação (um clássico histórico, desde sempre presente na literatura a propósito da falta de coração dos senhorios, mas igualmente presente na condenação secular dos intermediários).
A renda de uma casa é o ponto de encontro entre o valor pela qual o dono da casa está disponível a ceder o seu uso a terceiros e o valor que alguém está disposto a pagar pelo uso da casa de terceiros, eventualmente por não ter (ou não querer usar) capital para a compra ou construção de uma casa própria.
Corresponde ao mecanismo básico de financeirização da habitação
Há algumas condições centrais neste acordo, e condições de contexto que influenciam a vontade dos dois interessados na troca do uso da casa por um valor em dinheiro (tradicionalmente, no mundo rural, a troca não era por valor em dinheiro, mas em trabalho, tal como no caso dos criados que viviam em casa dos seus patrões (daí o termo criado, num tempo de rigidez social acentuada), mas esqueçamos isso agora).
A primeira condição é que o dono da casa, isto é, do capital, pode dispor do capital quando quiser, isto é, pode fazer voltar para si o uso da casa em qualquer altura, e a segunda é que pode definir o valor da renda em função do contexto.
Dada a sensibilidade social de que se reveste a perda de abrigo repentina, em especial quando envolve crianças, velhos ou doentes, o Estado, mais ou menos em todo o lado, impõe algumas regras de protecção dos inquilinos (tal como nas relações de trabalho, as relações senhorio/ inquilino são, de maneira geral, assimétricas), mas a verdadeira liberdade do inquilino consiste em poder mudar de casa a qualquer momento, se assim o entender.
Quando se limitam as rendas, e as possibilidades de despejar os inquilinos indesejados, o resultado prático é que o mercado de construção para arrendamento, que consiste em mobilizar poupança de uns para garantir casas a outros mediante um pagamento definido, é um mercado mais arriscado e menos interessante, o que faz com que o capital para a construção de casas, isto é, aquilo que aumenta a liberdade do inquilino mudar de casa em qualquer momento, diminua.
Por um lado, parte do capital é desviado para outros sectores (ver aqui o que aconteceu em Portugal nas últimas décadas), por outro, o mercado de construção orienta-se para a venda de casas, isto é, limita o acesso à habitação dos que não têm capital suficiente para comprar uma casa própria (ter capital pode ser, parcialmente, substituído por ter crédito).
O controlo das rendas parece uma boa ideia para quem já tem um contrato de arrendamento, especialmente se estiver associado a regras de protecção contra despejos muito favoráveis aos inquilinos (e nem precisam de ser favoráveis aos ocupas, como em Espanha), mas não resolve o problema de quem procura casa porque a oferta de arrendamento se reduz substancialmente, provocando um aumento do valor das rendas, quando não mesmo o desaparecimento do mercado de arrendamento, aquele que permite a quem não tem capital nem crédito, isto é, os mais pobres e vulneráveis, aceder a uma casa.
Mas mesmo para quem já tem um contrato de arrendamento que o senhorio não quer, mas que o Estado o obriga a aceitar, o resultado é a progressiva degradação da casa, ou a progressiva substituição do senhorio pelo inquilino na responsabilidade de manter a casa em boas condições (com o que isto significa de conflito potencial entre senhorio e inquilino).
Com uma terceira implicação, aqueles que procuram uma casa são empurrados para a sua compra, pressionando a procura e fazendo subir os preços de venda, o que implica um efeito de aumento do valor da renda (para além do prémio de risco que a protecção dos inquilinos, por intervenção do Estado, implica para os senhorios), para obter o mesmo retorno do investimento.
Resumindo este post, na medida em que o mercado de arrendamento se vai tornando mais regulamentado e desfavorável aos senhorios, vai definhando e contribuindo para o aumento do valor das casas para venda e escassez de casas para arrendamento, limitando a liberdade dos inquilinos mudarem de casa facilmente, o seu principal instrumento de negociação com o senhorio.
O apoio do Estado ao acesso à habitação dos mais pobres traduz-se num aumento de procura, o que significa aumento de preço, e as limitações à liberdade das pessoas responderem à procura, seja por limitação das rendas, seja por limitação administrativa da capacidade de fazer casas, acaba por contribuir para acentuar a escassez de casas e impulsionar o seu preço no sentido da subida.
O corolário lógico do que escrevi, é que a maneira mais simples e rápida de responder à pressão da procura de casas é a total liberalização do mercado de arrendamento, associada a programas sociais de apoio a quem não tem rendimentos para suportar os efeitos imediatos dessa liberalização nos contratos mais antigos (nos contratos mais recentes o efeito da liberalização pode mesmo traduzir-se num abaixamento das rendas, embora me pareça, intuitivamente, que esse efeito seria, em qualquer caso, relativamente limitado).
A médio/ longo prazo, não vejo como se possa responder à procura sem aumento da construção de casas e deslocalização de emprego.
Identificadas razões (com certeza há mais) para que o imobiliário tenha uma evolução de preços acima da inflação geral, identificada a falácia de que o papel das políticas públicas é "domesticar os mercados", como dizia Capoulas dos Santos a propósito de preços de alimentos, talvez valha a pena perder algum tempo com um aspecto essencial: as circunstâncias não são iguais em todo o lado.
O quadro geral é bem sintetizado pelo ChatGPT, uma vez que sejam feitas as perguntas certas (não foram feitas por mim, eu não sei o suficiente do assunto para fazer perguntas úteis):
"o fenómeno não pode ser explicado apenas pela procura de habitação para uso. O essencial está na transformação do imobiliário em veículo de investimento financeiro, resultado de: 1) políticas monetárias prolongadamente expansionistas; 2) globalização do capital; 3) desequilíbrios de regulação e fiscalidade; 4) percepções culturais de segurança patrimonial. O preço da habitação já não expressa apenas o custo da escassez, mas o preço de um activo financeiro num contexto de procura global por rendimento e segurança real".
Ou seja, os dados empíricos que existem "Permite[m] demonstrar que os preços da habitação subiram relativamente aos rendimentos".
E permitem também dizer que os preços de compra têm vindo a subir face ao aumento das rendas, o que é um indicador de que a expectativa de valorização da casa pesa razoavelmente na decisão de compra, ou melhor, que tem havido uma valorização da expectativa de valorização da casa maior que da valorização do rendimento tradicional obtido através de arrendamento, demonstrando uma valorização "especulativa" (no sentido de que a escassez futura vai aumentar) com a correspondente desvalorização da valorização pelo uso. (espero não estar a dizer demasiadas asneiras porque estou a tentar perceber um assunto sobre o qual não sei grande coisa).
No entanto, para a escolha de políticas públicas sobre o sector, é importante saber que "os grandes desequilíbrios estão nas metrópoles — médias nacionais podem diluir o fenómeno".
Quem diz metrópoles diz regiões, por exemplo, onde vive uma das minhas filhas (Austin, Texas), houve um período de investimento muito relevante de empresas, nomeadamente das grandes tecnológicas, que evidentemente fez subir os preços das casas em Austin, como reacção aos preços (e outros factores) proibitivos na Califórnia, isto é, a reacção de algum capital não é investir em mais imobiliário onde estão as crescer os preços da habitação, mas deslocar empregos para zonas onde os preços do imobiliário são mais baixos.
No caso de Austin, já agora, como a oferta é menos regulamentada que na Europa, ao primeiro aumento de preços no imobiliário seguiu-se uma resposta da oferta, com construção rápida de novos edifícios, que terá estabilizado os preços do imobiliário ao fim de algum tempo (com a consequência habitual das melhores localizações aumentarem a sua valorização face às localizações sub-óptimas).
Resumindo, para fechar este post, é claro que existe uma dimensão financeira no aumento de preços das casas (eu diria que o mesmo se passou, há muitos anos, com a criação das bolsas de acções e obrigações), que essa dimensão financeira tem uma componente "especulativa", como têm as obrigações e acções que podem aumentar ou diminuir o seu valor, que essa componente está relacionada essencialmente com as expectativas de valorização futura (que podem correr bem ou mal), mas que tudo isso, tal como no mercado de acções, não existe no vácuo, assenta numa capacidade real de produção de riqueza, isto é, de uso do capital.
O que implica discutir o mercado de arrendamento (quanto mais destruído, como em Portugal e poderá acontecer em Nova York se o prometido pela presidente de câmara eleito for de facto aplicado - o clássico erro do controlo administrativo das rendas - mais potencial especulativo acrescenta ao valor de uma casa, por restringir as vias possíveis de acesso ao uso, especialmente dos mais pobres) e as dificuldades da oferta responder a uma procura existente, sem misturar isso com as políticas sociais de acesso à habitação por parte de quem não tem rendimentos suficientes para fazer face a essa despesa.
Os preços da habitação, ou de outra coisa qualquer, serem altos ou baixos não é, em si, bom ou mau, é o que é.
Os preços são um mero sistema de informações que resiste a todos os regimes, e há milhares de anos, porque são muito eficientes como sistema de informação, permitem rapidamente e de forma muito, muito transversal, perceber se há muita ou pouca gente interessada em ter ou vender uma coisa.
