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"Mensagem" - um projecto poético para o século XX

por Daniel Santos Sousa, em 13.06.25

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No dactiloscrito do livro "Mensagem" (a imagem aqui publicada) é possível descobrir  as correcções feitas pela mão do próprio autor, preocupado em aperfeiçoar a dimensão simbólica do projecto literário. Aqui podemos acompanhar o raciocínio do poeta e entender os mecanismos da criação. O título da obra era para ser "Portugal", como nos evidencia o manuscrito, entretanto o autor terá sido advertido a mudar, acreditando estar o nome suficientemente vulgarizado para não dignificar a grandeza do livro. Embora mal não ficasse o título, a originalidade do poeta era suprema. Para Pessoa tudo tem um sentido. Tudo tem uma lógica própria. Um raciocínio. E por detrás da racionalidade um elemento enigmático que serve de desafio ao leitor. O título é uma composição laboriosa muito mais simbólica do que aparenta, uma espécie de elemento críptico que recebe o leitor na demanda do projecto épico. "Mensagem" é na verdade um anagrama, uma adaptação do verso de Virgílio, da "Eneida": Mens agitat molem. Significa isto que a mente controla a matéria. A palavra tem o mesmo número de letras da palavra "Portugal" (e volto a dizer que em Pessoa nada é escolhido ao acaso), uma palavra de 8 letras, número esse ligado aos templários (a cruz templária tem 8 pontas). Todos os elementos na poesia de Pessoa são preciosos e simbólicos. Até este mero título consegue falar por quase todo um livro. É Portugal perdido e reencontrado, uma missão para o século do aspirante a "super Camões". Uma nova vocação para um povo perdido nas intempéries da história.

Guilherme II - um monarca na vanguarda do século

por Daniel Santos Sousa, em 04.06.25

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 Guilherme II, último Imperador da Alemanha e rei da Prússia, faleceu a 4 de Junho de 1941, em Huis Doorn, Doorn (Países Baixos). Derrotado e exilado foi talvez dos mais odiados homens do século XX, ainda que a justiça tarde para esta figura renegada num século que conheceu todas as catástrofes. Um homem singular: grande orador, carismático, culto e apreciador das artes, tinha ao seu alcance o esplendor de uma era. Mas era também de temperamento irascível, instável e irritável, muitas vezes tendente a depressões.

O neto preferido da rainha Vitória foi talvez o mais inglês de todos os alemães, a proximidade que sentia ao povo de além-Mancha faziam-no crer numa aliança futura. Não podia estar mais enganado. Guilherme II admirava os ingleses, mas não os compreendia. Imediatamente a criação da marinha de guerra alemã levantou suspeitas à Britânia senhora dos mares. Entre outros erros diplomáticos (a política externa não era o seu forte), a incapacidade para garantir o equilíbrio entre a Áustria-Hungria e a Rússia, impérios cuja sede de ambição nos Balcãs conduziria a Europa para o suicídio colectivo em 1914.

O equilíbrio que Bismarck habilmente criara aos poucos começava a ruir. Aspirando à ribalta e consciente do seu desígnio histórico, o Kaiser afastara o velho ministro da vida política (a incompatibilidade dos homens de temperamento forte). Mas Guilherme II demonstra-se internamente um político hábil. É sobretudo um "imperador social" que para combater a ascendente força do partido social democrata institui uma legislação do trabalho sem precedente na Europa: desde leis sobre acidentes de trabalho, doença e velhice votadas entre 1882 e 1889 as quais formam, depois das políticas de Bismarck, o primeiro conjunto de reformas sociais, décadas antes da "revolucionária" e "republicaníssima" França.

São também pensados pelo Kaiser os tribunais arbitrais, o descanso ao domingo e a limitação das horas de trabalho. Juntamente com Bismarck, Guilherme II é o arquétipo do revolucionário de topo, como fora Alexandre II, da Rússia, Leopoldo da Bélgica e, entre nós, o nosso rei D. Carlos.

Do que mais gostava era das encenações, as grandes demonstrações militares, contudo teme a guerra. No fundo, cultivava o culto da personalidade. Todo esse "teatro" (um “regime de opereta” como chamava o nosso D. Carlos) fazia-o talvez ignorar a realidade do seu próprio poder: Guilherme II estava limitado como “rei constitucional”. Mas, ao mesmo tempo, está politicamente na vanguarda dos novos tempos: apercebe-se de elementos políticos importantes que no futuro definirão a política de massas: os discursos, a grande oratória, a ideia do soberano reflectir a vontade do povo, são constatações que fazem dele sobretudo um estadista moderno.

 Acredita no direito divino, mas não ignora que o poder deriva da nação, o que é interessante no seu pensamento: tradicionalista e revolucionário, conservador politicamente, mas ideologicamente na linha de um “socialista de cátedra”, propenso para a reforma social e para a manutenção da ordem e da autoridade. Em tudo é um paradoxo.

No reinado de Guilherme II a liberdade cresce. Entre as várias reformas políticas está a visão de um monarca esclarecido. Assim, a lei que reprimia os socialistas é revogada, aceita também que se constituam partidos políticos: desde a direita, militada pelo conservadorismo prussiano, hierárquico, castrense, nobiliárquico, ao centro católico. Amnistia as esquerdas sociais-democratas e dá alento à burguesia dividida entre liberais nacionais e liberais de esquerda. 

 Esta não é apenas a Alemanha do grande fomento industrial e do progresso económico, mas também da cultura, das artes e das ciências, que a Europa reconhece nos inúmeros galardoados com o Nobel, ou que são reconhecidos nas letras, na pintura, nas reformas políticas e na vanguarda da reforma social. Que mundo se perdeu.

Com o Kaiser morre uma certa Alemanha, o Reich que não resistiu a Bismarck seu arquitecto principal. Desaparece uma certa ordem, mas também sucumbe esse status quo, que foi história e tradição, que no âmago das hierarquias tradicionais reunia o melhor escol do Império. Junger foi um bom juiz deste declínio ao referir "os últimos troncos da nobreza alemã" que durante mil anos tinham sobrevivido a todas as crises e provações, mas não ao século XX. Duas guerras mundiais ditariam o fim da velha ordem.

 No final, traído e amargurado,  o velho monarca permaneceu um exilado, nunca desejando regressar à pátria enquanto a monarquia não fosse restaurada. O ciclo político não lhe foi grato, consomou-se a transformação europeia numa realidade que ficou nos antípodas de toda a concepção heróica, tradicional e metafísica, um mundo "de ontem" petrificado na história.

 Guilherme II é uma das mais interessantes figuras do século XX, admirado e odiado, merece ser estudado com atenção e com a relevância necessária.

