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A historiografia oitocentista tudo fez para denegrir este grande monarca, da pena de Oliveira Martins saíram os maiores impropérios em desenhos obscuros de um rei "beato" e "lúbrico". Toda a historiografia positivista deixou traços grotescos do soberano que hoje facilmente se desmentem. Contemporâneo de D.João V, o baiano Sebastião da Rocha Pita, autor da "História da América Portuguesa" (1730), legou a imagem de um rei devoto e generoso, qualidades que a condição exigiam para o exercício do bom governo. As acções personalisticas do rei demonstram mais o seu carácter prático do que a preocupação em construir uma doutrina, a "monarquia absoluta" obscurecida pela pena de doutrinadores liberais deixará esquecer a grandiosidade da sua política. É verdade, acuse-se, que deixaram de se convocar Cortes a partir de 1720, todavia, o rei concedia audiências públicas três vezes por semana, nas quais atendia não só a nobreza como qualquer concidadão. A protecção das fronteiras e das rotas comerciais com o Oriente e com o Brasil foram sempre a prioridade. Ao longo do século XVIII os vice-reis da Índia foram sempre homens de inegável mérito e, com o impulso da Companhia de Jesus, Portugal construiu uma verdadeira cultura internacional.
O fausto das entradas dos enviados portugueses às cortes europeias ajudou a conquistar a paridade de tratamento com as grandes potências da época. Junto à Santa Sé investiu igualmente a afirmação do reino, com momentos de maior tensão também, valendo a insistência e capacidade diplomática de D.João V para em 1748 lhe ser atribuído o título de "Rei Fidelíssimo".
No quadro das artes e da cultura, ao contrário do que a historiografia positivista proto-republicana alimentou, descobre-se uma verdadeira política artística. Muito do ouro brasileiro foi investido, não em caprichos pessoais, mas em belas colecções de pintura e gravura. Foi o criador da Academia Real da História, o que demonstra o empenho do monarca pela cultura. Na Real Academia ajudou a desenvolver o desenho, a gravura e a impressão em Portugal. As práticas de legitimação da monarquia foram sendo reformulados, desde a disciplina da sociedade de corte, à criação de espaços de representação, como o Palácio e Convento de Mafra, onde disponibilizou a mais representativa biblioteca do país, a par com a Biblioteca Joanina, na Universidade de Coimbra. Majestosa e imponente, Mafra é o emblema por excelência do reinado joanino, exemplo da política artística perdulária e expoente máximo do barroco. A corte Joanina alcançou assim a preeminência cultural, o reino consolidou a independência e granjeou o respeito internacional ombreando com as potências da época.
A posição política de Alexandre Herculano não deixa de parecer ecléctica, mas não é solitária. Há dois autores, que foram igualmente dois aristocratas católicos, com visões aproximadas: Alexis de Tocqueville e Lord Acton. No fundo, liberais que souberam analisar cuidadosamente o absurdo da modernidade, tropeçando por vezes nos erros comuns, mas sem se deixarem seduzir pelas ideias vagas dos ideólogos daquele tempo.
Tocqueville (que Herculano admirava), um liberal que compreendia a insuficiência dos contemporâneos apaixonados pela revolução, alertava para os perigos degenerativos dum regime democrático, como Guizot o fizera, depois repercutido por Herculano: "A democracia repugna às nações ocidentais da Europa educadas pelo catolicismo que, na pureza da sua índole, é o tipo da monarquia representativa" (escreveu em carta a Oliveira Martins).
Os liberais da primeira geração, Acton e Tocqueville, com a excepção de Herculano, eram aristocratas. E em comum tinham o catolicismo. Herculano não nasceu na elite, mas ascendeu por excelência.
No fundo, Herculano foi um homem de paradoxos.
Apesar das polémicas com a Igreja marcadas, por vezes, por posições anti-católicas, reconcilia-se com a fé: "Creio em ti (Cristianismo), porque a tua moral é sublime".