Na discussão da habitação, infelizmente, tem-se perdido demasiado tempo a discutir a necessidade de baixar o seu preço, quando na verdade o preço da habitação estar alto não é muito relevante na discussão.
Por um lado, é preciso deixar as pessoas organizarem-se em função da informação transmitida pelo preço: se a habitação é muito cara em Lisboa, talvez alguns empresários decidam investir em Alcaravelas, porque isso lhes permite ter trabalhadores satisfeitos com o seu nível de vida, com ordenados que não sejam incompatíveis com o preço do produto ou serviço que esses empresários pretendem fornecer.
Para este aspecto, o melhor que o Estado tem a fazer é retirar da frente tudo o que distorce o sistema de preços (a comparação clássica é com a válvula da panela de pressão, se alguém, irritado com o silvo da válvula da panela de pressão, resolve fixar a válvula para ela deixar de fazer barulho, o resultado não é o silêncio pretendido, mas a explosão da panela).
Sobra um outro aspecto que diz respeito ao acesso das pessoas à habitação, que é um problema social se houver um grande desfasamento entre o que as pessoas recebem pelo que produzem e o que pagam para ter acesso à habitação.
Se o Estado acha que deve garantir o acesso à habitação às pessoas que não têm recursos para isso, o que tem a fazer é apoiar essas pessoas, ou fornecendo directamente casas a preços fora do mercado (e a experiência dessa solução, em Portugal, não dá grande esperanças), ou apoiando-as na diferença entre o que podem pagar e o que precisam para ter uma casa (solução complicada, até por favorecer o aumento do preço da habitação, se tudo o resto se mantiver igual mas, ainda assim, uma solução potencialmente interessante).
Qualquer que sejam as opções, a verdade é que o conjunto de factores que contribuem para definir o preço é influenciado pelo número de casas disponíveis no mercado (seja para venda, seja para renda), e pelo número de pessoas interessadas em casas.
Enquanto o mercado imobiliário era praticamente local, o preço das casas tenderia a não estar muito mais alto que aquilo que a generalidade das pessoas poderiam pagar, sendo certo que sempre houve faixas muito alargadas de pessoas que, em cada momento, não conseguiam pagar o suficiente para ter uma casa (e o Estado tem ilegalizado a construção individual de um tecto, de acordo com os baixos rendimentos dessas pessoas, por entender que o resultado são condições de habitabilidade abaixo de limiares de dignidade).
Só que a procura potencial tem sido aumentada por factores externos, em especial, o turismo e a disponibilidade financeira global.
Citando o ChatGPT "Políticas monetárias ultra-expansivas, Globalização do investimento imobiliário, Regulação e fiscalidade, Transformações culturais e demográficas", para além do turismo, têm contribuído para um aumento da procura acima do aumento da oferta, o que implica aumento de preços globais, acima dos factores clássicos que sempre empurraram os preços do imobiliário: "Oferta insuficiente, Custos de construção, Pressão migratória urbana".
Ainda o ChatGPT (com cortes e pequena alterações):
"O resultado é um mecanismo de retroalimentação financeira:
O crédito barato e o excesso de liquidez aumentam a procura de imóveis.
A subida de preços reforça a percepção de que o imobiliário é um bom investimento.
Essa percepção atrai mais capital — inclusive estrangeiro — elevando ainda mais os preços.
Isto gera três consequências críticas:
a) Exclusão habitacional e desigualdade patrimonial
b) Risco macroeconómico
c) Distorsão do investimento produtivo"
O risco macroeconómico e a distorsão do investimento produtivo são questões que os empresários e consumidores resolvem com as suas opções, tomando o sistema de preços como fonte de informação.
A desigualdade patrimonial não me interessa por aí além e sobra, portanto, a questão da exclusão habitacional para um próximo texto.
Como sabe quem passa aqui pelo blog, escrevo frequentemente sobre assuntos que domino mal (curiosamente escrevo menos sobre assuntos que domino melhor, quer porque significa repetir-me em demasia, quer porque o número de pessoas que se interessam pelos assuntos de que sei qualquer coisa, em especial, gestão da paisagem, não só são poucos como estão numa época de refluxo).
Entre esses assuntos que domino mal, está a habitação, sobre a qual tenho escrito com algum frequência nos últimos tempos.
Como o que escrevo se baseia muito no meu pequeno mundo paroquial, alguém me fez lembrar, com razão aparente (e o aparente é mesmo porque, não sabendo o suficiente sobre o assunto, não tenho capacidade para ter opinião autónoma sobre a validade do que me parece sensato), " há uma coisa que me leva a suspeitar que há qualquer coisa a faltar: o fenómeno é mundial, pelo menos nas economias avançadas; e é muito estranho que em todas elas a procura “normal” tenha disparado e a oferta tenha atrasado o ritmo. Que o sector da habitação tenha sido repentinamente abalado por um surto inflacionário mundial, quando o resto da inflação (dos produtos) está estabilizada. O único outro segmento das economias tem sido galopante é nos activos financeiros. Portanto, intuitivamente, tendo a acompanhar a hipótese (para mim é mais que hipótese) que o real estate está a ser mais investido como activo financeiro, por motivos especulativos (sem conotação moral) do que era habitual. E que a procura para este fim está a ter um efeito maior do que habitual no comportamento do mercado e seu equilíbrio".
O comentário parece-me lógico, e conversa puxa conversa, entre perguntas (feitas por quem sabe mais que eu, perguntar é sempre útil, mas é mais eficiente quando quem pergunta sabe melhor o que perguntar) e inteligência artificial, parece-me pacífico melhorar a visão sobre a realidade da habitação com base em informação relacionada com o que é referido no comentário.
Deixarei para outros textos (este ficaria demasiado comprido) alguma discussão sobre aspectos mais específicos e, para já, interessa-me assinalar este facto: a "financeirização" global da procura sobre habitação tem efeitos nos preços (em que medida, é mais complicado responder, veremos em próximos textos se consigo dizer qualquer coisa racional sobre isso), mas admitir o diagnóstico não é subscrever as teses que apontam para o controlo da procura (limitações xenófobas de acesso ao mercado, limitações irracionais a actividades económicas, controlo de rendas, etc.) é apenas procurar melhorar a resposta a dar para um dos eventuais efeitos desta financeirização: a exclusão de parte da sociedade do acesso à compra de habitação (que não é o mesmo que o acesso à habitação, o imobiliário sempre foi um mercado com uma forte componente financeira que permitia que a poupança se transformasse em casas que se arrendavam aos que estavam excluídos de compra ou construção própria da sua casa).
Veremos o que consigo escrever sobre isto nos próximos dias.
Miguel Santos Carrapatoso define-se profissionalmente assim: "Poveiro por direito e convicção, jornalista de Política desde 2013. O percurso conta-se assim: Diário de Notícias, Observador, Expresso e novamente Observador, casa para onde regressei desta vez como editor-adjunto de Política".
É portanto um jornalista que anda na política há mais de dez anos.
Não faço a menor ideia se é um bom ou mau jornalista, admito que seja bom quando faz jornalismo, o que me interessa, para este post, é a sua estranha pulsão que o leva a escrever textos de opinião mascarados de jornalismo, violando regras básicas do jornalismo sobre o uso de fontes anónimas.
Escusam de vir com a conversa de que de jornalismo percebem os jornalistas, o jornalismo é uma coisa demasiado importante para ser deixada aos jornalistas.
Em qualquer caso, desde as respostas da inteligência artificial, até aos artigos genéricos em coisas como a wikipedia, passando pelos livros de estilo de orgãos de imprensa ou organizações ligadas ao jornalismo, há uma unanimidade total quanto à cautela no uso de fontes anónimas, pelas imensas questões éticas que levanta, desde logo a motivação da fonte e as razões pelas quais requer o anonimato, questões que são largamente potenciadas no jornalismo político, em que o interesse das fontes manipularem os jornalistas para obter ganhos políticos, sem correr riscos políticos associados à sua identificação, é estratosférico.
Acresce, no caso do Observador, que não só é frequentíssima a publicação de textos especulativos de Miguel Santos Carrapatoso, sistematicamente baseados em fontes anónimas (como se especular sobre os interesses políticos de Passos Coelho ou Montenegro fosse jornalismo de investigação que obrigasse à protecção das fontes para não acabarem no dia seguinte com um tiro na nuca), como é igualmente frequente o protesto dos leitores com esta opção.
Aparentemente, o Observador acha que ser independente é também ser independente dos seus leitores, portanto abstem-se de ter uma política editorial que limite a publicação de textos de jornalismo político (ou de opinião, vamos esquecer as discordâncias sobre a classificação destes textos) com base no anonimato das fontes, apesar dos protestos dos leitores.
Eu percebo a dificuldade, adoptar uma política estrita, eticamente exigente, de uso de fontes anónimas, implica o risco de publicar muito menos, intervir muito menos no espaço político e obrigar os jornalistas a ser muito mais cautelosos na procura de factos verificáveis em que possam basear o seu trabalho.
