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Rolão Preto - um destino no século XX

por Daniel Santos Sousa, em 08.02.25

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Rolão Preto viveu perigosamente o  século XX. Foi homem de paradoxos: nos ficheiros da PIDE chamavam-no o "comunista branco" e o mesmo falava em fazer uma monarquia do "rei com os sovietes". Não há qualquer contradição no pensamento de Rolão Preto, porquanto dentro das possíveis antinomias existe congruência. A revolução era o mecanismo necessário para voltar à tradição, fazendo justiça à etimologia deturpada, afinal "revolutio" significa voltar ao ponto de partida: a monarquia. Discípulo de Sorel e do nacional-sindicalismo, da Politique d'Abord de Maurras, soube inovar dentro dos movimentos clássicos da contra-revolução.

Na biografia ficaram as andanças pelo Integralismo e pela Monarquia do Norte, perseguido na Primeira  e na Segunda República (condecorado na Terceira); improvisando uns gestos fascistas com os Camisas Azuis e o nacional-sindicalismo nos anos 30 e, nos anos 50, ainda apoia o desventuroso Delgado (mais por estratégia oposicionista do que convicção, acredito). Foi quase um Dom Quixote rumando contra os moinhos de vento da História; homem de altos ideais e convicções, ainda que nem sempre perceptíveis, mas sempre combativo e procurando a originalidade.

Foi talvez o produto de um tempo de revolução que quis "viver perigosamente" e radicalmente, como denotam as palavras ao encerrar uma entrevista dada depois da revolução de 1974. Poucos hoje já seriam capazes de assumir com tanta frontalidade as ideias, de forma tão ousada e tão radical, era outro tempo certamente:

"Nós fomos os mais revoltados possíveis no nosso tempo. E todavia quando foi preciso contribuímos com o nosso esforço, sofremos, fomos para a cadeia. É preciso que os novos estejam dispostos a ir para a cadeia. É preciso que sofram e saibam sofrer, como as outras gerações sofreram."

Conclui:
"Em nome de uma coisa, chamada a comunidade portuguesa."

"Nunca choraremos bastante..."

por Daniel Santos Sousa, em 01.02.25

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"Nunca choraremos bastante nem com pranto
Assaz amargo e forte
Aquele que fundou glória e grandeza
E recebeu em paga insulto e morte."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

 

Não sendo este um poema directamente ligado ao regicídio (aliás dedicado ao Infante D. Pedro, o das Sete Partidas, da Casa de Avis), não deixa de se coadunar com a memória histórica assinalada a cada dia 1 de Fevereiro. Aqui, o sujeito poético seria o Infante D. Pedro, como poderia ser o rei D. Carlos. Seria a morte vil e a difamação do Infante das Sete Partidas, como se perpetuaria na morte e difamação do rei D. Carlos.

As guerras civis nem sempre são visíveis, quando os inimigos se escondem na penumbra; e nem sempre são exércitos que se defrontam, mas ideias que se deslocam à velocidade de balas e, depois, se materializam sim no homicídio subsequente. Um poema que bem sintetiza o martírio de um monarca, a morte de um dos reis mais bem preparados da Europa, que recebeu pela sua ousadia e coragem "insulto e morte".

Pagámos caro os erros históricos num século XX inclemente. Como alguém dizia, podem matar o rei, mas não sabemos o que morre com ele.

Mas outro paradoxo fica presente. De acordo com a nota da autora o poema foi escrito na noite de 17-12-1961, "interrompido pela notícia da entrada dos soldados indianos em Goa". Assim se entrelaçam as desgraças e mistérios da história nas linhas breves da poesia. O fim do Portugal histórico que se assinalava. Como outro poeta diria "malhas que o Império tece".

Teixeira de Sousa, inconsequente ou traidor?

por Daniel Santos Sousa, em 06.10.24

 Recordamos hoje, o Médico Teixeira de Sousa, no dia em passa mais um  aniversário do seu nascimento. | Ruas com história

Cego, completamente inapto para qualquer cargo governativo, coube a este homem, Teixeira de Sousa, salvaguardar o regime e defender a dinastia de Bragança, no dia 5 de Outubro de 1910. Misto de cacique de província e burguês obtuso, grosseiramente liberal e alheado de qualquer princípio, de carácter bovino e pedante, pode perfeitamente representar o que de pior produziu aquele liberalismo. O jornalista Joaquim Leitão escreveu a propósito: "Quem uma vez passou em Trás-os-Montes traz os ouvidos cheios destes dois nomes: filoxera e o sr. Teixeira de Sousa". A ascensão de um enviesado apenas pode ser explicada pela rápida liquidação dos principais líderes políticos (Hintze Ribeiro, Vilhena, Campos Henriques e Wenceslau de Lima) e pela profunda crise que se abateu entre os partidos do regime. 