Um liberal céptico quanto à democracia: "diz-se e crê-se que as ideias democráticas progridem neste século pelas tendências para a igualdade. Nós ainda não podemos convencer-nos disso. Figuram-se-nos os que assim pensam como completamente iludidos."
É um homem moderno que depressa se reconcilia com a tradição: "O Evangelho é mais claro e preciso que os volumosos escritos de todos os moralistas filósofos desde Platão até Kant: a moral que não desce do céu nunca fertilizará a terra".
As palavras mais marcantes do velho Herculano são sintomáticas do pessimismo nacional: “isto dá vontade de a gente morrer".
É um erudito que depressa compreende como o liberalismo não se realiza, a não ser nos sonhos dos ideólogos, por isso exilou-se para Vale de Lobos, e exilado viveu sempre, no meio dos seus contemporâneos.
O caso Dreyfus permanece como um dos momentos mais intensos da história política, reunindo uma rede de intrigas e conspirações de gabinete que incendiaram a França da Belle Époque. Rapidamente: um oficial judeu é acusado de estar a espiar para a Alemanha. Acusado e condenado vai para o desterro. Entretanto surgem provas da sua inocência, sem que o exército ou a justiça o reconhecessem. O caso extrapolou fileiras, num tempo em que o antissemitismo estava na ordem do dia. Entre intrigas e escândalos a opinião pública radicaliza-se. Ali vibra a desconfiança sobre os judeus, mas também o ódio à Alemanha, está viva a humilhação de 1870 que (entre outras causas) servirá de mote à guerra de 1914. As intrigas entre oficiais e os conluios políticos criam uma teia laboriosa onde Deyfus passa a servir de "bode expiatório".
Mas o escândalo vai muito além do enredo de Polanski, neste filme interessante mas apenas um capítulo de um todo muito mais vasto e complexo que é a génese de todas as calamidades. Ali ensaiaram-se as alianças e as ideias que dariam fruto no pós-Primeira Guerra Mundial. Se de um lado estava Zola, com a denúncia à corrupção do sistema e apelando à inocência de Dreyfus, do outro estava Maurras, a denunciar "les ennemis de l'intérieur". Constituíam-se as barricadas de dreyfusards e anti-dreyfusards. Destas fileiras nasceria, respectivamente, a Liga dos Direitos do Homem, inspirada por Zola; e a Liga da Pátria Francesa, onde o verbo de Maurras alcançaria a fama. De um lado estavam republicanos, socialistas, intelectuais de esquerda, do outro a aliança improvável entre republicanos patriotas, nacionalistas jacobinos, católicos e monárquicos, bonapartistas, conservadores, de Gauthier de Clagny, a Lemaître, passando por Barrés, Vaugeois, Maurras. Mas, longe de ser apenas um efémero número de inconformados, a Liga reunia o escol da sociedade francesa e a nata mais consistente da intelectualidade, ali estavam: o geógrafo Marcel Dubois e o poeta François Coppée, mas também: Léon Daudet, Albert Sorel, Júlio Verne, assim como os pintores Edgar Degas e Pierre-Auguste Renoir. Entretanto, fruto das divisões internas e de mundivisões dissonantes, a Liga entra em colapso. Das suas cinzas nascerá a Action Française, que passará a dominar o espaço político da direita à extrema-direita até ao final da II Guerra Mundial.
Para todos os efeitos o filme merece atenção e recomendo vivamente.
1-Nas origens da tragédia
O regicídio cultiva nas diferentes fileiras políticas um misto de simpatia e de desprezo, de romantismo e de horror. Assim como na morte de Luís XVI, em França, de Nicolau II, na Rússia, ou a morte do rei mártir Carlos I, em Inglaterra, não há tragédia que não venha antecedida de uma circunstância, entretecida por motivos e ideais programados à inteligência dos homens. Compreender um crime não é um acto de compaixão, mas de justiça, por mais complexo, arbitrário, obscuro, que nos possa parecer.