Só que isso é a vida, se querem ser um tasco que serve almoços a cinco euros, os processos de produção são uns, os ordenados pagos estão em linha com esse objectivo e os ganhos para o dono do tasco são o que são, se querem subir na cadeia de valor, acrescentar qualidade e rigor e pagar convenientemente aos trabalhadores, naturalmente é preciso ser mais exigente consigo próprio e ter cozinheiros de elevado nível.
Caberá depois a cada um de nós decidir se prefere almoçar no tasco, num sítio decente, ou passar pelo supermercado, o que sei é que tascos não faltam por aí.
"Estou convencido de que, quando olharmos retrospectivamente para o momento que vivemos, a saliência que a imigração ganhou no debate público destacar-se-á como sintoma de um processo de desagregação social, cavalgado politicamente. Mas também descobriremos que a fixação com os imigrantes era, afinal, parte de uma ofensiva mais vasta que obedecia a uma sequência previsível: primeiro os imigrantes, depois as minorias e, no fim, as mulheres. No que é também uma história grotesca que se repete."
Não faço ideia do que passou pela cabeça de Pedro Adão e Silva para escrever isto como fim de um texto sobre o que disse Ana Paula Martins na Assembleia da República.
Comecemos pelos factos.
Uma senhora imigrante, legalizada, morreu de complicações associadas à gravidez, depois de ter passado pelo hospital uma vez, a terem mandado para casa e depois o socorro não ter chegado a tempo quando, em casa, a situação se complicou.
É uma situação que poderia acontecer a qualquer mulher, embora menos provável em gravidezes mais bem acompanhadas.
Os serviços tutelados (mas não geridos) pela Ministra deram-lhe informação errada sobre o caso que levaram a Ministra a enquadrar, erradamente, o caso como sendo um exemplo de situações que têm ocorrido relacionadas com obstetrícia, descrevendo um contexto que está muito relacionado com a procura de serviços de saúde por imigrantes, quer os que estando há relativamente pouco tempo em Portugal estão menos integrados e têm mais dificuldade de acesso aos sistemas de saúde, quer os que vêm especificamente a Portugal à procura de uma qualidade de assistência médica que os seus países de origem não lhes garantem.
Aparentemente, não há muita gente interessada em discutir a substância do caso, que tem duas componentes: a primeira, saber exactamente o que aconteceu no caso concreto para ver o que se pode melhorar de maneira a que não se repita ou, pelo menos, se repita menos vezes o conjunto de circunstâncias que resultaram na morte de duas pessoas; a segunda, saber se a caracterização que a Ministra fez é sólida porque, a serem as coisas, de maneira geral, como descrito pela Ministra, está identificado um problema a que é preciso dar atenção.
Pedro Adão e Silva escolhe outro caminho, que explica bem por que razão a esquerda a que pertence Pedro Adão e Silva está em dificuldades.
Por um lado, nega que a imigração, quando atinge proproções relevantes num curto espaço de tempo, seja um fenómeno social com implicações sérias que precisam de atenção e por isso emerge na discussão pública, na sua opinião, é um mero "sintoma de um processo de desagregação social", conceito que nem percebo como seja aplicável ao contexto migratório que existe, e menos ainda percebo que seja usado por um sociólogo.
Por outro, acha que a Ministra da Saúde referir-se a problemas - volto a dizer, que não sei se estão bem ou mal caracterizados - relacionado com a prestação de cuidados de saúde a imigrantes, faz parte de uma "ofensiva" (muito gosta a esquerda desta linguagem) planeada para atacar as minorias e as mulheres, usando os imigrantes como desculpa (muito gostam estes homens de esquerda de tiradas paternalistas, dirigidas a mulheres, sobre os direitos das mulheres).
Grotesco, diz ele, e muito bem, um ministro do governo que mais irresponsavelmente tratou o assunto da imigração vir acusar quem tenta resolver os problemas decorrentes da negligência do governo anterior de fazer parte de uma ofensiva mais vasta que visa os imigrantes (que o governo anterior tratou irresponsavelmente), as minorias e as mulheres.
Estou a ler o livro de João Miguel Tavares (de quem gosto) sobre Sócrates e acho que me ajuda a perceber algumas das outras coisas que escreve João Miguel Tavares: traumatizado pelo péssimo escrutínio que a os seus colegas da imprensa fizeram sobre Sócrates, João Miguel Tavares tem medo que todos os outros políticos lhe passem a perna e, consequentemente, ao mínimo sinal, dispara loucamente, para ver se outro Sócrates não nos come as papas na cabeça.
Hoje resolveu escrever sobre as tangas do actual governo sobre saúde, a propósito do intenso fogo de barragem que a imprensa tem feito sobre Ana Paula Martins.
Começou o artigo com uma grande tanga "Jorge Coelho demitiu-se após a queda de uma ponte porque as pontes não caem todos os dias".
Esta tanga anda há anos a ser vendida, mas o facto é que Jorge Coelho sabia e tinha sido avisado de que a ponte tinha problemas estruturais e não fez uma coisa que poderia ter feito (interditar o trânsito na ponte) por razões de gestão política. Sabendo isto, sabia que ficar onde estava o levaria a ser cozinhado em lume brando pelos seus inimigos, o que limitaria as suas perspectivas futuras e, inteligente e arguto como era, tratou de se livrar dessa responsabilidade, demitindo-se (como sabemos, António Costa fez exactamente o mesmo com o Governo, como Guterres já tinha feito antes, livrando-se de responsabilidades que lhe seriam cobradas no futuro, pondo-se ao fresco o mais rapidamente possível, com base numa tanga piedosa qualquer. Tivesse Sócrates aprendido a lição e hoje seria, provavelmente, um ex-presidente da república numa tranquila reforma).
Mas não é única tanga do artigo, bem pelo contrário.
Depois de uma extensa enumeração de razões para o caos no sector da saúde que hoje existe (com referências a algumas das responsabilidades concretas de António Costa na situação), fala, justamente, da péssima qualidade de gestão do sector.
É aqui que introduz uma nova tanga: "este governo não era obrigado a destruir a nova estrutura executiva criada pelo governo de António Costa, ainda antes de saber se ela funcionava".
Ou seja, António Costa, para resolver um problema de mercearia partidária (não nomear ministro Fernando Araújo sem que ficasse demasiado melindrado), inventou uma estrutura a que nunca ligou nenhuma, nomeou uma pessoa cuja acção ninguém consegue dizer qual foi em concreto (mais tarde Fernando Araújo é eleito como cabeça de lista no Porto e, verificando que o PS não tinha ganho e, consequentemente, não iria ser ministro, renuncia imediatamente ao cargo, ilustrando bem o seu respeito pelas instituições e os processos democráticos) e João Miguel Tavares acha que o governo seguinte devia manter tudo como estava (e estava manifestamente mal), até haver certezas absolutas de que uma má solução era uma má solução.
E também acha inacreditável que o governo tenha criado expectativas (empoladas pelos seus amigos jornalistas) com o anúncio de um plano de emergência (que o governo cumpriu, resultando numas coisas, não resultando noutras), como se os problemas do serviço nacional de saúde fossem uma questão de anúncios ou de gestão de expectativas.
João Miguel Tavares entra então na tanga de que o resultado deste plano é um Orçamento de Estado que corta 10% das verbas da saúde, como se cortar verbas de um sistema ineficiente fosse, necessariamente, uma má opção (o serviço nacional de saúde duplicou o seu orçamento em dez anos, sem que a sua produção tenha acompanhado este aumento de financiamento, pelo contrário, os estudos que existem apontam para perdas de produtividade de 15%).
E fica muito enxofrado porque Montenegro reage ao fogo de barragem a que está sujeito dizendo que não são exactamente cortes, são melhorias de eficiência (do ponto de vista da comunicação política, eu também preferiria um primeiro ministro que dissesse que ia cortar sim, porque há muito desperdício, mas convenhamos que criticar um político sob fogo de levantar um escudo que acha que o protege, não me parece muito relevante).
João Miguel Tavares acha que o SNS não resiste a tanta tanga, como se resolver os problemas do SNS fosse uma questão de mais ou menos tangas, e não uma maratona de peqeunas e grandes medidas orientadas num caminho coerente, e permanentemente avaliadas e corrigidas, que se sabe que vão ser torpedeadas sistematicamente por adversários políticos e correlegionários inimigos.
A ministra traça um perfil da maioria das grávidas que têm crianças na margem do sistema de saúde, a propósito de uma senhora que morreu, dando informação errada sobre esse caso concreto, que lhe foi fornecida pelos serviços (já Fernando Alexandre foi vítima da sua confiança na informação dos serviços, mas como dizia o meu pai a propósito de tudo, é preciso confiar sempre, até prova em contrário ... e mesmo depois disso. Acrescento eu, que cada vez estou mais convencido de que o meu pai tinha razão, a alternativa é muito pior, como demonstrou Lenine que, ao contrário do meu pai, entendia que confiar é bom, controlar é melhor, e todos sabemos no que deu).