De forma insólita, Teixeira de Sousa pactuou com a desordem. Não terá sido um traidor, como lembrou um antigo colaborador do seu governo, mas apenas "burro". Ajuizando à distância das emoções, não podemos acusá-lo inteiramente, nem lançar culpas ciclópicas aos ombros de um pigmeu. Não foi o único responsável, certamente, nem isenta outras forças que deviam ter defendido o rei. Porém, coube-lhe a maior responsabilidade - o que impede qualquer comoção face à alarvidade do homem. Na sua lógica, para “desarmar a revolução”, era preciso “realizá-la” (a perfeita contradição na mais bárbara das formulações).

A data que todos os anos o regime republicano celebra, não podia ter sido mais insólita, mais bizarra, recheada de contradições, traições e cobardias - de tudo aconteceu. Longe do heroísmo, foi uma fatalidade, uma comédia trágica que exilou uma dinastia secular. Apesar de todas as críticas que possamos fazer, Teixeira de Sousa foi, ao mesmo tempo, produto de um sistema, a perfeita consequência da revolução liberal, a realização de uma ideologia que originou os seus próprios inimigos.

As ideias políticas de Ramalho Ortigão

por Daniel Santos Sousa, em 19.09.24

As farpas: Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz. Lisboa. Tip. Universal,  1871-1883 - Produtos - Livraria Trindade Alfarrabista Rua do Alecrim  213421600

 

Uma interessante análise de Eça de Queiroz sobre o pensamento político do seu amigo Ramalho Ortigão. Intelectual céptico e crítico, Ramalho jamais aderiu ao republicanismo, aliás, um sentido convergente ao pensamento de Oliveira Martins e de Antero de Quental. Mesmo Eça, cuja apologia do positivismo dominou nas primeiras obras, evoluiria para uma igual descerença nas revoluções. Nestas linhas, o autor  ainda está longe de conhecer a evolução política no século XX, pois que seria importante acrescer o amadurecimento intelectual de Ramalho que testemunha a crise da Primeira República e o nascimento do Integralismo Lusitano que subscreve em "Carta de um Velho a um Novo", em resposta ao jovem amigo João do Amaral, então convertido à monarquia. Igualmente monárquica despontará a geração desencantada com a república como António Sardinha, Homem Cristo Filho e Alfredo Pimenta.

 

 "Em Política, tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a república, tal qual é tramada nos Clubes amadores de Lisboa e Porto. A república, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta. (...) O que Ramalho mais tem odiado e invectivado na política é a retórica: é o que o exaspera no Constitucionalismo: e a prodigiosa caricatura que tem feito da retórica parlamentar, da retórica ministerial, da retórica régia, da retórica burocrática, é que lhe tem dado a fama republicana. Não penso porém que ele fosse hostil ao sistema, se o sistema não tivesse um tão desordenado fluxo labial. Se o sistema trabalhasse praticamente, em lugar de perorar com furor, estou convencido que Ramalho não o importunaria (...). Se Ramalho tem guerreado a retórica conservadora, não tem poupado a retórica democrática, que não é em Portugal menos nociva: é a sua vaga fraseológica idealista, que mantém tanto moço estimável num humanitarismo enevoado e sentimental, em que aspiram a ver toda a Europa livre, sem pauperismo, sem guerra e sem prostituição, sentando-se em banquetes fraternais, presidido pelos génios (...) É ainda a remota influência deste lirismo democrático que faz dizer aos conservadores de cinquenta anos, com o sorriso melancólico de quem fala em amores defuntos: - Ah a República é uma bem formosa quimera!"

 

(in, Eça de Queiroz, "Notas Contemporâneas" , 'Ramalho Ortigão (Carta a Joaquim de Araújo)', 3º Edição, 1920, Porto, Livraria Chardron de Lelo e Irmão, Lda.)

Antero e o Pessimismo

por Daniel Santos Sousa, em 11.09.24

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A 11 de Setembro de 1891 Antero de Quental suicidou-se em Ponta Delgada. Poeta-filósofo, evoluiu a partir do socialismo de Proudhon, para uma visão mais profunda da identidade portuguesa; de crítico das causas da decadência, para um patriotismo cívico; e, de ateu que gritava numa noite de trovoada em Coimbra para ser fulminado por um raio caso Deus existisse, para um crente que jamais abandonou a dúvida metafísica. Foi o pessimista e o idealista em uníssono. Tal como Proudhon, não poupou críticas à democracia burguesa, rejeitando aquele modelo de constitucionalismo liberal. Escreveu com razão António Sardinha: "Camões na Renascença, o Padre António Vieira em Seiscentos, José Agostinho de Macedo na agonia da sociedade antiga, são a representação universal do nosso génio na Epopeia, na Política e no Panfleto. Juntemos-lhe agora Antero na Filosofia." Assim, pôde também pacificamente Luís de Almeida Braga chamar a Antero de "mestre da contrarrevolução".