Outro Napoleão

por Daniel Santos Sousa, em 02.06.25

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Napoleão Eugênio Luís João José Bonaparte, Príncipe Imperial de França (numa fotografia datada de 1870(?)), único filho de Napoleão III (derrubado e exilado), após a morte do pai em 1873 é proclamado pelos apoiantes bonapartistas como Napoleão IV, na esperança de novamente edificar o Império e redimir a memória trágica dos antecessores. Tal não acontecerá, a última esperança do bonapartismo morre a 1 de Junho de 1879, em Sobuza's kraal, na África do Sul durante a guerra Anglo-Zulu. Consta que terá levado a mesma espada que Napoleão I empunhara em Austerlitz, pouco influindo como amuleto, talvez mais propenso à maldição do nome e à vã glória que trazem as dinastias no seu seio. Inconformados, mas não rendidos, os bonapartistas vão proclamar (como fora desejo do defunto príncipe), Victor Napoleão como sucessor ao esperançoso e inaudito império, que de vestígio guardava apenas o nome da dinastia, assim elevado a Napoleão V. Hoje o actual chefe da Casa de Bonaparte descende desta linha.

O fim da experiência liberal em Portugal

por Daniel Santos Sousa, em 28.05.25

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28 de Maio de 1926, não é apenas o fim da "República velha", mas de um século de experiência liberal, de 1820 a 1926, com diversas interrupções, guerras civis e revoluções à mistura na fornalha ideológica saída dos compêndios iluministas. Foi o fim de um paradigma ideológico que acompanha o terramoto político europeu entre as duas guerras. A decadência anunciada desde a Geração de 70  encontrava ali um desfecho e, à falência institucional apenas agravada pela República, decidia-se uma resposta cirúrgica e imediata: a ditadura. Como correlativo apenas o golpe cesarista dos tempos finais da República Romana, ou o 18 do Brumário napoleónico. Contudo - e apesar das circunstâncias - não havia ali um César, mas um triunvirato de aspirantes ao lugar cimeiro. E como na história romana de Suetónio, seria igualmente marcada pela ascensão da autocracia do princeps senatus. Entre reviravoltas, o destino reservaria o consulado vitalício para um civil (não a um general); e à aspiração dos césares das espadas e esporas seguir-se-ia a prudência catedrática de borla e capelo.

Louis-Ferdinand Céline - o escritor maldito

por Daniel Santos Sousa, em 27.05.25

 

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Se precisasse de traçar o protótipo do "escrito maldito", com todo o romantismo necessário para edificar a grandeza poética dos amaldiçoados, então Céline ocuparia o Panteão supremo. Não sei descrever a influência que dele recebi quando descobri a tradução do "Viagem ao Fim da Noite". Lê-lo é mergulhar no mais obscuro da nossa identidade. Céline e Proust são a face oposta da mesma França, e diria da mesma Europa. Se Proust vagueou nos salões da aristocracia e edificou uma prosa sustentada nos prazeres mundanos, recheando cada imagem de brilhantes ritmos de poesia, Céline conduziu-nos ao mais recôndito dos becos, às ruas da classe operária, ao decadentismo do século que amargurava entre guerras, à mordaça da insatisfação que devora as almas corrompidas pelo sacrilégio do descontentamento.

Céline foi esse poeta que não cantou heróis magnânimos, nem romantizou as paixões burguesas, nem perdeu tempo com floreados para encantar as massas, mas antes o desconforto, a miséria, os vícios, a pobreza, o desalento. Não há outra tragédia que não seja errar por um mundo que parece ter perdido todo o sentido, qual promeneur solitaire arrancado de todas as grandiloquências do passado para a modorra do mundo moderno onde é reduzido a insecto, esmagado por uma civilização inconsequente.

A passagem política de Céline foi derradeira. Do lado errado da história, dirão muitos, no sentido que se posicionou do lado das forças derrotadas, como grande para da inteligência, Maurras, Brasillach, Rebatet, Drieu de la Rochelle. Tantos e tantos. A vida de Céline foi como o século XX - viveu perigosamente e radicalmente. Dançou com as forças que gravitavam na alvorada do novo mundo, protagonizando a superação da civilização burguesa, fosse o comunismo, o fascismo ou o nacional-socialismo. Como o século, viveu e sucumbiu nas intempéries que devastaram o velho mundo.

Infelizmente, para muitos, Céline continuou ( e continua) vivo. Uma silhueta que assombra os arautos do politicamente correcto dos nossos dias, daqueles que pretendem, uma linguagem lavada e polida, as novilínguas dos académicos das teorias críticas e outros dislates intelectuais. Face aos novos tiranos Céline, mesmo que não se concorde completamente com todas as suas posições políticas, continua mais livre, mais vibrante, mais irreverente do que nunca. E, se passadas décadas, ele ainda continua a assombrar, a chocar, a intimidar, é porque foi sem dúvida o maior dos escritores do século XX.

Recordar Gonçalo Ribeiro Telles

por Daniel Santos Sousa, em 26.05.25

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Gonçalo Ribeiro Telles nasceu em Lisboa a 25 de Maio de 1922. Mais do que o militante, ou melhor dizendo, o resistente monárquico, também o percursor da defesa do ambientalismo, da ecologia e do municipalismo, afinal nada mais do que a interpretação escorreita do organicismo tradicionalista e das teses integralistas influindo na contemporaneidade política. 

Lembrando que antes das teses ecologistas gravitarem para a esquerda (e extrema-esquerda) tiveram na sua génese movimentos à "direita", críticos da revolução industrial, desde a militância aristocrática do grupo Young England (e do 'social Toryism'), ao legitimismo francês e aos românticos anti-modernos. Na essência e com as especificidades próprias, os arautos da contra-revolução e do tradicionalismo organicista anti-industrial continham muitos dos elementos que hoje poderiam ser reivindicados por grupos ambientalistas.

 Herança também partilhada pelo Integralismo que idealizava essa sociedade assente nos corpos intermédios, na valorização do mundo rural e na defesa das liberdades locais, opondo-se ao individualismo desenraizado e a um progresso desenfreado e contrário às singularidades nacionais. Como nos lembra a máxima do tradicionalismo, "a tradição é um passado que merece ser futuro". 

Assim, Ribeiro Telles estabeleceu a ponte entre as gerações integralistas, desafiando os novos ventos e assumindo a postura derradeira em nome da terra portuguesa. Postura de combate, num momento em que a revolução de 1974 radicalizava posições e a possibilidade de restaurar a monarquia parecia cada vez mais longínqua. 

Dos monárquicos não alinhados com o Estado Novo formaram-se grupos e organizações que constituíram o PPM (nos antípodas do que hoje se tornou), onde ainda Rolão Preto brandava o seu verbo venturoso, João Camossa o seu idealismo anarco-comunalista, e Barrilaro Ruas o pensamento exacto e articulado. Mas Ribeiro Telles foi muito mais além do que os teóricos e sonhadores e realizou no espaço público o seu pensamento. Hoje faz-nos muita falta. Foram homens de outros tempos, sem dúvida.