João Miguel Tavares faz uma interpretação demagógica do que a Ministra disse, para a pôr a lamentar que as grávidas não tenham telemóvel, quando na verdade a Ministra estava a caracterizar uma situação (eu não sei se a caracterização está certa ou errada, não tenho informação para saber, o que eu acho é que o trabalho dos jornais não é torcer o que é dito com interpretações criativas do que é dito, mas sim ir à procura de informação que permita perceber se a caracterização que a Ministra fez é uma tanga, ou se, pelo contrário, tangas têm sido o pão nosso de cada dia no que os jornais escrevem sobre o sector).
Volto a frisar, gosto de João Miguel Tavares, tenho consideração pelo que escreve, parece-me evidente que escreve porque pensa isto ou aquilo e não porque tem uma agenda que quer contrabandear, mas tenho a certeza de que prefiro ter Ana Paula Martins como ministra da saúde a ter João Miguel Tavares ou qualquer um dos jornalistas que têm estado envolvidos no fogo de barragem sobre a actual ministra.
E prefiro ter uma ministra que vai estando e tentando resolver, a um discípulo qualquer dos políticos que citei anteriormente, que se demitem, não porque querem assumir qualquer responsabilidade com a sua demissão, mas porque a demissão lhes permite fugir das responsabilidades, preservando as suas carreiras pessoais para o futuro.
Já por aqui falei de José Pimentel Teixeira, com quem me cruzei pessoal e brevemente uma ou duas vezes, mas que conheço digitalmente por causa da sua vida moçambicana e o que sobre ela foi escrevendo (já agora, tem um novo livro, ainda não comprei nem li, mas tenciono fazê-lo, porque gostei do anterior).
Por isso, quando foi inaugurada esta exposição de que aqui se fala, vi os seus comentários críticos.
Não foi por causa deles que fui ver a exposição, na verdade fomos numa visita guiada, porque a minha mulher achou boa ideia, o que acabou por retardar bastante a visita.
Não conheço a comissária da exposição (Isabel Castro Henriques), mas fui lendo coisas dela aqui e ali, incluindo algumas entrevistas, e fiquei espantado com afirmações taxativas que ninguém, rigorosamente ninguém que eu conheça (incluindo os meus irmãos mais velhos, eu tinha dois anos quando saí da terra onde nasci, e nem do que almocei ontem me lembro, quanto mais do que se passava lá quando tinha dois anos), confirmava, nomeadamente a existência de um apartheid formal ao ponto de haver um cinema para brancos e outro para pretos em Nova Lisboa, onde Isabel Castro Henriques viveu brevemente, por ter ido lá casar com o seu primeiro marido que, esse sim, conheço bastante bem.
A visita foi guiada por um dos seus netos, antropólogo (João Moreira da Silva) e estive um bocado à conversa com ele, quer porque conheço uma das tias, minha colega, quer porque conheço (e tenho bastante respeito) o pai, Jorge Moreira da Silva mas sobretudo porque me parecia uma exposição manifestamente inclinada ideologicamente, com afirmações que a minha experiência africana manifestamente não confirmava.
Devo dizer que fico contente que, lentamente, comentários despretensiosos, mas sólidos, como os de José Piementel Teixeira, acabem por, meses passados, chamar a atenção para o facto de se estar a fazer contrabando ideológico com dinheiros públicos, através de uma colonização profunda das instituições relacionadas com as ciências sociais, em especial as académicas ou as que têm relações estreitas com a academia (notável a afirmação de que não se responde a comentários das redes sociais, a ser verdadeira a transcrição referida na notícia).
Quando alguém fez referência ao post que fiz sobre a doideira de Simone Tulumello resolver fazer um artigo terraplanista sobre o mercado da habitação, respondi, candidamente, que há disto em todo o lado, embora reconheça que é mais fácil alguém contestar ideologicamente uma lei fundamental da economia que da física.
A resposta foi menos ingénua, chamando-me a atenção para a coligação perversa entre jornalismo ideológico e academia igualmente ideológica, em que a presença de investigadores no espaço mediático se constitui como uma vantagem de progressão das carreiras, ao abrigo de um nebuloso conceito de disseminação e impacto da investigação: o jornalista escolhe quem sabe o que diz o que o jornalista quer dizer, para o que a respeitabilidade académica dê credibilidade à agenda da jornalista, e o escolhido beneficia da exposição mediática para reforçar a sua respeitabilidade académica.
Dir-se-á que nada disto tem importância, que se resolve com o tempo.
Sim, em parte é verdade, mas basta ler o artigo de hoje de João Pedro Marques para perceber que não é assim tão simples, a profundidade das dimensões ideológicas que encharcam as redacções dos jornais, a academia e as instituições do Estado ligadas à educação é avassaladora, e vai demorar muito tempo até ser, não digo resolvida, mas ao menos contida nos seus efeitos negativos.
David Pontes, director do Público, escreveu, na Quinta-feira, 30 de Outubro, um editorial com o título que cito no título deste post.
"O primeiro contributo foi ... Direcção executiva manda hospitais cortarem na despesa, mesmo que implique abrandar consultas e cirurgias", diz David Pontes, auto-elogiando o jornalismo do Público.
O problema é que a peça que, de acordo com David Pontes, é essencial para que saibamos que "a partir daqui é preciso apertar o cinto", é um exemplo típico de mau jornalismo, quer porque não existe, até hoje, qualquer evidência de que exista a ordem para cortar na despesa mesmo que implique diminuir a prestação de serviços, quer porque a peça se baseia em fontes anónimas que relatam a sua interpretação de uma reunião sem qualquer outra base verificável, quer porque a própria peça refere o Orçamento de Estado como dando indicação de que o Governo pretende reduzir despesa no sector, quer ainda porque a própria peça, mesmo no finzinho, dá nota de um estudo que refere entre 2015 e 2024 há uma perda de produtividade de 25% no sector, tornando bastante estúpida a conclusão de David Pontes de que "a partir de agora é preciso apertar o cinto" quando o que está em causa é ganhar a eficiência que tem vindo a ser perdida (seria útil um jornalismo que definisse bem o problema e que escrutinasse a acção do governo para obter resultados de eficiência no sistema de saúde, um jornalismo que de cada vez que morre alguém pede a demissão da ministra da saúde é um jornalismo doente e inútil).
"A meio da manhã soube-se que a PJ estava a desencadear buscas ... Desde 2020 jornalista Cristina Ferreira foi, de forma praticamente solitária, relatando estas vendas".
Isto fez-me lembrar as críticas ao livro de João Miguel Tavares sobre Sócrates, cuja tese central, ao que percebi (ainda não li o livro), é exactamente a de que apesar de haver uns jornalistas solitários que foram trazendo informação sobre as trafulhices de Sócrates, a generalidade dos jornalistas, em especial os das secções de política que têm a responsabilidade de escrutinar mais intensamente a actividade dos políticos, preferiram não ver. Honra seja a Cristina Ferreira por escrutinar as vendas do Novo Banco, mas o facto de durante cinco anos o fazer de forma quase solitária apenas demonstra a falta de curiosidade da generalidade do jornalismo, não demonstra a qualidade do jornalismo, que prefere não ver quando o assunto não cabe na sua agenda.
"Ainda poderia falar da entrevista a António José Seguro tornada viral ... feita ... das vezes (nove!), em que as duas jornalistas perguntaram ao candidato se ele era de esquerda".
Camarada David Pontes, acha mesmo que duas entrevistadoras perguntarem nove vezes a alguém que foi secretário-geral do PS se é de esquerda é bom jornalismo? A quem interessa isso, para além de jornalistas de esquerda à esquerda do PS empenhados em demonstrar que um antigo secretário-geral do PS não é de esquerda? Acha mesmo que alguém compra o seu jornal para verificar que a estratégia comunicacional de António José Seguro consiste em evitar que o metam no pequeno reduto de representante da pequena esquerda?
"Ou da discussão pública que o trabalho de académicos sobre habitação ... continuava a suscitar".
Como já fiz vários posts sobre esse trabalho supostamente académico (até um dos autores veio, no Público, explicar que tudo o que escreve é ideológico, portanto chamar a uma coisa que não cumpre requisitos mínimos de validação pelos pares como académico é mais uma evidente demonstração da falta de Norte do jornalismo actual, incluindo no seu mais alto nível: o editorial de um jornal que se pretende de referência e subsiste por caridade da família Azevedo), acho que nem preciso de explicar por que razão a vergonhosa manchete e peça aqui referida não servem como penhor de bom jornalismo.
O camarada David Pontes acha que a crise do jornalismo resulta de sucessivas alterações tecnológicas (é verdade, a tecnologia tornou muito mais democrática a circulação de informação, retirando poder aos que conseguiam dominar a imprensa) e dos ataques dos que "da mentira e da falsidade uma forma de vida".
Lá admitir a contribuição dos jornalistas para a miserável credibilidade que hoje a sociedade atribui ao jornalismo clássico, isso é que nunca, os jornalistas nunca se enganam e raramente têm dúvidas, sugere ele.