O sentimento de decadência nacional parecia inflamar as inteligências, socorrendo-se da morte voluntária como revolta do instinto contra as circunstâncias. Antero, Soares dos Reis, Camilo Castelo Branco, Manuel Laranjeira, mais tarde Trindade Coelho, anunciavam um astro nefasto que parecia engolir a própria terra portuguesa. Unamuno não foi indiferente, rotulando Portugal como “terra de suicidas”. Ainda que os motivos nem sempre coincidissem com um patriotismo aniquilado, como aconteceu com Camilo, cuja cegueira contribuiu para a sina trágica.

Pessimismo nacional, glosado pelas penas verbosas da Geração de 70, ao ponto de se tornar um cliché de intelectuais ansiosos por encontrar alternativas fortes ao modelo constitucional: fosse o republicanismo ou o cesarismo. Da poesia ao romance as páginas cobriram-se de visões obscuras de uma morte anunciada. A primeira geração romântica não tinha deixado despercebido este desencanto, quando Herculano se autoexila, deixando o eco do seu desalento: "Isto dá vontade de morrer."

O fim de século apenas consubstanciou o sentimento arrastado ao longo de décadas. Antero não deixou de reunir no seu verbo a própria síntese do pessimismo, ao mesmo tempo que alimentava o desejo de redenção. O poeta desdobrou a sua poesia nas dimensões profundas do ideal. Na identidade ontológica fica a dúvida do Ser e na preocupação metafísica a consequência da alma que busca a divindade perdida. É o convertido que não encontra Deus: “Amortalhei na Fé o pensamento/ E achei a paz na inércia do esquecimento…/ Só me falta saber se Deus existe!” O atormentado, absorvido com a morte: “O que diz a morte”, “Elogio da Morte” e os sonetos finais reclinados para o pessimismo de uma vida resoluta, é o sentido trágico do combate. Assim podia concluir: “Porém o coração, feito valente/ Na escola da tortura repetida,/ E no uso de penar tornado crente,/ Respondeu: desta altura vejo o Amor!/ Viver não foi em vão, se é isto a vida,/ Nem foi de mais o desengano e a dor.”

 

Recordar António Sardinha (1887-1925)

por Daniel Santos Sousa, em 09.09.24

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António Maria de Sousa Sardinha nasceu em Monforte a 9 de Setembro de 1887. Desaparecido precocemente, deixou um legado insuperável. As palavras do mestre do Integralismo Lusitano constituíram a verdadeira riqueza do pensamento político português. Afinal, um pensador forjado pelas circunstâncias, integrando a geração que desponta politicamente entre o Ultimatum inglês e a proclamação da República. Como em Maurras, a estética precedeu a política, reconhecendo o carácter combativo da poesia, afinal "la plus haute expression du politique". A eloquência elegante e o cuidado na palavra são características comuns, em Maurras e Sardinha, assim como o gosto pelos aforismos, traduzindo o pensamento em ideias breves e objectivas. Monárquico, porque patriota, e nacionalista por princípio e monárquico por conclusão, são identificações que jamais esgotaram o significado.

Educado nos "imortais princípios" sob a égide da revolução galicista, Sardinha soube romper com um percurso sinuoso para novamente abraçar a tradição.  Mas não era apenas admirado entre fronteiras. Em Espanha e mesmo no Brasil era lido, estudado e citado. O pensamento de Sardinha entrecruza a crise do século. Assim, evoluiu do positivismo, para o tradicionalismo, do republicanismo, para a monarquia e do agnosticismo para a religião Católica. Não esteve solitário, lembrando outros dois monóculos argutos que colocaram o verbo ao serviço do combate político, como Alfredo Pimenta e João do Amaral. Esta foi uma geração que, num século de vanguardas, preferiu recolher-se aos ensinamentos antigos e encontrou uma nova voz na antiga literatura miguelista e nos autores da contra-revolução. Como Maurras deduziu o sistema político, também Sardinha soube deduzir as premissas. Poucos autores alcançaram tanta clarividência. E poucos atingiram um grau tão alto de conhecimentos, na sinceridade das ideias e na pureza da língua. Sardinha foi o monóculo afiado da nossa direita, um pensamento arrojado que hoje tanta falta faz.