A Ética católica e o Espírito do Capitalismo

por Daniel Santos Sousa, em 17.05.25

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A tese de Weber (no seu "A ética protestante e o Espírito do Capitalismo") encontra um campo amplo de adeptos, visando atacar o atraso dos países de cultura católica, em relação ao avanço técnico, político e económico dos países de cultura protestante. Tese não totalmente original, porque já tinha sido antecedida cerca de trinta anos por Antero de Quental, com o sugestivo título de "Causas da decadência dos povos peninsulares" (mas claro, como é português a relevância é menor). Ambas as teses estão viciadas, mas não cabe aqui discutir isso (1).

 É interessante como mesmo catedráticos e estudantes quase divinizem uma teoria que várias vezes já foi refutada pela historiografia. Talvez porque a tese de Weber pareça elegante a olhos deslumbrados, principalmente a povos como os de cultura católica que sempre desprezaram a sua identidade para preferir imitar o estrangeiro (i.e., os povos protestantes). E não é de admirar que um professor de direito se sinta tentado a preferir o protestantismo ao catolicismo, o próprio direito português é muitas vezes copiado de países protestantes (a Alemanha principalmente).   

O trauma em questão vem a propósito do suposto atraso das nações católicas em relação às nações protestantes, um velho estribilho oitocentista que ganhou raízes profundas nas nossas academias. O argumento é falso e já o demonstrarei. Ofereço a proposta de Hayek que no discurso perante a Academia Sueca citou dois escolásticos ibéricos: Luís de Molina e Juan de Lugo, afirmando que a análise económica austríaca não era uma novidade, já tinha sido formulada nos século XVI e XVII e tinham origem católica e espanhola.  

Exactamente, as ideias do capitalismo emergiram da Europa mediterrânica, herdeira da tradição grega, romana e tomista (3), influência muito mais decisiva do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII (Adam Smith e David Hume). Um mesmo Hayek cita diversas vezes Luís de Molina, um padre jesuíta espanhol, a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo». 

Aliás, foram dominicanos e jesuítas, professores de moral e teologia em universidades, como a de Salamanca e a de Coimbra, que constituíram os focos mais importantes do pensamento durante o Século de Ouro espanhol, antecedendo Smith e antecipando em séculos a escola Austríaca. E mesmo as teorias do protestante John Locke sobre o consentimento popular e a superioridade popular no governo já tinham encontrado fundamento num escolástico de Salamanca chamado Juan de Mariana, embora também descritas por Suarez, outro grande teólogo (e o fundador do direito internacional moderno).  

Quanto ao capitalismo das nações protestantes, tanto Hugh Trevor Ropper, como Michael Novak (4), tinham já explicado que «a ideia de que o capitalismo industrial de larga escala era ideologicamente impossível antes da Reforma é negada pelo simples facto de que ele já existia.» (ROPPER) Aliás Michael Novak descobre o desenvolvimento do capitalismo em cidades como Antuérpia, Lisboa, Milão, Lucena, refutando assim a tese de Weber da "ética protestante".  

E vem acrescentar ainda Henri Pirenne, uma década depois da publicação do livro de Weber (primeiramente citado), baseando-se em documentação anterior à Reforma, de que "os aspectos essenciais do capitalismo - iniciativa individual, avanços no crédito, lucros comerciais, especulação, etc. - podem ser encontrados a partir do século XII nas cidades-república da Itália - Veneza, Génova e Florença". 

Como explicar então o declínio Peninsular? Consequência lógica dos ciclos históricos de ascensão e decadência dos impérios. Simplesmente, aproveitando as palavras de Rodney Stark, os países protestantes do Norte ocuparam o lugar outrora "ocupado pelos velhos centros capitalistas do Mediterrâneo". Depois, os países mediterrânicos (Portugal e Espanha), falharam em deduzir o sistema económico para o qual tanto contribuíram e perderam o passo do tempo. Tragicamente, também povos que passaram os últimos duzentos anos a copiar instituições contrárias à sua cultura, o que resultou em guerras e revoluções constantes ao longo dos séculos XIX e XX. 

A influência dos pensadores da escolástica de Salamanca teria ainda um novo fôlego com o catalão Jaime Balmes (1810-1848), que além de teólogo foi economista e político católico, o mesmo que elaborou a lei da utilidade marginal vinte e sete anos antes de Carl Menger. 

Sim, é verdade que o capitalismo tem origem religiosa, mas não é protestante, mas católica. 

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(1) uma desmistificação da tese de Weber: "Max Weber: The Lawyer as Social Thinker" Frank Parkin,Stephen P. Turner,Regis A. Factor (pp.162, 164, 165). 

(2) "The Victory of Reason - How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success", Rodney Stark (pp.11-12) 

(3) "As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith", Jesús Huerta de Soto

(4) mais uma desmistificação de Weber: "The Spirit of Democratic Capitalism", Michael Novak (pp.276-277)

Leão XIII o Papa das Encíclicas

por Daniel Santos Sousa, em 13.05.25

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A escolha do nome, Leão XIV, assegura a continuidade com outros grandes Papas, começando em Leão I, o Grande, que defendeu Roma dos Bárbaros, e culminando em Leão XIII, o Papa das Encíclicas, cuja Rerum Novarum (1891), sobre a questão dos operários, tanta influência teve no seu tempo e continuou a repercutir-se entre várias gerações. 

Ninguém nos media referiu, mas um dos católicos mais influenciados pelos ensinamentos de Leão XIII foi Salazar, educado e formado em pleno despontar teológico na viragem do século. Integrou pois uma geração de activistas católicos que respondiam ao chamamento que entrecruzava as várias crises políticas, assim em França emergiram nomes como Jacques Maritain, ou Étienne Gilson, e em Portugal (entre outros) Abundio da Silva, António Lino Neto, Gonçalves Cerejeira.

Numa era marcada pelo anticlericalismo os ensinamentos do Papa ofereceram uma resposta às ideologias do tempo, fosse o socialismo, fosse o liberalismo capitalista. Neste paradigma, as encíclicas de Leão XIII serão fundamentais na construção do que ficaria conhecido como Democracia Cristã. Logo em 1901, em resposta a este apelo do Santo Padre, para que os católicos participassem na vida política e influenciassem as decisões públicas, nasce em Coimbra o Centro Académico de Democracia Cristã, onde Salazar se formou politicamente e moldou o seu pensamento. Mas também outros militantes católicos aceitaram o chamamento, importante após 1910, com o jacobinismo do partido de Afonso Costa a assumir as formas mais ditatoriais e sinistras, um anticatolicismo que separaria profundamente o povo do regime republicano e contribuiria para a sua queda (entre outros factores de crise interna).