Simone Tulumello é um geógrafo que escreve sobre habitação, deixando claro que "Arquitectura (especialmente urbanismo) e Geografia são, com a Sociologia, as disciplinas centrais aos estudos de habitação (housing studies)", ao contrário da economia que "teve tradicionalmente pouco interesse no sector da habitação: só nas últimas duas décadas há uma produção científica significativa".
Como Simone Tulumello explica, "a clássica lei da procura e da oferta ... nunca é demonstrada: é assumida como um facto e usada como instrumento para forçar a realidade".
Baseando-se num economista (apesar de desvalorizar o contributo do conhecimento económico para a discusssão da economia da habitação) que escreve no Ladrão de Biclicletas e no Esquerda.net (Vicente Ferreira), Simone Tulumello não tem dúvidas em afirmar que "a disponibilidade de casas relativamente aos núcleos que dela precisam" é "o parâmetro que deveria definir o encontro entre procura e oferta", isto é, que a existência de uma casa vazia em Alcaravelas em simultâneo com uma família sem casa na Baixa da Banheira, define o ponto de equilíbrio entre oferta e procura de casas em Alcoentre.
Isto só não se verifica actualmente porque os fundos internacionais tratam a habitação como um activo financeiro, invalidando a lei da oferta e da procura pela introdução de um elemento externo que empurra os preços para cima retirando casas do mercado através do investimento no sector (por favor, não me peçam para explicar as ligações lógicas disto, estou apenas a tentar caracterizar o caminho lógico de Tulumello à procura da oferta no sector da habitação).
Tulumello cita o artigo 65º da constituição, atribuindo aos indivíduos obrigações que a constituição atribui ao Estado, para argumentar que há um conflito de direitos, isto é, que o direito de propriedade (que é dos indivíduos) e o direito à habitação, que deve ser assegurado pelo Estado, se equivalem e se devem equilibrar.
Por isso afirma, lucidamente, aliás: "Muita gente que tem muito espaço na comunicação social não consegue aceitar que a habitação seja reconhecida como um direito, exactamente como o direito à propriedade".
É verdade que muita gente não consegue aceitar esta ideia: não há nenhuma razão para aceitar uma ideia sem qualquer base moral ou legal, como é o caso, visto que o direito de propriedade é um direito intrínseco dos indivíduos (ao ponto da Declaração Universal dos Direitos Humanos lhe dedicar o seu artigo 17, sem quaisquer condições), enquanto o direito à habitação é um direito social e económico que cabe ao Estado assegurar (na Declaração Universal dos Direitos Humanos é um mero direito decorrente do direito a um nível de vida digno), isto é, manifestamente não estão "exactamente" no mesmo plano.
"O que muitos economistas esquecem é que o valor económico da habitação ... é determinado primariamente por nós: pelo Estado que lhe fornece as infraestruturas que a tornam habitável; e pela colectividade, que faz as cidades e os lugares que dão valor a um imóvel. ... faz completamente sentido pretendermos que essas casas sejam utilizadas para o fim ao qual se destinam ... O direito à propriedade não pode ser confundido ... com o direito de transformar um objecto necessário à satisfação de um direito básico em activo financeiro".
Caro Tulumello, não são os economistas que se esquecem, é a sociedade, são as pessoas comuns que querem mesmo poder dispor dos seus recursos, da sua propriedade e estão mesmo escaldadas com as inúmeras formas de contrabando que pretendem reabilitar a ideia de apropriação colectiva dos meios de produção.
A sua ideia de que alguém não pode pegar numa banana e em vez de a comer (ou seja, a utilizar para o fim ao qual se destina) a transformar numa obra de arte que é um activo financeiro, é a negação da liberdade.
Acontece que a liberdade é um direito que está ainda antes e acima do direito de propriedade que tanto incómodo causa a cabeças totalitárias como a sua.
E se resolver pensar um bocadinho no assunto, verá que a lei da oferta e da procura não é nada do que descreve acima, é a mera materialização da liberdade de trocar um bem ou serviço por outro bem ou serviço que outro alguém tem a liberdade de dispor como bem entende.
Mas se a ideia de liberdade não o seduz, como parece, ao menos que olhe para os resultados obtidos pela aplicação de ideias semelhantes às suas: em lado nenhum do mundo o controlo das rendas e da propriedade das casas pelo Estado deu bons resultados no médio/ longo prazo (raramente, deu resultados razoáveis no curto prazo, nada mais).
Esta tolice é das mais repetidas pelos estatistas que insistem que tem de ser o Estado a resolver os problemas de habitação que existem.
Comecemos pelo mais básico de tudo: o Estado, em Portugal, é responsável por 2% da habitação, o mercado por 98%, portanto, nestas circunstâncias, dizer que o mercado falhou, parece-me simples idiotia.
Note-se que, mesmo no que diz respeito a habitação social, o mercado é responsável por cerca de 3% da habitação social que o Estado, por via repressiva, impõe aos senhorios que assegurem, através de uma lei de arrendamento iníqua.
Refira-se ainda que mesmo em países em que o Estado é responsável por bem mais que 2% da habitação, os problemas de acesso à habitação subsistem, vejam-se os exemplos de Amesterdão ou de Estocolmo, neste último caso, o tempo de espera por uma casa é superior a dez anos.
Dir-se-á, com razão parcial, que o mercado actual, em Portugal, não está a dar resposta à forte procura que existe fora dos segmentos médio/ alto, alto e de luxo.
A pergunta central que se deve pôr é a seguinte: havendo, como há, uma forte procura de habitação nos segmentos médio, médio/ baixo, baixo e mesmo social, por que razão não há um caixa de supermercado jeitoso que arrisque construir para esses segmentos, com margens mínimas, mas ainda assim abrindo a possibilidade de um futuro mais risonho que a carreira que o espera no supermercado?
Primeira hipótese, o jeitoso não tem qualificações que lhe permitam meter-se nesse negócio. É uma hipótese sem interesse nenhum porque qualquer pessoa, com quaisquer qualificações, consegue produzir um quarto a mais na sua casa para alugar e ajeitar o seu rendimento ao fim do mês. Não o faz, legalmente (ainda gostava de saber quantas das casas estatisticamente devolutas correspondem a casas em pleno uso no mercado informal), porque a regulamentação sobre a matéria não lhe permite disponibilizar um quarto em condições sub-óptimas mas, ainda assim, melhores que a que o potencial inquilino tem neste momento, seja na rua, seja em casas superlotadas que alugam camas ilegalmente, seja na famosa história de se dormir na bagageira do Uber fora das horas de serviço (história que não sei se existe, o que sei que existe é que o senhor de uma das mercearias perto de minha casa vive com a mulher e dois filhos dentro da mercearia, em condições que, evidentemente, a lei proíbe).
Segunda hipótese, não tem capital para investir. Hipótese mais séria que a primeira, mas não só o crédito é relativamente fácil (bem sei que é mais fácil para os ricos que para os pobres mas, de uma maneira ou de outra, apesar de tudo é relativamente fácil) como, tivesse ele uma nesga de terreno, poderia ir fazendo uma barraca que venderia e lhe permitiria fazer outra melhor, que venderia, e depois uma casa modesta, que venderia, etc.. Não o pode fazer legalmente porque a lei o impede de construir coisas que, não sendo o óptimo, seriam melhores que as condições actuais em que dormem os potenciais compradores (ou inquilinos), para além de lhe exigir um processo kafkiano de licenciamento para o qual ele não está preparado.
Terceira hipótese, não tem a tal nesga de terreno porque não consegue aceder a terrenos onde se possa fazer uma coisa qualquer. Sim, essa é uma parte relevante do problema, mas quem cria a escassez de terrenos é o Estado ao expropriar o direito de construção na minha propriedade, impedindo os mais pobres de aceder a terrenos piores, com problemas, onde possam fazer um tugúrio qualquer que possam melhorar com o tempo, não é o mercado que não consegue responder a esta procura, é o Estado que ao impor critérios de construção e qualidade mínimos, deixa de fora todos os que, por uma razão ou por outra, não têm recursos para fazer, arrendar ou comprar alguma coisa que melhore as suas condições actuais, até que tenham outras condições para mudar para melhor.
Poderia estar aqui a desfiar hipóteses, umas atrás das outras, mas todas elas se podem reduzir a uma ideia chave: o mercado não responde à procura de segmentos mais baixos, porque é um mau negócio construir para esses segmentos.
E é um mau negócio porque o Estado impõe condições de construção que obrigam a custos elevados, tendo destruído o mercado de arrendamento (e sem vontade de o liberalizar, dar liberdade contratual e ser o garante do cumprimento dos contratos livremente estabelecidos), impôs a escassez dos terrenos onde se pode construir, regulamentando a construção de modo a tornar impossível a existência de construção barata (regulamentando áreas, infraestruturação, eficiência energética, etc., etc, etc..) e taxando sofregamente a actividade.
Não, não é o mercado a falhar, o mercado está a funcionar razoavelmente, dentro dos estreitos limites que o Estado impõe, de que resulta a resposta padrão do mercado, orientada para os segmentos que podem pagar o cumprimento de todas as restrições que o Estado resolve inventar.