 

A construção de um mito

por Daniel Santos Sousa, em 02.09.24

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 Luís XIV morre a 1 de Setembro de 1715. Embora nunca tenha proferido a máxima "O Estado sou eu", sem dúvida que esta curta e lacónica expressão elevada a aforismo concretiza muito do seu pensamento político. O monarca terá antes suspirado no leito de morte “Je m'en vais, mais l'État demeurera toujours.” Numa e noutra vem reflectida a herança do "Rei sol":  a edificação do Estado centralizado.

Este é um reinado dinâmico que abre portas para a transformação política e social. Ao lado de teorizadores do direito divino como Bossuet, surgem os teóricos do laicismo e do individualismo (como Montesquieu). Numa França amordaçada pelas guerras da religião consegue com habilidade subjugar a nobreza e, não hesitando em explorar esse sucesso, logra disciplinar e subordinar aquele grupo através de um minucioso cerimonial que concretizará a hegemonia da coroa.

A mesma nobreza que, prisioneira da redoma dourada de Versalhes, tornar-se-á refém desse esplendor, no fundo a sua própria decadência. Mas é dessa redoma que saem os ministros e os embaixadores do Rei Sol, e, um fenómeno curioso: a importância da mobilidade. Na alta burguesia, a 'noblesse de robe', começa a ascender socialmente, recebendo cargos no governo que a fazem gravitar para os píncaros da boa sociedade e rivalizar socialmente com a velha nobreza. São dois mundo em conflito: um medieval e feudal, do qual a hegemonia régia se liberta, e outro na dianteira do estado moderno, que os tratadistas procurarão identificar (Maquiavel, Hobbes). Esta é uma sociedade estratificada, fundada numa correspondência de funções e de direitos, de serviços e de privilégios (Mattei). Assim era em toda a Europa: um Estado constituído por ordens e corpos. Desde o ano 1000 até 1789 esta é a realidade dos povos, a sua destruição progressiva (em França até mesmo abrupta) abrirá caminho à barbárie.

O poder do Rei Sol é garantido pelos sucessos militares, nos seus canhões inscrevia a máxima "ultima ratio regis", no fundo a visão de um homem talhado para a consumação da política interna e para a procura de vitórias no exterior. Mas o "poder absoluto", que será tão glosado pela revolução de '89 para demonizar a monarquia, nunca significou poder ilimitado. Há aqui mais de folclore e ficção jacobina do que outra coisa qualquer. Talvez por leitura de Bossuet que teorizava a origem divina do poder a ideia tenha servido toda a propaganda "anti-monarquia". Bossuet jamais legitimou qualquer absolutismo arbitrário. Exprime sim os limites do poder do monarca à luz da doutrina tradicional. São visões diferentes do absolutismo e todas elas deturpadas pelas revoluções liberais. Jouvenel já o demonstrara ao referir que a monarquia absoluta estava nos antípodas do regime despótico, mesmo nessas monarquias acreditava-se que não era o rei mas a lei quem mandava (Jaime Balmes) e podia mesmo no século XX ironizar um pensador como K.von Leddihn ao afirmar que se Luís XIV visse o poder que o Congresso dos USA ou o Parlamento de França tem para aprovar leis morreria de inveja. No século XIX e XX aliás, ironicamente, os estados liberais (e os seus sucedâneos demo-liberais) seriam muito mais centralizadores (i.e., mais absolutistas) do que alguma vez fora o Estado do chamado "Antigo Regime".

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Por vezes críptico, outras vezes sagaz, “O Novo Príncipe”, do miguelista Gama e Castro, sintetiza todo o ardor político que entrincheirava hostes mortalmente inimigas. Obra marcada e maculada pelas circunstâncias é, também, um documento histórico que merece a atenção devida para compreender a gangrena da pátria no duro conflito e a necessidade de apresentar uma legitimação coerente ao pensamento da contra-revolução. Se não brilha pelo estilo, brilhará certamente pela audácia. Contemporâneo, aliás, de Tocqueville, e da publicação de “Da Democracia na América” (separados por escassos anos), não alcança a sublimidade do francês, mas arrisca maior intrepidez ao confrontar os delírios de um século refém da revolução. Na dianteira dos novos tempos, Gama e Castro e Tocqueville entrincheiram hostes. Um brilha na defesa do mundo antigo, o outro entusiasma-se pela descoberta de um mundo novo.

O fascínio do aristocrata francês pela democracia americana tem, em Gama e Castro, o seu mais eloquente opositor. Na monarquia católica Gama e Castro descobre a sobrevivência da nação, sem a qual a própria independência e soberania ficariam arruinadas. Tocqueville não tem uma opinião muito divergente. O problema é que vem fascinado com um mundo completamente antagónico ao espírito tradicional, principalmente para um aristocrata católico como ele. Contudo, é esse novo mundo que sente prevalecer, enfrentando um velho paradoxo político: como impedir que um regime degenere numa tirania? A resposta é a mesma: está na religião católica. Ambos denotam como esta se adapta a qualquer forma de governo.