Fosse em França, fosse em Portugal, as relações entre a Igreja de Roma e os regimes republicanos e liberais eram difíceis (mesmo na nossa monarquia dita liberal as relações com a Igreja foram complicadas). Discutivelmente o Santo Padre procurou uma nova abordagem para apaziguar os ânimos com a República Francesa, política que ficaria conhecida como "Ralliement", marcada pelo brinde (conhecido como o "brinde de Algier") do Cardeal Lavigerie, num jantar com a marinha francesa, chamando os católicos a aderir “sem segundas intenções” à República (embora não invocasse directamente o nome).

Decisão papal que já vinha sendo anunciada (ou pelo menos preparada) em três importantes encíclicas, a Diuturnum (1881), a Immortale Dei (1885) e a Libertas (1888), em cada uma delas, o Papa recordou os ensinamentos da Igreja em relação ao espaço público e à liberdade política e humana. Culminando mais tarde, em 1892, na derradeira encíclica Au milieu des sollicitudes, onde pede aos católicos que aceitem a República em França, por razões de ordem prudencial certamente, evitando o divisionismo e a guerra civil entre católicos. Não querendo dizer o Santo Padre que seja a República o melhor regime, mas pretendia impedir que os católicos continuassem a estar divididos por questões políticas. Boas intenções que não lograram vingar como pretendia.

Este modelo teve impacto no movimento monárquico em França e fracturou a militância (não sei até que ponto não terá prejudicado uma restauração em Portugal, pois nos meios católicos colocou de parte a questão do regime, Salazar é disso exemplo).

Mas Leão XIII deixou marcas de grande clarividência de pensamento, assumindo-se também como historiador apaixonado pela Idade Média. O estudo levou-o a reflectir numa "terceira via" entre o liberalismo e o socialismo. Inspiração que encontrou nas antigas corporações medievais. O importante não era a luta de classes, como queria o marxismo, nem a exploração capitalista, mas a harmonia social. O corporativismo não era necessariamente novidade, de Bonald a René de La Tour du Pin já tinha sido pensado. A contra-revolução já propugnara as linhas cimeiras para uma alternativa ao liberalismo, no que Marx ironicamente designará como “socialismo feudal”, caricaturado como  “metade eco do passado e metade ameaça do futuro”. Também na viragem para o novo século o corporativismo será retomado por Maurras e pelo Integralismo Lusitano. Mas com o Papa ganha um novo fôlego e terá grande influência no Estado Novo português.

Na Rerum Novarum deixou o entendimento:

"(...)as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada."

Foi um Papa inovador e reformista. Se as políticas que propôs tiveram bons resultados? Nem sempre. Os laivos "liberais" e de "reconciliação" não foram sempre produtivos. Resposta que o seu sucessor, Pio X, terá depois de resolver. De resto, Leão XIII deixou um legado e um pensamento para a posteridade, devemos muito aos seus ensinamentos.

O modelo sidonista

por Daniel Santos Sousa, em 09.05.25

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9 de Maio de 1918, Sidónio toma posse como Presidente da República. Celebrizou um estilo, criou um mito, modernizou a política fechada em torno do eixo partidocrático viciosos, que mesmo na República se arrastava com outros nomes e protagonistas, contudo a mesma "clasa discutidora" (como apoucava Donoso) desde a monarquia dita liberal. 

Dizem alguns que antecipou o século XX, ignorando que D. Carlos protagonizara brevemente um mesmo ensejo, a sua "revolução desde cima", também partilhada por João Franco e Oliveira Martins, vai ter em Sidónio um arauto. Dizem que foi "pré-fascista" ou antecipou Mussolini, o que parece exagerado, o modelo bonapartista era já um velho folclore, de Napoleão I a Napoleão III, até mesmo Bismarck. A manipulação do sufrágio universal para plebiscitar o poder, os banhos de multidão para legitimar a autocracia, em tudo o "cesarismo" definia um modelo. Nada de novo existe. 1800 anos antes de Napoleão, Júlio César emprestara o nome que mais tarde Augusto representou na definição de um sistema. A antiguidade clássica ensinou os modernos, como dizia Marx a Revolução Francesa fez-se "em vestes Romanas". 

 Em Portugal talvez fosse novidade, e nisso Sidónio teve repercussão. Mas reduzir Sidónio ao "ditador" deixa de fora muito da complexidade da sua acção. Afinal o que chamamos "populista" em Sidónio mais não era do que a dinamização democrática que procurava alargar a participação política às bases. Foi republicano convicto, nunca virou a casaca, mesmo quando o intitularam "Presidente-Rei" (epíteto poético sem dúvida que nada deve à sua verve) tal como Napoleão III fora o "Príncipe-Presidente" (fazendo-se depois plebiscitar Imperador). 

 No sentido castrense prussiano encontrou a pompa e glória. Bem concretizava as palavras de Oliveira Martins "uma ideia contendo um sabre". Ao contrário de Salazar alimentava-se das ovações populares, porquanto o futuro e perpétuo cônsul da República, o Presidente do Conselho, não tivesse ilusões relativamente às massas, pessimista como era em relação à condição humana. 

Face ao manancial de referências, muitos ignoraram a influência do modelo político americano em Sidónio. Curioso, para alguém acusado de "germanófilo". O certo é que o executivo presidencialista de Sidónio regia-se já pelo figurino presidencialista dos Estados Unidos (conforme lembrou Armando Malheiro da Silva).  Aliás, António Paes, filho de Sidónio, ofereceu a Luís de Freitas Branco o último livro lido pelo Presidente (seu pai) momentos antes de ser assassinado, nada mais do que uma obra sobre o Presidente Wilson. Pequenas notas marginais a um pensamento muito mais complexo e a um estilo político que terá ido beber a várias fontes.

 Pena que um ano de presidência não baste para explicar tudo, nem para desenvolver muito, contudo as premissas fundamentais permaneceram: um executivo forte, um modelo carismático, a centralização do poder, o "populismo" como arma de legitimação. Sidónio foi um relâmpago (breve e fugaz) no século XX Português.

Aclamação de D. Manuel II

por Daniel Santos Sousa, em 06.05.25

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No dia 6 de Maio de 1908, D. Manuel II é aclamado Rei de Portugal. Aos 18 anos confronta-se com um país em rebuliço, explosivo nos ódios à coroa e à religião. Um Rei que não estava destinado a sê-lo, um rei inesperado. Ainda no luto da morte do pai e do irmão aceitou o pesado cargo que, desde Afonso Henriques, assegurara a independência e a liberdade da pátria. 

Não tinha como recuar. Os desígnios dos povos são sempre misteriosos e a história que encarnam um mistério. Para o povo, o rei vem devolver as esperanças às pátrias sem rumo. Esperançou uma «Monarquia Nova», um regime conciliador, contudo longe ficou do ensejo, as conturbações que desde o Ultimatum de 1890 se arrastavam agora repercutiam-se num grito ameaçador para o trono. O início do século fora já marcado pelo avanço do Partido Republicano e pela violência da rua, no final os elementos da desordem premeditavam o crime: o regicídio. Tais circunstâncias faziam já antever as próximas décadas de crise governativa e assassinatos políticos. 