Substituir o investimento privado pelo investimento do Estado no sector, mantendo o contexto (o que não é seguro, como se sabe, o Estado tende a fazer para ele regras que não são válidas para as pessoas comuns), apenas vai agravar o problema porque o Estado não costuma ser mais eficiente que os privados na produção de bens e serviços.
Se tiverem dúvidas, é olhar para a gestão dos bairros sociais, em que mesmo com rendas de menos de vinte euros, o grau de incumprimento dos inquilinos é brutal e a degradação é a norma, porque os recursos gerados não pagam, sequer, a depreciação do capital.
"Está tudo bem e nem há qualquer problema em conseguir uma habitação seja em que regime for, porque 85% das transações são feitas por familias (já agora quantas em valor absoluto), o crédito à habitação vai de vento em popa, constroem-se mais casas, MAS, os preços continuam a subir e a procura mantém-se estável e elevada, quando logicamente devia reduzir nem que fosse poucochinho porque algumas das casas contruídas deviam ter satisfeito parte da procura.
Mas não, a procura continua no universo dos baixos salários que impede aceder ao universo da oferta dos preços elevados e em crescendo.
Toda a Europa já se apercebeu desta situação exceto o HPS e mais algumas sumidades da IL.
Nem sempre uma mentira por ser muitas vezes dita, passa a verdade."
Não é a qualidade do comentário, que é fraquinha, que me interessa, mas sim o facto de comentários deste tipo serem muito frequentes e, por isso, valer a pena insistir na desmontagem de algumas tretas, em especial a treta habitual de distorcer os argumentos dos outros, para se conseguir argumentar.
Vou usar a técnica da fiambreira, cortando fatia a fatia.
"Está tudo bem e nem há qualquer problema em conseguir uma habitação seja em que regime for".
Ninguém diz que não há qualquer problema, há divergências sobre que problemas existem (eu tenho insistido que o problema central é o do acesso à primeira habitação, para além do problema que existe deste tempos imemoriais que é o facto de uma casa ser cara, por isso haver dificuldade dos mais pobres a esse bem, tanto maior quanto o mercado de cedência a troco de renda ou serviços for mais escasso), mas há um acordo bastante transversal de que há dificuldade em encontrar casas a baixo, ou mesmo moderado, custo.
Usar este tipo de distorções dos argumentos dos outros é uma confissão de incapacidade de argumentação racional.
"porque 85% das transações são feitas por familias (já agora quantas em valor absoluto)".
De novo a mesma técnica da distorção (a referência aos 85% das transações respondia ao argumento de João Paulo Batalha de que a construção não significava oferta porque era tudo para entesourar) e outro truque retórico que consiste em fazer perguntas para as quais se sabe, ou pode saber, a resposta. Os dados que uso são de fácil acesso ("Entre abril e junho de 2025, transacionaram-se 42 889 habitações, o que representa uma taxa de variação homóloga de 15,5% e um aumento de 3,7% face ao trimestre anterior. No trimestre de referência, o valor das habitações transacionadas atingiu 10,3 mil milhões de euros, mais 30,4% que em idêntico período de 2024. No 2.º trimestre de 2025, as aquisições de habitações pelo setor institucional das Famílias perfizeram 37 699 unidades (87,9% do total), somando 8,9 mil milhões de euros (87,0% do total). Neste período, os compradores com um domicílio fiscal fora do Território Nacional adquiriram 2 107 alojamentos (4,9% do total), o que representa uma redução homóloga de 14,5%"), o que demonstra que a pergunta não pretende convocar informação para a discussão, mas levantar dúvidas quanto à validade dos argumentos do adversário.
Esta técnica de levantar dúvidas quanto à informação através de perguntas retóricas que podem fragilizar as bases objectivas de uma discussão racional é uma evidente confissão de incapacidade de argumentar de forma útil e racional.
"o crédito à habitação vai de vento em popa, constroem-se mais casas, MAS, os preços continuam a subir e a procura mantém-se estável e elevada".
Este tipo de frases que misturam informação objectiva (a que está antes do MAS), a que se segue uma frase com meias verdades, antecedida de uma adversativa, é outra técnica retórica muito usada por quem tem dificuldade em deixar que os factos influenciem as suas ideias. O argumento que se pretende contestar, mais uma vez, respondia ao argumento de João Paulo Batalha de que a construção não aumenta a oferta de casas porque é tudo para entesourar (ninguém percebe esta ideia de que os investidores vão correr riscos para o mercado imobiliário em vez de comprar lingotes de ouro, porque partem do princípio de que estando a aumentar a construção fora do mercado, isso faz com que a expectativa de valorização futura no momento em que as casas entram no mercado seja forte e segura). Que os preços continuam a subir é um facto, que a procura seja estável não está demonstrado em lado nenhum, que é elevada face à oferta é outro facto (basta ler o que citei do relatório do INE, com os preços a subir mais que a oferta, indiciando que o aumento da procura é maior que o aumento da oferta) e, portanto, o MAS que caracteriza este argumento não faz sentido nenhum, não há nenhuma justificação para uma forma adversarial entre factos consensuais.
O que se pretende, com esta técnica retórica, é sugerir que os adversários estão a omitir informação que contraria o seu argumento, esta forma de distorcer o ponto de vista dos outros é a confissão de que não há muitos argumentos racionais que permitam à discussão evoluir de forma útil.
"quando logicamente devia reduzir nem que fosse poucochinho porque algumas das casas contruídas deviam ter satisfeito parte da procura".
Bingo!, era aqui que se pretendia chegar, quando esta conclusão não tem a menor base empírica ou teórica. Para que os preços baixem ou, pelo menos, não subam ao mesmo ritmo, é preciso que a dimensão da nova oferta seja próxima ou maior que a nova procura. O que o sistema de preços está a dizer é que não é isso que se passa, o que se passa é que o aumento da oferta tem sido lento, e o aumento da procura tem sido mais rápido, estando a maioria dos investidores convencidos de que essa tendência tem condições para se manter algum tempo. O que acontece é que há um conjunto de pessoas que acham que a construção de casas não deveria aumentar, por razões que não têm qualquer relação com a teoria económica, e que são perfeitamente legítimas, e portanto entretêm-se neste jogo argumentativo da treta, procurando justificar os efeitos reais dessa opção política legítima: o aumento da dificuldade dos mais pobres acederem a uma habitação (é um clássico, os mais pobres é que pagam as favas da imposição a todos da virtude das classes dominantes).
Pretender que uma opção política legítima, mas desastrosa, tem efeitos diferentes daqueles que a realidade demonstra, através destas chiquelinas argumentativas, é característico de quem está mais preocupado com a sinalização da sua virtude que com a resolução dos problemas dos outros, em especial, dos mais pobres e frágeis.
"Mas não, a procura continua no universo dos baixos salários que impede aceder ao universo da oferta dos preços elevados e em crescendo".
O corolário clássico deste contorcionismo argumentativo acaba em novelos lógicos sem qualquer interesse: a procura está no universo dos baixos salários, mas os promotores imobiliários preferem só construir para o universo dos altos rendimentos onde, aparentemente, o distinto comentador acha que não está a procura (a frase não se entende muito bem, tem ali uma junção de palavras que se pretendem usar, "baixos salários" e "preços elevados e em crescendo", mas a ligação entre essas palavras parece carecer de qualquer lógica, portanto é possível que a minha interpretação, que me pareceu ser a única que poderia justificar a frase, não seja a interpretação mais razoável da frase).
"A explicação é esta: o stock de casas novas não está a ser posto no mercado, nem de arrendamento, nem de venda. São activos financeiros que estão parqueados para investimento".
João Paulo Batalha, que não conheço a não ser do facto de ter estado num mesmo estúdio de televisão que eu quando foi do debate sobre a pequeníssima alteração da lei dos instrumentos de gestão territorial a que erradamente se chamou lei dos solos, resolveu desembestar numa defesa completamente acéfala do artigo do Público de ontem sobre habitação.
Apesar de várias pessoas lhe explicarem na sua página de Facebook, de forma simples, as razões pelas quais o artigo era puro lixo (e eu acrescento aqui o boneco que o Carlos Guimarães Pinto usou para demonstrar a tolice do que está a ser dito sobre a oferta, a título de exemplo das várias coisas que permitem dizer que João Paulo Batalha simplesmente não quer ver a realidade para não ter de mudar de ideias), continuou com uma cassette sobe os dados estarem errados ou não, e outras patetices, até que finalmente escreveu a frase que cito no início deste post.

Note-se que o problema não é João Paulo Batalha dizer disparates, todos nós dizemos, o problema é que um artigo que, no essencial, apresenta o argumento de que construir casas aumenta o preço (como alguém judiciosamente comenta, se isso fosse verdade, então demolir casas teria como efeito diminuir o preço) foi amplamente citado como sendo uma coisa séria, ao ponto de, à noite, a SIC, no seu jornal principal, repetir a estupidez, chamando um geógrafo para corroborar esta inovação brutal da teoria económica.
O terraplanismo passou a ter direito de cidade, no actual jornalismo.