Neste sentido, Gama e Castro postulava uma advertência para a sempre crescente tentação dos países católicos (principalmente Portugal) copiarem instituições estrangeiras, e que nada têm a ver com a sua cultura. Era isso que queria dizer quando afirmava “mas o unico bom para huma nação determinada he aquelle que resulta da historia, isto he, da experiência dessa nação”. A isto chama o autor de “política histórica”, uma boa recomendação para os homens do seu tempo, os tais reformistas impacientes e revolucionários determinados em construir uma sociedade nova (que já criticava Burke), aquilo que designa como o “problema do optimismo político”, definindo talvez as linhas cimeiras do que poderia ter sido um pensamento da “direita” portuguesa.

Sem dúvida podemos dizer que a verdadeira direita foram os miguelistas. A propensão que Gama e Castro sempre lembra para o catolicismo não é a democracia, como defendia Tocqueville, mas o governo absoluto. Mas é preciso esclarecer o conceito: "E nesta completa independencia de todas as autoridades do mundo consiste o motivo secreto por que o rei absoluto está muito mais habilitado para fazer a felicidade do povo do que aquelle que o não he." Um rei pela graça de Deus, defende, será sempre justo, porque realiza o bem-comum, e conclui que já não será assim naquele caso em "que he rei pela graça do povo". Evidentemente não tinha interesse o rei sagrado pelo povo, como sentirá sempre o seu poder periclitante e inseguro quando o mesmo povo que lhe deu o poder o pode também tirar.

Mártires da Pátria

por Daniel Santos Sousa, em 01.02.24

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"Mas o pior crime que a República cometeu foi o de abalar pelo esquecimento a fidelidade monárquica. E a Coroa não pode nem deve ser um sinal de divisão, ou uma sigla de partidos. Mas sim o cristal em que todos os portugueses possam encontrar a sua imagem. O cristal é frágil. E não sei até que ponto, quando se quebra pode readquirir o seu brilho e a sua transparência. Não irei àquela cerimónia fúnebre que todos os anos se repete na Praça do Município. E se fosse, iria de gravata preta, porque acto tão triste, ali, só pode ser para que não esqueça a memória de um rei e de um príncipe vilmente assassinados."

 

(Francisco Sousa Tavares, Outubro de 1991, crónica reunida no livro "Uma Voz na Revolução, testemunhos e causas de Francisco Sousa Tavares"). 

 

Recordar Couto Viana (1923-2010)

por Daniel Santos Sousa, em 25.01.24

 

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Ontem passaram 101 anos do nascimento de Couto Viana (1923-2010). Foi poeta de sensibilidade apurada, um erudito que jamais perdeu o lirismo e, acima de tudo, um patriota, como outro poeta injustamente esquecido, Rodrigo Emílio. Certamente estes poetas não preenchem o cânone do regime: monárquicos e nacionalistas, bardos do Portugal antigo, acabaram riscados do mapa. A injustiça vinga na terra que renega os seus filhos. Poetas à direita não faltaram, pese a contradição do mitológico predomínio intelectual das esquerdas. Se se pensar em António Sardinha, Alberto d'Oliveira, Guilherme de Faria, Afonso Lopes Vieira, Fernanda de Castro, Rodrigo Emílio, Couto Viana, existe uma cultura de direita remetida para o esquecimento. 

Na arte poética, Couto Viana foi singular e original. Sem necessidade de entrar em escolas ou clubes cultivou uma voz própria. Nos velhos tempos das tertúlias literárias, quando os cafés serviam de ponto de encontro à discussão intelectual, Couto Viana pôde cultivar amizades, mais tarde fundamentais na formação da revista "Távola Redonda", conjuntamente com David Mourão-Ferreira e Luiz de Macedo. Os trilhos da poesia sondam quase sempre os mesmos mistérios do amor, da morte, da perda, a originalidade está no desafio em alcançar o domínio da língua para fazer da palavra uma arte. 

Quando o neo-realismo ditava a regra estética, Couto Viana não abdica da originalidade, nem deixou de ser um espírito livre. Num meio intelectual dominado pela esquerda jamais se deixou seduzir pelos "amanhãs que cantam". Manteve-se firme enquanto via a pátria secular recolher-se ao rectângulo. Assim cantou essa mutilação de forma absoluta e comovente. Ao país apontou a forma que assumia, a de um caixão: "Agora, o meu país é pó, é cinza, é nada./ Reduziram-no assim para caber na mão/ Fechada." Afinal, como Maurras e António Sardinha, a poesia conduzia-o à política. Na esteira dos princípios, à "Politique d'abord" podia contrapôr (na feliz expressão de Rodrigo Emílio) a  "Poesie d'abord", sintetizando o compromisso com os valores perenes, as verdades vencidas (diria Alfredo Pimenta). 