Aquilino Ribeiro tece um retrato apaixonado dos regicidas, ele próprio um cúmplice. No livro “Um escritor confessa-se” a descrição mede o rancor e o desprezo com que olhava o regime; ali traça a espera justicialista da redenção pelo crime, do sangue pela virtude. Aquilino escreve: “o regicídio foi a enfloração lógica de ideias, ódios e revoltas, semeados a trouxe-mouxe por monárquicos e republicanos num solo bárbaro, propício à violência”.
Independentemente do contexto a reflexão parece lapidar e soma as várias circunstâncias que altivaram a catástrofe. O século XIX é bárbaro e inclemente numa sinecura de traições e cobardias. A guerra civil dilacerara as consciências, onde apenas poderia restar o divisionismo e o sectarismo partidário. As inteligências não progrediram dessa angústia, restando a evolução dum sistema parlamentar e rotativo muitas vezes olhado com desdém. Ainda que as obras de melhoramentos materiais, as grandes reformas codificadoras, a transformação político-administrativa perpetrada pelo regime tenha mudado Portugal. Acuse-se o facto de o constitucionalismo ter sido imposto de cima para baixo, muitas vezes confrontando a desconfianças do povo e a incompreensão do “país legal” face ao “país real”. O trono fora poupado, mas as forças que avançavam faziam antever o pior. Fialho de Almeida constatava: “Ah, os tempos mudaram! Já não são os reis que fazem os povos”[1].
2 – O radicalismo na monarquia
A maçonaria radicalizava-se no ano de 1907 com a eleição, para grão-mestre, de Magalhães Lima, nele, o discurso contra o trono e o anticlericalismo eram constantes. A carbonária portuguesa, copiada da italiana de onde tem origem, era verdadeiramente uma milícia armada, como comprovam os testemunhos da época. Os populares acorriam à seita e mesmo os próprios republicanos ficaram incrédulos perante uma lista de carbonários apresentada por Antonio José de Almeida. Treinavam o tiro e incentivavam o ódio ao regime, ódio ao Rei sobretudo, e estavam prontos a matar e a morrer por aquela causa.
Como notava um jornalista republicano, Homem Cristo, a antipatia a D. Carlos resultava “unicamente da forte personalidade que, desde príncipe real, D. Carlos revelara…” e como o povo de Lisboa “sentia, por instinto, no futuro reinante, um adversário.” [2] . Outro, Júlio Vilhena, diria que, D. Carlos fora morto, “não pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades”.
Dentro do regime os ânimos acicatavam ódios antevendo o pior. José Apolim, chefe do Partido Regenerador, tivera atitudes desprezíveis e odiosas face a D. Carlos, levando o jornalista republicano Pinheiro Chagas a cognominar esse político como “o regicida”. Constata-se, assim, no seio da própria monarquia, uma vacuidade total para defender o trono. Quanto aos que podiam defender o Rei, esses iam desaparecendo, primeiro Fontes, o líder regenerador, depois Braancamp, líder progressista, mais tarde Hintze Ribeiro, dedicado conselheiro do Rei, que morreria decepcionado por ter sido preterido por João Franco. Desapaixonadamente, D. Carlos confessaria: “Isto é uma monarquia sem monárquicos”.
3 – Um rei entre tragédias
D. Carlos teve grandes êxitos na política colonial, e, ao mesmo tempo, uma grande derrota que foi o Ultimatum Britânico. Teve consciência dos vícios que corroíam o poder e conhecia bem os desígnios da autoridade, suficientemente consciencioso para ser um realista político e perceber a enfermidade de que vivia o regime [3]. Bonacheirão e marialva, bon vivant, verdadeira têmpera aristocrática, tinha ao mesmo tempo o sangue vivo dos Sabóia. Pela têmpera jamais se deixaria desrespeitar, podia ser clemente e rígido, autoritário e impávido, ao mesmo tempo, mas nunca cobarde e jamais recuaria face ao perigo. Mas também um activo estudioso de oceanografia, pintor exímio e homem de estado audacioso e determinante [4].