Preso à redoma da decadência do sistema do constitucionalismo liberal D. Manuel estava destinado à tragédia. O jornalista republicano João Chagas escrevia "Vossa majestade chega demasiado novo a um mundo demasiado velho", como articulando todas as desvantagens que sobre o rei caiam. 

Idealista, mas incompreendido, o jovem monarca procurou a reconciliação, contudo o ódio crescia; procurou recuperar a confiança na coroa, mas o reinado de D. Carlos acumulara inimizades, mesmo no interior da monarquia. Para contrariar as vicissitudes desenhou uma nova estratégia política. Afastou João Franco (último político verdadeiramente coerente na defesa da monarquia). E, se D. Carlos fora o rei interventivo e energético e a sua ousadia levara-o à morte; D. Manuel procurou o rumo contrário: não intervindo, reinando, mas não governando, ainda que sempre com grande interesse pelos assuntos do Estado, estudando-os a fundo, discutindo-os com os ministros, os velhos e corruptos ministros dos partidos do rotativismo que o traíram, como tinham traído seu pai. 

O exílio ajudou-o a descobrir uma vocação mais profunda: o estudo, a escrita, a investigação, ali alcançou o estatuto de um erudito bibliófilo. Um rei que foi igualmente um intelectual, mas também um activista de causas nobres. Na Primeira Guerra Mundial prestou auxílios a Portugal, e (de forma polémica e não totalmente compreendida pelos seguidores) pediu aos monárquicos que não continuassem com as acções revolucionárias contra o Governo (dito da República). Estávamos na época da Monarquia do Norte, das incursões de Paiva Couceiro, quando no poder ocupava o cargo de Presidente o almirante monárquico Canto e Castro, aqui João Chagas encontrava a ironia, indicando que "Portugal é um país de paradoxos: tem um rei republicano no exílio e um presidente monárquico no poder". 

Morreu a 2 de Julho de 1932, o corpo voltou à terra que tanto amava, mas creio que a alma nunca de cá saiu, o mar e a terra portuguesa nunca o abandonaram e foi, até à morte (mesmo quando ilegitimamente deposto) rei de Portugal e como rei legítimo veio a enterrar na "Lusitânia antiga liberdade".

Camilo: a força indomável das letras portuguesas

por Daniel Santos Sousa, em 18.03.25

 

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Camilo foi muito maior do que o século XIX, não cabem rótulos, nem escolas, ou séquitos, a quem almejou maior liberdade. Sem mestre e sem discípulos foi um colosso das letras: poucos alcançaram tanto de forma tão arrojada e completa. Não entrando em paradoxos, encontramos particularidades com os contemporâneos. Se Eça almejou a corpulência perfeccionista de Flaubert, então Camilo superou a audácia laboriosa de Balzac ou a capacidade inventiva de Dumas. Mas ambos foram muito mais do que este mimetismo: Camilo e Eça dissociam-se e complementam-se ao mesmo tempo. Estilos e temperamentos diferentes, certamente.

Seria pois redutor colocar Eça como o escritor cosmopolita e Camilo como o autor provinciano. Eça o homem moderno e Camilo o homem do "Portugal antigo". Mas sem dúvida que representam sensibilidades e visões diferentes desse mesmo Portugal.

Assim como diferenciado se manteve da ilustre "Geração de 70". Não tão viajado como Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, nos livros encontrou a escapatória para entender a humanidade; nem empedernido foi de ânsias positivista como Oliveira Martins, Antero de Quental, Guerra Junqueiro ou Teófilo Braga. As modas eram para ele retalhos que mereciam ser martelados com a firmeza do verbo.

Ao contrário de Eça, estrangeirado a construir na distância geográfica o reportório literário do naturalismo, snob que almejava a França como ideal cultural, cujas famosas personagens e os conhecidos enredos foram observados muitas vezes telescopicamente (nem sempre mas nas obras cimeiras bem longe de Portugal); ao contrário do seu émulo literário, Camilo conviveu de perto com o povo, partilhando iguais mágoas e dissabores, sentindo a amargura que dilacerava as inteligências. Entre os seus conviveu e saboreou o mesmo aroma que preencheu milhares e milhares de páginas. No conflito existencial não perdeu a ânsia dos filósofos, onde a arte é o reduto para explorar os infernos insondáveis da alma humana.

Ao mesmo tempo romântico e naturalista, homem de aspirações metafísicas e preso à imanência terrena, revolucionário e contra-revolucionário, em todas as metamorfoses da vida encontrou espaço para ampliar a audácia literária. Cada personagem continha um pouco do seu próprio mistério. Narrativas que, não explorando tão cansativamente o mundo e a mente, nem perdendo o arrimo da acção na fórmula galicista de tudo reduzir ao racionalismo , Camilo desejou sobretudo contar uma boa história, mas elevada pela erudição e grande conhecimento da língua. Escrevia de rajada, pouco corrigindo, mas domando a letra com habilidade.

No final, Camilo terá sido muito mais completo, muito mais argucioso, muito mais profundo. Em todas as latitudes da arte conduziu o seu desaforo e desatino, a sua violência e candura, uma mesma força demolidora capaz de arrasar com os mais cândidos e tíbios vates que pululam nas Academias e nos salões. Literatos e lentes arrasou Camilo com audácia. A pena afiada perpassou os variados géneros literários, romance, conto, novela, poesia, teatro, crónica, crítica literária. Uma verdadeira galáxia literária, queixando-se o mesmo de ser um prisioneiro do trabalho. Martírio dos homens abençoados pelas musas.

Também bibliófilo, referia-se em carta ao amigo, o poeta Feliciano Castilho, aos seus "mil volumes sofríveis". Não fossem as dificuldades financeiras, as errâncias de um espírito indomável, e quem sabe que invejável biblioteca legaria. Alguns volumes foram ainda recuperados, cada página recheada de notas marginais onde não perde o lado mais cáustico.

Na biografia foi a conjugação do poeta e do aventureiro, com vicissitudes que igualavam os dramas que soube elaborar. Vida que chocou e invejou os contemporâneos. E no final de tudo, conduzido por essa mesma força robusta, decidiu o próprio fim. Camilo foi pois a força indomável das letras portuguesas.

Rolão Preto - um destino no século XX

por Daniel Santos Sousa, em 08.02.25

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Rolão Preto viveu perigosamente o  século XX. Foi homem de paradoxos: nos ficheiros da PIDE chamavam-no o "comunista branco" e o mesmo falava em fazer uma monarquia do "rei com os sovietes". Não há qualquer contradição no pensamento de Rolão Preto, porquanto dentro das possíveis antinomias existe congruência. A revolução era o mecanismo necessário para voltar à tradição, fazendo justiça à etimologia deturpada, afinal "revolutio" significa voltar ao ponto de partida: a monarquia. Discípulo de Sorel e do nacional-sindicalismo, da Politique d'Abord de Maurras, soube inovar dentro dos movimentos clássicos da contra-revolução.