Veja-se a explicação brilhante (citada no princípio deste post) dada por João Paulo Batalha para corroborar a existência de um fenómeno raro, a demonstração de que a lei da oferta e da procura não se verifica no mercado da habitação.
Constrói-se para entesourar ("activos financeiros que estão parqueados para investimento", uma frase que não diz nada, evidentemente, mas soa muito bem), ao ponto de que tudo o que se está a construir não entra no mercado da habitação, portanto, há aumento tímido de construção, mas não há aumento da oferta.
Significa, se esta hipótese for verdadeira, que não há transações no sector das famílias.
Os dados são claros, mais de 85% das transações são feitas por famílias.
Se esta hipótese for verdadeira, o crédito à habitação deve estar pelas ruas da amargura.
Azar, há 21 meses que o crédito à habitação está a crescer, sendo o aumento do mês mais recente para os quais existem dados o maior aumento do stock de crédito à habitação desde 2008, ou seja, se a hipótese de João Paulo Batalha for verdadeira, há um monte de famílias portuguesas a endividar-se loucamente para parquear activos financeiros para investimento (a frase que acabei de escrever não faz grande sentido, a compra de uma casa é, ela mesma, um investimento, mas não sou eu o responsável pelo absurdo, estou apenas a levar a sério as tolices escritas por outros sobre o mercado da habitação).
É o estado do debate sobre políticas públicas promovidas pelo jornalismo e apoiado por pessoas para quem a realidade é completamente irrelevante, face ao brilhantismo das suas ideias e à pureza moral de que se revestem.
A propósito do artigo que me faz escrever este post, no Público, fui parar a um artigo do Expresso, sobre o facto das rendas terem baixado, que começa com esta frase típica de um jornalismo de referência: "No primeiro trimestre de 2024 as rendas dos apartamentos cresceram 3,8% na Europa, o que mostra que os preços continuam a abrandar".
Esta confusão entre diminuição da aceleração e travagem é um clássico das peças jornalísticas que falam da inflação (o que não falta é gente que pensa que os preços diminuem quando a inflação baixa), mas o artigo de hoje no Público, de Rafaela Burd Relvas, é outro nível de iliteracia económica.
"É uma máxima do liberalismo económico de fácil compreensão: quando a oferta de um produto ou serviço aumenta, superando a ecvolução da procura, o seu preço diminui; quando o contrário se verifica, o movimento inverso acontece. Seria uma teoria credível, não fosse, no caso da habitação, embater na realidade".
Ou seja, o Público, através de uma das suas jornalistas, da opção editorial de dar o destaque do jornal a este texto e de fazer disto a manchete da primeira página, está, num domínio do conhecimento diferente, a subscrever teses científicas ao nível de dizer que a terra é plana ou que Darwin não tem razão nenhuma e a teoria da evolução não passa de uma história da carochinha.
Talvez o mais espantoso seja o facto de, para garantir que uma das leis básicas da economia não se aplica à habitação (e, de resto, acha que é apenas uma das máximas do liberalismo económico e não uma lei básica da economia), Rafaela Burd Relvas não vá ouvir pessoas que percebem da economia do sector, mas duas pessoas que não têm qualquer trabalho sobre a economia da habitação (ou sobre qualquer outro domínio da economia).
Mais, uma delas, que nunca leu o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos ("Artigo 17 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade."), chega mesmo a explicar que era o que mais faltava que alguém tivesse direito a ter mais casas que aquela em que vive: "Uma coisa é a casa onde vivemos. Ninguém tem de mexer nela. Outra coisa é a ideia de que temos o direito de ter mais casas do que aquela em que vivemos, como um instrumento para extrair rendimento. Uma segunda casa não é um par de sapatos".
De resto, o outro investigador, sem qualquer curriculum em economia, revela a mesma ignorância sobre os processos económicos, ao explicitamente achar que não existem custos de capital e que capital parado em contexto de inflação não gera perda (e já nem falo no custo de oportunidade, por ser demasiado complexo para estas cabecinhas): "Se eu vender laranjas, não posso ficar com as laranjas, indeterminadamente, porque elas aprodrecem (uma nota marginal sobre a ignorância em matéria de cozinha e conservação de alimentos, que parece estar ao nível da ignorância económica). ... Não é isso que acontece no caso dos imóveis ... Não consegue vender no momento, mas recusa-se a baixar o preço. Espera um, dois, três, quatro anos. E o preço não baixa; pelo contrário, até vai subindo".
A tese central defendida é que como o aumento de preços coincide com as regiões onde também aumenta mais a oferta, isso permite a conclusão de que aumentar a oferta não diminui o aumento da pressão da procura que faz aumentar o preço.
Que essa coincidência seja exactamente a demonstração da lei da oferta e da procura que se pretende negar (onde aumenta a procura o preço aumenta, gerando maior retorno para o investimento, o que faz coincidir, geograficamente, o aumento do preço e da oferta, enquanto a oferta não superar a procura) parece ser ideia que não cabe na cabeça da jornalista, dos dois investigadores de áreas não económicas que a jornalista escolhe ouvir para contestar uma das leis básicas da economia, dos editores que resolvem aprovar e dar destaque a esta tolice, sem que, sequer, percebam que, para além da pura difusão de "fake news", o jornal está, por coisas como esta, a cavar a sua sepultura.
Que haja jornalistas, investigadores, músicos e artistas plásticos (há muitos nos duzentos investigadores e especialistas que entendem que não se pode negar o direito à habitação com base na defesa do direito de propriedade, como se o direito de propriedade não fosse um direito humanos fundamental e o direito à habitação uma mera decorrência do direito genérico a um nível de vida satisfatório ("Artigo 25 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.") de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos) que escolham jamais deixar que os factos influenciem as suas ideias, é lá com eles.
Que a direcção e os accionistas de um jornal achem normal que se negue a lei da gravidade para justificar o facto dos aviões voarem apesar de serem tão pesados, já me parece manifestamente excessivo para um jornal que se pretenda sério.
Uma das mais interessantes contribuições teóricas de Lenine contraria directamente Marx: onde Marx (e Engels) entendiam que só os trabalhadores poderiam libertar os trabalhadores da sua exploração, Lenine veio falar da vanguarda dos trabalhadores, organizada no partido dos trabalhadores.
A tendência das organizações para se justificarem a si mesmas e hostilizarem os indivíduos que só criam confusão dentro das organizações, começando por terem as ideias que lhes apetece, em vez de terem as ideias que interessam à organização, é uma tendência muito forte e Lenine alavancou essa tendência na ideia do centralismo democrático, isto é, democracia dentro das organizações, sim, mas nunca com reflexos externos em que a individualidade contraria a decisão democrática colectiva.
É neste sentido que às vezes falo da tomada de poder pela ala leninista da Iniciativa Liberal, isto, a ala para quem a preservação da "linha justa" partidária é mais importante que o direito à asneira de toda a gente, o que conduz à ostracização e provável afastamento dos que não prescidem das suas opiniões no espaço público, mesmo que desalinhadas dos interesses da organização (escusam de me falar de Carlos Guimarães Pinto, com uma intervenção partidária mínima, que exprime publicamente as suas opiniões, não alinhadas com a direcção da Iniciativa Liberal, porque é uma excepção que confirma a regra, excepção essa que se deve à consciência do seu peso no movimento liberal em Portugal).
Não há nada de específico neste comportamento da direcção da IL, se falo mais vezes nisso a propósito da Iniciativa Liberal é apenas porque o liberalismo me interessa mais que o que defendem outros partidos.
Esta longa introdução tem apenas o objectivo de enquadrar a questão do financiamento partidário em Portugal, que é generoso e esmagadoramente feito pelo Estado, com base no número de votos.
Ou seja, a diferença entre o Bloco de Esquerda e a Jerónimo Martins, do ponto de vista do seu negócio, existe na substância, mas não tanto nos processos: o fundamental é ter uma equipa suficientemente profissional para vender o produto de forma eficiente, sendo possível ter receitas que garantam a sustentabilidade do negócio, mesmo que toda a gente diga mal das duas organizações.
Os militantes do Bloco (como de qualquer outro partido), na verdade, só atrapalham e não servem para nada, têm ideias próprias, conspiram uns contra os outros, não são precisos para financiar a organização e a manter, ao contrário dos funcionários do Bloco (ou de qualquer outro partido) que, desde que consigam bons resultados eleitorais (ou boas vendas, no caso da Jerónimo Martins), mais que justificam os seus ordenados por conseguirem captar recursos para que a organização se mantenha e assegure os rendimentos dos que dela dependem (tal como na Jerónimo Martins, o tempo dedicado à empresa pode depois ser rentabilizado noutra empresa que garanta melhores condições de trabalho, não é forçoso que assegurar os rendimentos de quem trabalha para um partido signifique a manutenção no partido, no Chega existem bastantes exemplos, e bastante evidentes, que demonstram esta ressalva, mimetizando, aliás, o que aconteceu com o PS de Guterres e Sócrates, cujo acesso ao poder, depois de anos de cavaquismo, permitiu a captação de muitos quadros para o PS, incluindo muitos que antes andavam nas margens do cavaquismo).