O rei resistiu à primeira tentativa de golpe republicano no Porto, a 31 de Janeiro de 1891, ali demonstrou que não deixaria ser derrubado. A desordem não ficou por aqui. Em 1906, a tripulação a bordo do cruzador “D. Carlos” amotinou-se, obra de uma sociedade secreta, segundo se apurou, com sangue frio resiste a todas as crises e apercebe-se da insustentável fragilidade do regime. Procurou assim combater a decadência do sistema através de uma "revolução de topo" (conforme propugnara Hegel) e que encontrara expressão, no fim de século, pela pena de Oliveira Martins no programa da "Vida Nova". Desaparecido na decepção profunda em que mergulhava o país restou a D. Carlos confrontar-se com as exigências de um tempo que parecia ameaçar todas as instituições. João Fraco seria, pois, o último baluarte face ao avanço da desordem. Sobre o ministro recaíram todas as antipatias e respeitos (conforme se interpretem as suas decisões e conforme se estudem as suas medidas políticas). Não há como concordar na atitude do Rei face à certeza de que nem progressistas nem regeneradores conseguiam governar com o Parlamento.
Sobre a “ditadura” franquista, uma geração de historiadores republicanos, e mais tarde de historiadores marxistas, fez a confusão mais espúria ao ver Franco como uma antecipação do salazarismo (o que não é verdade [5]). João Franco era um liberal, um homem do sistema que compreendia a fragilidade do regime, o que protagonizava não se afastava dos modelos a que a restante Europa propugnava: um regime que mantivesse a liberdade e garantisse a ordem. Tal como Bismarck, na Alemanha, ou Disraeli, na Inglaterra, procurava as medidas necessárias para reformar o sistema. Este tipo de “ditadura” era comum nos sistemas liberais: o rei dissolvida o parlamento e nomeava um chefe do governo com o qual elaboraria decretos que seriam aprovados quando o parlamento reabrisse [6].
A ditadura servia como última consequência do demo-liberalismo, no fundo uma “ditadura administrativa” que mais não agoirou do que em ódios fervorosos tanto dos monárquicos, como dos republicanos, numa crescente de ataques que iam desde vaias ao rei a críticas ferozes a João Franco.
4 – A desordem
Seria fácil acusar apenas o grupo, não muito significativo, de republicanos pelas críticas e conspirações, ou ver na carbonária o braço armado que levou ao assassinato, ou ainda tecer injúrias a Buiça e a Costa. Acontece que os próprios políticos dos partidos monárquicos estavam de conluio no ódio ao Rei alimentados pelo apoio que dava a João Franco, a priori, este seria o homem a abater.
A primeira conspiração correu mal, a 28 de Janeiro de 1908. A ideia era raptar João Franco, o que falhou; enquanto outros que ficaram de invadir a Câmara Municipal foram denunciados e perseguidos. Percebiam-se os ataques à ditadura de João Franco e era necessário que não houvesse tréguas. Procurou-se que o rei soubesse os motivos da revolta e assinasse um decreto onde permitiria que deportassem para o desterro no ultramar os chefes republicanos. O rei assinou, declarando: “Assino a minha sentença de morte”.
A 1 de Fevereiro quando o rei e a família real desembarcaram no Terreiro do Paço veio a catástrofe. Embora se tenha justificado que o Rei e o filho foram mortos porque os conjurados não encontraram João Franco, o facto é que havia entre os revolucionários quem entendesse ser necessário “abater” o Rei. O tiro que matou D.Carlos foi desferido por Buiça, um professor primário; o outro tiro, que abateu um jovem príncipe de vinte anos, foi desferido por Costa, um caixeiro duma loja de Lisboa. Ambos carbonários, homens idealistas e fanáticos.