Na biografia ficaram as andanças pelo Integralismo e pela Monarquia do Norte, perseguido na Primeira  e na Segunda República (condecorado na Terceira); improvisando uns gestos fascistas com os Camisas Azuis e o nacional-sindicalismo nos anos 30 e, nos anos 50, ainda apoia o desventuroso Delgado (mais por estratégia oposicionista do que convicção, acredito). Foi quase um Dom Quixote rumando contra os moinhos de vento da História; homem de altos ideais e convicções, ainda que nem sempre perceptíveis, mas sempre combativo e procurando a originalidade.

Foi talvez o produto de um tempo de revolução que quis "viver perigosamente" e radicalmente, como denotam as palavras ao encerrar uma entrevista dada depois da revolução de 1974. Poucos hoje já seriam capazes de assumir com tanta frontalidade as ideias, de forma tão ousada e tão radical, era outro tempo certamente:

"Nós fomos os mais revoltados possíveis no nosso tempo. E todavia quando foi preciso contribuímos com o nosso esforço, sofremos, fomos para a cadeia. É preciso que os novos estejam dispostos a ir para a cadeia. É preciso que sofram e saibam sofrer, como as outras gerações sofreram."

Conclui:
"Em nome de uma coisa, chamada a comunidade portuguesa."

"Nunca choraremos bastante..."

por Daniel Santos Sousa, em 01.02.25

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"Nunca choraremos bastante nem com pranto
Assaz amargo e forte
Aquele que fundou glória e grandeza
E recebeu em paga insulto e morte."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

 

Não sendo este um poema directamente ligado ao regicídio (aliás dedicado ao Infante D. Pedro, o das Sete Partidas, da Casa de Avis), não deixa de se coadunar com a memória histórica assinalada a cada dia 1 de Fevereiro. Aqui, o sujeito poético seria o Infante D. Pedro, como poderia ser o rei D. Carlos. Seria a morte vil e a difamação do Infante das Sete Partidas, como se perpetuaria na morte e difamação do rei D. Carlos.

As guerras civis nem sempre são visíveis, quando os inimigos se escondem na penumbra; e nem sempre são exércitos que se defrontam, mas ideias que se deslocam à velocidade de balas e, depois, se materializam sim no homicídio subsequente. Um poema que bem sintetiza o martírio de um monarca, a morte de um dos reis mais bem preparados da Europa, que recebeu pela sua ousadia e coragem "insulto e morte".

Pagámos caro os erros históricos num século XX inclemente. Como alguém dizia, podem matar o rei, mas não sabemos o que morre com ele.

Mas outro paradoxo fica presente. De acordo com a nota da autora o poema foi escrito na noite de 17-12-1961, "interrompido pela notícia da entrada dos soldados indianos em Goa". Assim se entrelaçam as desgraças e mistérios da história nas linhas breves da poesia. O fim do Portugal histórico que se assinalava. Como outro poeta diria "malhas que o Império tece".

Teixeira de Sousa, inconsequente ou traidor?

por Daniel Santos Sousa, em 06.10.24

 Recordamos hoje, o Médico Teixeira de Sousa, no dia em passa mais um  aniversário do seu nascimento. | Ruas com história

Cego, completamente inapto para qualquer cargo governativo, coube a este homem, Teixeira de Sousa, salvaguardar o regime e defender a dinastia de Bragança, no dia 5 de Outubro de 1910. Misto de cacique de província e burguês obtuso, grosseiramente liberal e alheado de qualquer princípio, de carácter bovino e pedante, pode perfeitamente representar o que de pior produziu aquele liberalismo. O jornalista Joaquim Leitão escreveu a propósito: "Quem uma vez passou em Trás-os-Montes traz os ouvidos cheios destes dois nomes: filoxera e o sr. Teixeira de Sousa". A ascensão de um enviesado apenas pode ser explicada pela rápida liquidação dos principais líderes políticos (Hintze Ribeiro, Vilhena, Campos Henriques e Wenceslau de Lima) e pela profunda crise que se abateu entre os partidos do regime. 

De forma insólita, Teixeira de Sousa pactuou com a desordem. Não terá sido um traidor, como lembrou um antigo colaborador do seu governo, mas apenas "burro". Ajuizando à distância das emoções, não podemos acusá-lo inteiramente, nem lançar culpas ciclópicas aos ombros de um pigmeu. Não foi o único responsável, certamente, nem isenta outras forças que deviam ter defendido o rei. Porém, coube-lhe a maior responsabilidade - o que impede qualquer comoção face à alarvidade do homem. Na sua lógica, para “desarmar a revolução”, era preciso “realizá-la” (a perfeita contradição na mais bárbara das formulações).

A data que todos os anos o regime republicano celebra, não podia ter sido mais insólita, mais bizarra, recheada de contradições, traições e cobardias - de tudo aconteceu. Longe do heroísmo, foi uma fatalidade, uma comédia trágica que exilou uma dinastia secular. Apesar de todas as críticas que possamos fazer, Teixeira de Sousa foi, ao mesmo tempo, produto de um sistema, a perfeita consequência da revolução liberal, a realização de uma ideologia que originou os seus próprios inimigos.

As ideias políticas de Ramalho Ortigão

por Daniel Santos Sousa, em 19.09.24

As farpas: Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz. Lisboa. Tip. Universal,  1871-1883 - Produtos - Livraria Trindade Alfarrabista Rua do Alecrim  213421600

 

Uma interessante análise de Eça de Queiroz sobre o pensamento político do seu amigo Ramalho Ortigão. Intelectual céptico e crítico, Ramalho jamais aderiu ao republicanismo, aliás, um sentido convergente ao pensamento de Oliveira Martins e de Antero de Quental. Mesmo Eça, cuja apologia do positivismo dominou nas primeiras obras, evoluiria para uma igual descerença nas revoluções. Nestas linhas, o autor  ainda está longe de conhecer a evolução política no século XX, pois que seria importante acrescer o amadurecimento intelectual de Ramalho que testemunha a crise da Primeira República e o nascimento do Integralismo Lusitano que subscreve em "Carta de um Velho a um Novo", em resposta ao jovem amigo João do Amaral, então convertido à monarquia. Igualmente monárquica despontará a geração desencantada com a república como António Sardinha, Homem Cristo Filho e Alfredo Pimenta.