Poeta trágico, com a imagem de Camões reflectiu sobre esse mesmo desígnio: "Nunca digas não mais, mesmo que a ferida/ te pareçs mortal./ Mesmo que a gente surda e endurecida/ Se chame Portugal". Se Bocage se compara ao poeta nos feitos e não no talento, Couto Viana assume o vate como halo para interpretar o destino final de Portugal. Não seria apenas Camões,  mas o próprio Couto Viana. Quanto também Jorge de Sena  sondara uma mesma decepção em "Camões dirige-se aos seus contemporâneos" (são discursos com singularidades próprias que identificam a mesma angústia face,  não apenas aos contemporâneos, como face aos conterrâneos, dos quais se auto-exilam). 

Assim, desencantado,  num poema final desafia o destino e a história "É preciso ficar aqui entre os destroços".  De pé sobre as ruínas, um último soldado, ou último combatente. Assim ficou, assim ficámos...

O último soldado da velha guarda

por Daniel Santos Sousa, em 24.01.24

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Passa mais um ano em que se assinala a morte de Sir Winston Churchill. Descendente doutro Churchill notório, Lord John Churchill, primeiro duque de Marlborough, herói das guerras contra Luís XIV. Procurou as referências na genealogia, embora nem sempre com o sucesso desejado, num percurso político sinuoso, mas no final glorificante. A biografia que escreveu do ilustre antepassado não escondia o paradoxo aliciante de encarnar a missão salvífica do reino. Churchill teve o momento ideal quando defrontou Hitler, apagando um curriculum de fracassos e eliminando as fragilidades políticas que outrora o dirimiram.

Foi em tudo um aristocrata: político, escritor, historiador, soldado. Pois, aos filhos da boa fortuna, para quem a sorte já nasce determinada, a posição mais não é do que a sujeição natural a um destino. Assim cumpriu o papel esperado, mas não garantido, porquanto nem sempre a sorte favorece os audazes, mas os esclarecidos.

Enquanto a Europa via ascender figuras sinistras vindas das sombras das sociedades, os pequenos tiranetes e os aspirantes a Césares, o Reino Unido ainda produzia um escol privilegiado. Era a hierarquia e o sangue quem determinavam o sucesso. Ao espírito meritocrático das classes-médias repugna o privilégio do nascimento, mas contrariando os corolários revolucionários foi também a preparação desde o berço quem determinou a sorte dos impérios. Seria dizer pouco: o mérito existe dentro da hierarquia que sabe também dinamizar-se. Sem ter sido arrasada pelas revoluções jacobinas e comunistas e não conhecendo a destruição das instituições de forma tão violenta, como aconteceu nos últimos duzentos anos no continente europeu, o Reino Unido criava anticorpos às ditaduras e totalitarismos reinantes.

Churchill pode ter tido falhas, mas pertencia àquela geração moldada no sentido da honra e do dever que é a divisa da aristocracia. A fidelidade ao trono nunca foi posta em causa, quando noutras paragens, por muito menos, generais ambiciosos e políticos sem escrúpulos se tornaram os algozes dos seus soberanos. Para a Europa seria quase um homem do Antigo Regime - o marco historiográfico que o reino de Inglaterra dispensa porque a continuidade é segura e milenar. Ali o "Antigo Regime" corrigiu-se e desenvolveu-se (usando a feliz expressão de Renan), criticamente empossando a burguesia comercial e a aristocracia do dinheiro, arrasando a presença do catolicismo, sacrificando irlandeses e escoceses (para quem a dita Revolução Gloriosa não foi assim tão gloriosa), desenvolvendo o capitalismo nefasto e comercialista... são as contrariedades do sistema crescido dos compromissos prováveis e das circunstâncias inauditas.

Churchill foi o produto desse mundo e talvez um último vestígio da "velha guarda", moldado no espírito vitoriano do culto do Império. Educado no sentido do dever, ensinado a desempenhar o alto desígnio do sangue e a expectativa de corresponder à exigência do status. Foi um homem do seu tempo, com todas as qualidades e defeitos que pudessem ser reunidas num espírito indomável.