Estas características das organizações, em Portugal, são potenciadas pelo generoso financiamento do Estado e pelas regras excessivamente limitadoras do financiamento privado dos partidos, ao cortarem uma ligação fundamental dos indivíduos às organizações: a contribuição de cada um para a sua sustentabilidade económica.
Por mim, podíamos começar a cortar o financiamento do Estado aos partidos, liberalizando o financiamento privado (o que significa regras fortes de transparência em relação à origem dos recursos, e liberdade total de financiar qualquer organização política que se pretenda financiar).
5% por ano, para dar tempo aos partidos para retomarem competências de captação de militantes pagadores e financiadores.
Não conheço Lourenço Bray a não ser destas coisas virtuais, mas tenho apreciado o que tem escrito e, mais recentemente, o que tem escrito sobre habitação e sobre o que a burocracia europeia pensa sobre isso.
"Lá me dei ao trabalho de ver a que espécie de delírio recorrem no tal estudo para chegar a um valor mágico de “sobrevalorização”. Calculam uma média de três indicadores:Preço-rendimento (price-to-income) vs. média/nível de equilíbrio de longo prazo, Preço-renda (price-to-rent) vs. longo prazo; Modelo econométrico de fundamentais que relaciona preços com população, stock habitacional etc. etc. etc.. O gap final é a média simples destes três.
...
Eu não tenho de estimar nada ou usar modelos complexos, só tenho de observar uma tendência e interrogar-me se agora é o momento de inversão".
São de Lourenço Bray estas observações, em que comenta um relatório europeu que os estatistas difundiram largamente, do mais simples bom senso: o sistema de preços tem muito mais informação, muito mais precisa e difunde-a de forma muito mais eficaz que estudos baseados na ideia, manifestamente errada, de que o valor das coisas é objectivo e não o mero resultado do encontro de vontades subjectivas.
Serve-me isto como introdução ao manual de instruções para o desastre que o comissário europeu para a energia e habitação, dinamarquês e social-democrata, fez publicar ontem, no Público, sob o título "Crise da habitação na UE: uma solução europeia em defesa da nossa democracia".
Confesso que não percebo por que razão a habitação passou para a esfera europeia e o que é que políticas europeias podem fazer para melhorar um problema que, pelo menos em parte, resulta de políticas europeias.
Quando Dan Jorgensen diz que entre 2010 e 2023 o custo de construção das casas novas aumentou 52%, atribui este facto apenas ao aumento de custo dos materiais de construção mas, convenientemente, omite o provável contributo da regulamentação europeia para esse aumento de custo dos materiais e, mais directamente, da regulamentação europeia e nacional para a construção de casas, um sector fortemente regulamentado, quer no acesso aos terrenos com capacidade construtiva, quer no processo de construção em si mesmo.
Se se consideram os preços altos - uma falsa questão, os preços não são altos ou baixos, são o que resulta do encontro entre oferta e procura, o que pode haver é dificuldades de acesso provocadas pela diferença entre os preços que existem e o valor que é atribuído ao seu trabalho - ou se restringe a procura, ou se aumenta a oferta.
Restringir a procura, de maneira geral, colide com a liberdade de muita gente, seja porque passa a ser o Estado a decidir que usos posso dar à minha propriedade, seja porque restrinjo a imigração ou favoreço a emigração ou outra compressão qualquer da liberdade de dispor da minha propriedade ou da minha vida.
Aumentar a oferta, de maneira geral, implica aumentar a liberdade de resposta das pessoas à informação que lhe é fornecida pelo sistema de preços, seja simplificando licenciamentos e regulamentações, seja permitindo maior liberdade económica no uso da terra e outras medidas relacionadas com a liberdade de responder à procura existente.
Infelizmente, Dan Jorgensen não retira nenhuma conclusão relevante do seu diagnóstico que refere uma diminuição de licenças de construção de 20% coincidente com um aumento de 20% dos preços da habitação.
Pelo contrário, em vez de aprofundar as razões económicas que estão na base do problema, parte à desfilada por um atalho perigoso: "Porém, a um nível mais profundo, trata-se de uma crise moral com implicações para a dignidade e os valores humanos fundamentais".
Com base nesta coisa extraordinária que consiste em substituir o juízo económico pelo juízo moral sobre os desequilíbrios entre oferta e procura que geram o aumento de preços (sim, eu sei que, por definição, não existem desequilíbrios entre oferta e procura, mas serve para explicar isto de maneira rápida e compreensível), propõe-se então apresentar nos próximos meses um "Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis".
Em primeiro lugar propõe-se restirar mais dinheiro à economia para que a Comissão Europeia o aplique em habitação acessível.
Combater a financeirização do parque habitacional.
Combater a burocracia (como toda a gente sabe, num saber de experiência feito, a coisa que a Comissão Europeia faz melhor é combater a burocracia).
Reforçar o mercado único (não percebi como se reforça o mercado único combatendo a financeirização, mas reconheço a minha incompetência para esta discussão).
Nova legislação sobre o arrendamento de curta duração (cá está o que a Comissão Europeia entende por combater a burocracia, suponho eu), para combater as práticas abusivas de quem arrenda a sua propriedade e, com isso expulsa os habitantes das cidades.
A minha pergunta é simples: qual é a legitimidade da Comissão Europeia para me enfiar pela goela as políticas habitacionais de António Costa que os eleitores rejeitaram?
Agora que as pequenas celebridades paroquiais, como Sampaio da Nóvoa, Centeno ou Augusto Santos Silva, parecem estar definitivamente fora do assunto, temos já uma ideia do conjunto de candidatos relevantes para as eleições presidenciais, salvo alguma surpresa de última hora.
Aparentemente, temos três pessoas que querem e podem ser presidentes da república, Gouveia Melo, Marques Mendes e Seguro.
Esquecendo os candidatos folclóricos, temos depois um conjunto de pessoas que, como soldados disciplinados, estão a executar manobras de interesse partidário, mas sem qualquer interesse fora dos círculos da militância partidária e respectiva extensão mediática.
Sei o risco de fazer previsões tão taxativas sobre o futuro, mas parece-me que, neste caso há boas razões para, salvo surpresas de última hora, se admitir que os três primeiros podem ir à segunda volta e ganhar, os outros não têm grande hipótese de ir à segunda volta, excepto Ventura que, indo à segunda volta, perderia sempre com qualquer dos outros.
O que é diferente nestas eleições, em relação às anteriores, é que o voto da primeira volta não é irrelevante, quer porque há quatro pessoas que podem, em princípio, ter votações que os levem à segunda volta, quer porque três deles ganham facilmente se Ventura for à segunda volta, ou seja, na verdade, no caso de Ventura ir à segunda volta, o presidente é escolhido na primeira volta ao ganhar a corrida entre os três outros que podem passar à segunda volta.
Ventura é, dentro dos candidatos, o que parece ter um eleitorado mais seguro, cerca de 20% dos votos, mas tem dois problemas: 1) Na segunda volta não consegue aumentar o suficiente essa votação; 2) A ideia de que o seu eleitorado é mais seguro que o dos outros parece-me por demonstrar, é plausível, mas não é nada segura.
Gouveia Melo começou com boas indicações mas alienou grande parte do eleitorado de protesto ao hostilizar o Chega e escolher ter ao seu lado demasiada gente de quem se pode questionar parte do seu passado. Ao mesmo tempo que não tem grande coisa a oferecer ao eleitorado do centro moderado, quando comparado com Marques Mendes e Seguro, isto é, Gouveia Melo meteu-se por atalhos, e agora está metido em trabalhos. Acresce que a manobra partidária da Iniciativa Liberal pode ir buscar um ou dois por cento do eleitorado potencial de Gouveia Melo, e isso ser fatal na corrida para a segunda volta. Por outro lado, pode beneficiar da vontade da esquerda do PS castigar a ousadia de Seguro, pondo-o no seu lugar, o que aponta para o voto em Gouveia Melo na primeira volta.
Marques Mendes tem boas hipóteses de passar à segunda volta, com mais dificuldades que as que pensaria, mas tirando o caso de ser Ventura o seu adversário, não é nada linear que consiga ganhar uma segunda volta com Gouveia Melo e, sobretudo, com Seguro.
Sobra Seguro (em que, em princípio, vou votar) cuja principal dificuldade é passar à segunda volta, já que, se lá chegar, em princípio ganha a qualquer um dos outros três potenciais adversários.
Diria, com uma enorme incerteza, que se boa parte do eleitorado se estiver nas tintas para as manobras partidárias, e ignorar a tontice de estar a ver se é o PC, o BE ou o Livre que tem mais preponderância na esquerda radical, Seguro tem boas hipóteses, se os meninos da esquerda radical andarem a brincar no recreio para saber quem é o maior, provavelmente elegerão Gouveia Melo ou Marques Mendes como presidente da república.
Felizmente para nós, se o país e as instituições aguentaram dez anos de Marcelo, aguentam qualquer coisa, até porque, como tem demonstrado, e bem, Montenegro, o presidente da república pode ser reduzido à sua insignificância, no caso de optar por falar muito e não dizer nada.
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