A descrição de Aquilino surpreende num homem que a cultura lusa tem por sumidade, demonstra como até as mentes mais esclarecidas conseguem ficar entupidas de fanatismo. A sua critica à monarquia é básica e as suas observações rudimentares, não superam a fragilidade da coscuvilhice e do mal-dizer, não tem argumentos sólidos, mas a forma como escreve e o que o motiva a escrever, é talvez determinante para chegar à mente dos regicidas e da percepção que estes tiveram naquele segundo em que premiram o gatilho.
Ele escreve: “A geração a que pertenço nasceu revolucionária, as gerações que alvoreceram depois de mim revolucionárias perduram.” Era talvez uma verdade mais romântica do que realista, mas é a partir desta declaração que percebemos muitas das contradições de um tempo que ansiava por uma nova alvorada, de utopia e de sonho, de revolução e de morte, de sangue e de martírio.
O século XX português começa então em 1908, num Portugal já sem grandes certezas da sua missão histórica, pessimista quanto ao futuro, dividido em facções políticas entre ambições e desalentos que gerariam as crises das próximas décadas.
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[1] PABON, Jesus, A Revolução Portuguesa, colecção Grandes Estudos Históricos 1959.
[2] CRISTO, Homem, Notas, IV, Lisboa,
[3] RAMOS, Rui, D. Carlos, Coleccção Reis de Portugal, Vol.XXXIII
[4] Idem
[5]RAMOS, Rui, João Franco: uma educação liberal (1884-1897) Análise Social, vol.xxxvi (160), 2001, 735-766, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
[6] RAMOS, Rui, …
T.S.Eliot morreu a 4 de Janeiro de 1965. Como os nomes cimeiros do primeiro modernismo soube aliar a modernidade à tradição. Contrariando os cânones ideológicos e os miasmas de muitos dos seus contemporâneos fascinados pelas novas religiões (as ideologias destrutivas do século XX) preferiu recolher-se às verdades eternas e ao saber dos antigos e por isso definia-se como um monárquico, um anglo-católico e um classicista. Mas também nele descobrimos o exilado, que novamente partiu à descoberta do velho mundo. A poesia de Eliot entrecruzava o mitológico e o sagrado numa contemporaneidade despida de alma, e, ao novamente procurar os mitos antigos dava um sentido ao mundo presente. Nos versos não sofre o "eu" poético - não se trata da apoteose do sentimento nem da hipertrofia individual -, o poeta não mergulha nas profundezas da alma para se autoexaminar, mas procura contextualizar o drama da existência colectiva. "The Waste Land" tem aqui um entendimento. É o drama de uma civilização na encruzilhada da história, num mundo que perdeu os fundamentos espirituais. Foi um outro modernismo que soube inovar dentro da tradição. E foi sobretudo uma arte que serviu de farol num mundo que atravessava as trevas.
No século XIX, D. Fernando II, um príncipe da família alemã Saxe-Coburgo-Gotha, casado com a rainha D. Maria II, trouxe da Alemanha para Portugal a tradição da árvore de Natal. Na mesma época em que um seu primo (Príncipe Alberto de Saxe-Coburgo-Gotha) casado com a rainha Vitória, popularizava a árvore de Natal em Inglaterra. Ainda que uma antecessora dele, a rainha Carlota (também princesa alemã), casada com o rei Jorge III de Inglaterra tenha iniciado a tradição cerca de meio século antes.
A decoração artística da árvore deve-se à imaginação da família Schweizer, tornando-se recorrente entre a nobreza da Bavária, depois copiada pelas cortes europeias. Assim uma tradição aristocrática do centro da Europa passou a ser conhecida pelo restante continente europeu, depois pelo mundo, uma prática natalícia hoje tão recorrente.