A última cruzada

por Daniel Santos Sousa, em 19.01.24

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Passa mais um ano em que se assinala a efémera e idealista Monarquia do Norte, talvez o último e derradeiro impulso de mobilizar forças sob o estandarte dos Reis de Portugal, congraçando fileiras contra a República. Para uns um movimento trágico e romântico, para outros uma determinação de força, ou ainda uma profissão de fé, que atrás de si levantou povo e soldadesca contra aquele regime poluto e amargurado nas crises internas, desfasado do "país real", inimigo de todas as tradições.

Lembrando a máxima de C. Wright Mills, que "cada revolução tem a sua contra-revolução", assim decorreu com os exército de Kolchak, os "Brancos", contra os sovietes "Vermelhos", na Rússia; ou as guerras civis na Península Ibérica no século XIX, em nome da legitimidade e da tradição; ou os mártires dos campos da Vendeia e da Bretanha, contra os jacobinos de Paris, numa sinecura de tragédias que não deixaram de antever a característica insofismável da revolução, a grande "hidra", verdadeira gangrena das pátrias.

O movimento não deixou de encontrar paradoxos no que parecia uma vingança da própria história. Ali conciliava monárquicos constitucionais e miguelistas, agora irmanados contra um mesmo inimigo. Aliás, constatação assinalada pela pena de Francisco Menezes de Villas-Boas quando descreve que "eram eles agora, as feras acossadas d’aquelas montarias sangrentas, em que haviam actuado como batedores, aquando da retirada do exército de D. Miguel".

Mas mais do que uma "Monarquia do Norte", Couceiro apelava à "Monarquia Nova": a restauração de Portugal não se bastaria com a mera reposição da Carta ou o retorno ao velho caciquismo. Era a Monarquia na sua organicidade pura, inspirada pelos valores católicos, que conjugasse o melhor da tradição e restaurasse a Realeza nos seus princípios. Ali não era a força bélica, apenas, mas a força de uma doutrina.

Comprometido, no final, pela traição e pelo abandono, permaneceu inerme mas irredutível. Amargurando pela distância física e espiritual do rei, grandemente pela ambiguidade e incerteza na atitude de D.Manuel II, que um jornalista republicano, Pinheiro Chagas, também notara quando escreveu que Portugal é um país de paradoxos "tem um rei republicano no exílio e um Presidente monárquico no poder" (referindo-se ao então Presidente de República, o Almirante Canto e Castro, desventuroso nas alianças e inesperado na ocupação do cargo de representante máximo da República quando servira outrora a monarquia).

Dos textos deixados por Paiva Couceiro podemos ter uma súmula do seu ideário, que vertem o argumento loquaz do homem de combate. Desde "A Democracia Nacional (1917)", à "Carta Aberta aos meus Amigos e Companheiros (1924)", procurando alertar a saciedade face à maleita republicana, não deixando de sublinhar que a "Pátria, que a Monarchia fizera, ia a Republica desfaze-la". Sublimemente sintetizou a crise, porquanto alegava que a república mais não era do que a consequência (diria, lógica) da evolução do "constitucionalismo e do liberalismo revolucionário".

Saberia certamente, como militar, que não bastavam as palavras, era necessária a acção; ao mesmo tempo reconhecia, como homem de pensamento, que tão pouco a solução residiria na violência, aliás licença à anarquia e à desordem. Conciliava afinal o carácter dos príncipes e a coragem dos guerreiros.

Em toda a sua vida soube bater-se pelas verdades eternas que fizeram Portugal: Deus, Pátria e Rei.

Reflexão para tempos eleitorais

por Daniel Santos Sousa, em 16.01.24

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Madariaga e Kuehnelt-Leddihn lembraram que a nossa civilização repousa sobre a morte de dois homens: um filósofo e o filho de Deus, ambos vítimas da vontade popular. A morte de Sócrates às mãos da democracia ateniense e a morte de Cristo decidida pela maioria. Não é por acaso que a 'anakyklosis' de Polibio inspirada em Platão demonstre como a democracia pode degenerar na demagogia. Do mesmo modo que a monarquia degenera na tirania e a aristocracia na oligarquia. Como um espectro a decadência assombra os regimes, nunca perdoando aos homens o "orgulho da razão" que deificada eritis sicut Dei despreza a sublimidade e a virtude.

A questão da decadência foi analisada por Platão porque "se, porém, for semeada, ganhar raízes e crescer um terreno não propício, o resultado será precisamente o contrário (não virtuoso), a menos que algum deus venha em seu socorro“". Heidegger concluiria na linha de Hoelderlin, sentenciando a era que aboliu toda a transcendência e abandonou o homem à modorra da sua liberdade, o "obscurecimento do mundo" deixou "o exílio dos deuses, a destruição da terra, a gregarização do homem, a preponderância da mediocridade”.