 

 "Em Política, tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a república, tal qual é tramada nos Clubes amadores de Lisboa e Porto. A república, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta. (...) O que Ramalho mais tem odiado e invectivado na política é a retórica: é o que o exaspera no Constitucionalismo: e a prodigiosa caricatura que tem feito da retórica parlamentar, da retórica ministerial, da retórica régia, da retórica burocrática, é que lhe tem dado a fama republicana. Não penso porém que ele fosse hostil ao sistema, se o sistema não tivesse um tão desordenado fluxo labial. Se o sistema trabalhasse praticamente, em lugar de perorar com furor, estou convencido que Ramalho não o importunaria (...). Se Ramalho tem guerreado a retórica conservadora, não tem poupado a retórica democrática, que não é em Portugal menos nociva: é a sua vaga fraseológica idealista, que mantém tanto moço estimável num humanitarismo enevoado e sentimental, em que aspiram a ver toda a Europa livre, sem pauperismo, sem guerra e sem prostituição, sentando-se em banquetes fraternais, presidido pelos génios (...) É ainda a remota influência deste lirismo democrático que faz dizer aos conservadores de cinquenta anos, com o sorriso melancólico de quem fala em amores defuntos: - Ah a República é uma bem formosa quimera!"

 

(in, Eça de Queiroz, "Notas Contemporâneas" , 'Ramalho Ortigão (Carta a Joaquim de Araújo)', 3º Edição, 1920, Porto, Livraria Chardron de Lelo e Irmão, Lda.)

Antero e o Pessimismo

por Daniel Santos Sousa, em 11.09.24

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A 11 de Setembro de 1891 Antero de Quental suicidou-se em Ponta Delgada. Poeta-filósofo, evoluiu a partir do socialismo de Proudhon, para uma visão mais profunda da identidade portuguesa; de crítico das causas da decadência, para um patriotismo cívico; e, de ateu que gritava numa noite de trovoada em Coimbra para ser fulminado por um raio caso Deus existisse, para um crente que jamais abandonou a dúvida metafísica. Foi o pessimista e o idealista em uníssono. Tal como Proudhon, não poupou críticas à democracia burguesa, rejeitando aquele modelo de constitucionalismo liberal. Escreveu com razão António Sardinha: "Camões na Renascença, o Padre António Vieira em Seiscentos, José Agostinho de Macedo na agonia da sociedade antiga, são a representação universal do nosso génio na Epopeia, na Política e no Panfleto. Juntemos-lhe agora Antero na Filosofia." Assim, pôde também pacificamente Luís de Almeida Braga chamar a Antero de "mestre da contrarrevolução".

O sentimento de decadência nacional parecia inflamar as inteligências, socorrendo-se da morte voluntária como revolta do instinto contra as circunstâncias. Antero, Soares dos Reis, Camilo Castelo Branco, Manuel Laranjeira, mais tarde Trindade Coelho, anunciavam um astro nefasto que parecia engolir a própria terra portuguesa. Unamuno não foi indiferente, rotulando Portugal como “terra de suicidas”. Ainda que os motivos nem sempre coincidissem com um patriotismo aniquilado, como aconteceu com Camilo, cuja cegueira contribuiu para a sina trágica.

Pessimismo nacional, glosado pelas penas verbosas da Geração de 70, ao ponto de se tornar um cliché de intelectuais ansiosos por encontrar alternativas fortes ao modelo constitucional: fosse o republicanismo ou o cesarismo. Da poesia ao romance as páginas cobriram-se de visões obscuras de uma morte anunciada. A primeira geração romântica não tinha deixado despercebido este desencanto, quando Herculano se autoexila, deixando o eco do seu desalento: "Isto dá vontade de morrer."

O fim de século apenas consubstanciou o sentimento arrastado ao longo de décadas. Antero não deixou de reunir no seu verbo a própria síntese do pessimismo, ao mesmo tempo que alimentava o desejo de redenção. O poeta desdobrou a sua poesia nas dimensões profundas do ideal. Na identidade ontológica fica a dúvida do Ser e na preocupação metafísica a consequência da alma que busca a divindade perdida. É o convertido que não encontra Deus: “Amortalhei na Fé o pensamento/ E achei a paz na inércia do esquecimento…/ Só me falta saber se Deus existe!” O atormentado, absorvido com a morte: “O que diz a morte”, “Elogio da Morte” e os sonetos finais reclinados para o pessimismo de uma vida resoluta, é o sentido trágico do combate. Assim podia concluir: “Porém o coração, feito valente/ Na escola da tortura repetida,/ E no uso de penar tornado crente,/ Respondeu: desta altura vejo o Amor!/ Viver não foi em vão, se é isto a vida,/ Nem foi de mais o desengano e a dor.”

 

Recordar António Sardinha (1887-1925)

por Daniel Santos Sousa, em 09.09.24

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António Maria de Sousa Sardinha nasceu em Monforte a 9 de Setembro de 1887. Desaparecido precocemente, deixou um legado insuperável. As palavras do mestre do Integralismo Lusitano constituíram a verdadeira riqueza do pensamento político português. Afinal, um pensador forjado pelas circunstâncias, integrando a geração que desponta politicamente entre o Ultimatum inglês e a proclamação da República. Como em Maurras, a estética precedeu a política, reconhecendo o carácter combativo da poesia, afinal "la plus haute expression du politique". A eloquência elegante e o cuidado na palavra são características comuns, em Maurras e Sardinha, assim como o gosto pelos aforismos, traduzindo o pensamento em ideias breves e objectivas. Monárquico, porque patriota, e nacionalista por princípio e monárquico por conclusão, são identificações que jamais esgotaram o significado.

Educado nos "imortais princípios" sob a égide da revolução galicista, Sardinha soube romper com um percurso sinuoso para novamente abraçar a tradição.  Mas não era apenas admirado entre fronteiras. Em Espanha e mesmo no Brasil era lido, estudado e citado. O pensamento de Sardinha entrecruza a crise do século. Assim, evoluiu do positivismo, para o tradicionalismo, do republicanismo, para a monarquia e do agnosticismo para a religião Católica. Não esteve solitário, lembrando outros dois monóculos argutos que colocaram o verbo ao serviço do combate político, como Alfredo Pimenta e João do Amaral. Esta foi uma geração que, num século de vanguardas, preferiu recolher-se aos ensinamentos antigos e encontrou uma nova voz na antiga literatura miguelista e nos autores da contra-revolução. Como Maurras deduziu o sistema político, também Sardinha soube deduzir as premissas. Poucos autores alcançaram tanta clarividência. E poucos atingiram um grau tão alto de conhecimentos, na sinceridade das ideias e na pureza da língua. Sardinha foi o monóculo afiado da nossa direita, um pensamento arrojado que hoje tanta falta faz.

 

A construção de um mito

por Daniel Santos Sousa, em 02.09.24

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 Luís XIV morre a 1 de Setembro de 1715. Embora nunca tenha proferido a máxima "O Estado sou eu", sem dúvida que esta curta e lacónica expressão elevada a aforismo concretiza muito do seu pensamento político. O monarca terá antes suspirado no leito de morte “Je m'en vais, mais l'État demeurera toujours.” Numa e noutra vem reflectida a herança do "Rei sol":  a edificação do Estado centralizado.