A 14 de Dezembro de 1918 Sidónio Pais é assassinado, consumando a decadência final anunciada desde o regicídio de 1908. Em seu redor construiu-se o mito. Foi o Presidente-Rei exaltado por Fernando Pessoa, o “nosso primeiro republicano sem barrete frígio”, como lembrou António Ferro. Paradoxo de um tempo conturbado, Sidónio reúne em torno de si as várias facções políticas desavindas. Nele revêem-se os republicanos autoritários na apoteose dos gritos ao Chefe, os monárquicos esperançosos na personalização do poder, os católicos cansados do anticlericalismo radical. Mas Sidónio liberta-se das amarras do tempo. Depois da sua morte continuará o culto e nele reconhecer-se-ão os fascistas e exaltadores do militarismo do novo século e os artistas do futurismo impulsionados pela estética radical que suplante o anacronismo burguês oitocentista. Para os conservadores um preservador da ordem, para os católicos um enviado dos céus e, na senda modernista, descobrem outros a renovação da tradição encarnada no cesarismo.
O registo ainda não fora definido, mas nas décadas seguintes encontraria paradeiro: a poesia da violência, a política elevada à estética, o mito suplantando a razão, o heroísmo elevado à virtude, a condução da massa informe a uma unidade de destino. Ainda que original entre nós, não constituía uma novidade na política europeia. No passado Napoleão III e Bismarck tinham dado o mote ao conjugar os desafios herdados pelas revoluções liberais com o remanescente da tradição, o “cesarismo plebiscitário” era a resposta à legitimidade da autoridade quando ameaçada pela violência das barricadas. Em suma, preconizava a "revolução desde cima" do hegelianismo, também estudada pela pena de Oliveira Martins. Faltava apenas encontrar o protagonista. Para Martins seria o rei D. Carlos, não tivesse o projecto da “Vida Nova” definhado com o desaparecimento do seu principal animador; e não tivesse o regicídio roubado a única força viva da monarquia. Numa reviravolta da história a “República Nova” de Sidónio retomaria o pojecto de uma revolução conduzida desde cima. Mas Sidónio está para além da tecnocracia, ou de uma teorização filosófica, a sua passagem fugaz eleva-o a mártir e símbolo da República.
Desde as profecias do sebastianismo, até ao culto miguelista, que não se conhecia uma tão grande devoção. Aos reis é fácil encarnar o mito, mas na República (e num regime ainda jovem em 1918) tal ainda parecia inconsequente. Sem dúvida que Sidónio contrastava com os demais Presidentes da Primeira República, na imagem que cultivou, no modelo, na linguagem. Mas foi a morte quem o tornou um ícone, em parte através da idealização jornalística de Reinaldo Ferreira (o famoso Repórter X)."Morro bem salvem a pátria" tornou-se uma espécie de grito derradeiro face à agonia do próprio regime. Na verdade Sidónio terá suspirado "não me apertem rapazes".
Homem de gesta guerreira que fardava junto às massas o seu idealismo, Sidónio inaugurava o século XX em Portugal. Maçon, republicano da tradição laica e jacobina, superou os facciosismos. O homem que muito antes antecipou Mussolini; e que marchou sobre Lisboa antes dos camisas negras entrarem em Roma. Verdadeiramente protótipo do revolucionário de topo, um César redentor da república, bem sintetizava a máxima de Oliveira Martins escritas décadas antes: "um sabre contendo um pensamento".
O catedrático-soldado, o político elevado a mártir, era a renovação da autoridade. Populista e cesarista, bonapartista e nacionalista, como não se conhecia na paisagem seca de uma política de caciques e de bufos, nele o presidente confundia-se com o rei, face ao trono vacante que deixara o país entregue ao caos. Um ano bastou - como se tivesse vivido a existência plena de um povo. Morreu em sentido paradoxal ao do Rei D. Carlos, um por tentar regenerar a monarquia, outro por procurar regenerar a república. No final de tudo, viveu como o século: perigosamente, velozmente.
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