Este é um reinado dinâmico que abre portas para a transformação política e social. Ao lado de teorizadores do direito divino como Bossuet, surgem os teóricos do laicismo e do individualismo (como Montesquieu). Numa França amordaçada pelas guerras da religião consegue com habilidade subjugar a nobreza e, não hesitando em explorar esse sucesso, logra disciplinar e subordinar aquele grupo através de um minucioso cerimonial que concretizará a hegemonia da coroa.

A mesma nobreza que, prisioneira da redoma dourada de Versalhes, tornar-se-á refém desse esplendor, no fundo a sua própria decadência. Mas é dessa redoma que saem os ministros e os embaixadores do Rei Sol, e, um fenómeno curioso: a importância da mobilidade. Na alta burguesia, a 'noblesse de robe', começa a ascender socialmente, recebendo cargos no governo que a fazem gravitar para os píncaros da boa sociedade e rivalizar socialmente com a velha nobreza. São dois mundo em conflito: um medieval e feudal, do qual a hegemonia régia se liberta, e outro na dianteira do estado moderno, que os tratadistas procurarão identificar (Maquiavel, Hobbes). Esta é uma sociedade estratificada, fundada numa correspondência de funções e de direitos, de serviços e de privilégios (Mattei). Assim era em toda a Europa: um Estado constituído por ordens e corpos. Desde o ano 1000 até 1789 esta é a realidade dos povos, a sua destruição progressiva (em França até mesmo abrupta) abrirá caminho à barbárie.

O poder do Rei Sol é garantido pelos sucessos militares, nos seus canhões inscrevia a máxima "ultima ratio regis", no fundo a visão de um homem talhado para a consumação da política interna e para a procura de vitórias no exterior. Mas o "poder absoluto", que será tão glosado pela revolução de '89 para demonizar a monarquia, nunca significou poder ilimitado. Há aqui mais de folclore e ficção jacobina do que outra coisa qualquer. Talvez por leitura de Bossuet que teorizava a origem divina do poder a ideia tenha servido toda a propaganda "anti-monarquia". Bossuet jamais legitimou qualquer absolutismo arbitrário. Exprime sim os limites do poder do monarca à luz da doutrina tradicional. São visões diferentes do absolutismo e todas elas deturpadas pelas revoluções liberais. Jouvenel já o demonstrara ao referir que a monarquia absoluta estava nos antípodas do regime despótico, mesmo nessas monarquias acreditava-se que não era o rei mas a lei quem mandava (Jaime Balmes) e podia mesmo no século XX ironizar um pensador como K.von Leddihn ao afirmar que se Luís XIV visse o poder que o Congresso dos USA ou o Parlamento de França tem para aprovar leis morreria de inveja. No século XIX e XX aliás, ironicamente, os estados liberais (e os seus sucedâneos demo-liberais) seriam muito mais centralizadores (i.e., mais absolutistas) do que alguma vez fora o Estado do chamado "Antigo Regime".

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Por vezes críptico, outras vezes sagaz, “O Novo Príncipe”, do miguelista Gama e Castro, sintetiza todo o ardor político que entrincheirava hostes mortalmente inimigas. Obra marcada e maculada pelas circunstâncias é, também, um documento histórico que merece a atenção devida para compreender a gangrena da pátria no duro conflito e a necessidade de apresentar uma legitimação coerente ao pensamento da contra-revolução. Se não brilha pelo estilo, brilhará certamente pela audácia. Contemporâneo, aliás, de Tocqueville, e da publicação de “Da Democracia na América” (separados por escassos anos), não alcança a sublimidade do francês, mas arrisca maior intrepidez ao confrontar os delírios de um século refém da revolução. Na dianteira dos novos tempos, Gama e Castro e Tocqueville entrincheiram hostes. Um brilha na defesa do mundo antigo, o outro entusiasma-se pela descoberta de um mundo novo.

O fascínio do aristocrata francês pela democracia americana tem, em Gama e Castro, o seu mais eloquente opositor. Na monarquia católica Gama e Castro descobre a sobrevivência da nação, sem a qual a própria independência e soberania ficariam arruinadas. Tocqueville não tem uma opinião muito divergente. O problema é que vem fascinado com um mundo completamente antagónico ao espírito tradicional, principalmente para um aristocrata católico como ele. Contudo, é esse novo mundo que sente prevalecer, enfrentando um velho paradoxo político: como impedir que um regime degenere numa tirania? A resposta é a mesma: está na religião católica. Ambos denotam como esta se adapta a qualquer forma de governo.

Neste sentido, Gama e Castro postulava uma advertência para a sempre crescente tentação dos países católicos (principalmente Portugal) copiarem instituições estrangeiras, e que nada têm a ver com a sua cultura. Era isso que queria dizer quando afirmava “mas o unico bom para huma nação determinada he aquelle que resulta da historia, isto he, da experiência dessa nação”. A isto chama o autor de “política histórica”, uma boa recomendação para os homens do seu tempo, os tais reformistas impacientes e revolucionários determinados em construir uma sociedade nova (que já criticava Burke), aquilo que designa como o “problema do optimismo político”, definindo talvez as linhas cimeiras do que poderia ter sido um pensamento da “direita” portuguesa.

Sem dúvida podemos dizer que a verdadeira direita foram os miguelistas. A propensão que Gama e Castro sempre lembra para o catolicismo não é a democracia, como defendia Tocqueville, mas o governo absoluto. Mas é preciso esclarecer o conceito: "E nesta completa independencia de todas as autoridades do mundo consiste o motivo secreto por que o rei absoluto está muito mais habilitado para fazer a felicidade do povo do que aquelle que o não he." Um rei pela graça de Deus, defende, será sempre justo, porque realiza o bem-comum, e conclui que já não será assim naquele caso em "que he rei pela graça do povo". Evidentemente não tinha interesse o rei sagrado pelo povo, como sentirá sempre o seu poder periclitante e inseguro quando o mesmo povo que lhe deu o poder o pode também tirar.

Mártires da Pátria

por Daniel Santos Sousa, em 01.02.24

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"Mas o pior crime que a República cometeu foi o de abalar pelo esquecimento a fidelidade monárquica. E a Coroa não pode nem deve ser um sinal de divisão, ou uma sigla de partidos. Mas sim o cristal em que todos os portugueses possam encontrar a sua imagem. O cristal é frágil. E não sei até que ponto, quando se quebra pode readquirir o seu brilho e a sua transparência. Não irei àquela cerimónia fúnebre que todos os anos se repete na Praça do Município. E se fosse, iria de gravata preta, porque acto tão triste, ali, só pode ser para que não esqueça a memória de um rei e de um príncipe vilmente assassinados."

 

(Francisco Sousa Tavares, Outubro de 1991, crónica reunida no livro "Uma Voz na Revolução, testemunhos e causas de Francisco Sousa Tavares"). 

 


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