Podemos preservar a alta cultura?

por Daniel Santos Sousa, em 04.01.24

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O livro "A Cultura Moderna" (título original "Modern Culture") de Sir Roger Scruton foi publicado pelas Edições 70 em 2020. Li e comentei o livro na altura e agora reproduzo aqui a mesma análise uma vez que o livro traduz ideias sempre actuais.

O livro "A Cultura Moderna" não constituiu uma surpresa nas premissas fundamentais do pensamento do autor que já conhecia de outros escritos. Mas é sempre refrescante revisitar os caminhos que forjaram a identidade ocidental e a ruptura que o iluminismo proporcionou na diluição dos fundamentos que suportavam as autoridades tradicionais como conditio sine qua non à redefinição dos elementos constitutivos da "alta cultura".

A crítica ao racionalismo moderno-iluminista não acresce muito mais ao que os autores do século XIX propuseram na ruptura com essa mesma alienação, nem o que já foi repassado pelos profetas do "declínio do ocidente", mas com Scruton a leitura renova-se e transborda luminescente.

Distinguir a cultura popular da alta cultura pareceria um exercício natural que se perdeu na vulgarização "pop". As afinidades naturais e as lealdades tradicionais foram sendo demolidas na inevitabilidade de entregar o homem ao peso da sua própria liberdade. O iluminismo foi inconsequente e a modernidade bebeu o seu cálice venéreo como corolário a toda a concretização intelectual. O primeiro modernismo, com Eliot e Pound, e, antes deles, Baudelaire, tentaram reverter o declínio. Eliot, em particular, entrou numa busca espiritual que o reconduziu ao trilho perdido pelos modernos. O modernismo procurou ser inicialmente uma busca pelos fundamentos espirituais e tradicionais, porque nenhuma cultura é uma soma abstracta e individualista, mas a concretização de uma civilização que no seu âmago transporta a experiência dos séculos. Nada é novo debaixo do sol e apenas podemos inovar assumindo-nos como herdeiros de uma tradição. O primeiro modernismo procurou recuperar a essência que as gerações seguintes perderam. Na senda dos novos tempos as revoluções sociais germinaram na devastação dos últimos recursos de que dispunha a cultura para beber da tradição o seu mistério mais profundo. O que restou para a pós-modernidade foi a cinza do que julgámos outrora como verdade.

Os elementos que concretizavam a alta cultura foram-se desgastando e o entendimento que tínhamos da arte desvaneceu-se com ela, porque sustentavam-se em certezas perdidas. Se a religião foi o sustentáculo dos antepassados, não o seria mais do homem contemporâneo desenraizado de qualquer tradição. A cultura massificou-se, na glorificação da banalidade. Entretecida nessa superficialidade gravita em torno do seu próprio eixo, como uma roda circundando um grande nada. Move-se sem outro sentido que não o de girar perpetuamente em torno de si mesma, sem conseguir alcançar um significado à sua gravidade. A baixa cultura generaliza-se e corrompe-se a ela mesma. O percurso que assinala o declínio da alta cultura foi sinuoso e separa momentos históricos de rebelião que se pretendem sempre superar ineliminavelmente na esfera da sua própria concretização.

Os pós-modernismos e o tribalismo que os novos "intelectuais" pretendem impor na desconstrução da identidade ocidental é uma nova barbárie que só a dedicação ao estudo da cultura clássica, das grandes obras, tal como o pensamento crítico dessas mesmas obras, e não o obscurecimento, a censura e a autoflagelação, podem salvar face à imposição do "politicamente correcto".

O que será a alta cultura hoje e como a podemos reconhecer e mais: como a podemos salvar e preservar da nova barbárie?

Carlos Magno, o Pai da Europa

por Daniel Santos Sousa, em 25.12.23

 

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25 de Dezembro Carlos Magno é coroado Imperador. Neste quadro de Durer o imperador Carolingio aparece na orla da velhice, o traço sintetiza o carácter determinado do guerreiro movido pela fé (inabalável e indestrutível). O olhar visionário e vigilante, seguro como um Himalaia, recupera muito do sentido providencial que encarnou.

A coroa é encimada pela cruz, lembrança do Redentor e também redenção dos povos da cristandade. O Pai da Europa que, na senda da mais alta fé, encontrou a unidade onde outrora existiu o caos. O Corpo Místico de Cristo erigiu-se ainda mais alto, afinal, alma profunda que o homem, até à catástrofe revolucionária, não deixou de entender.

Neste tempo de declínio, quando a Europa novamente precisa reencontrar, ou reinventar, o seu caminho no mundo, lembremos Carlos Magno, "quintessência do espírito da Igreja dada ao laicato", como lembrou Plinio Correia de Oliveira, na interpretação concomitante com a providencialidade daquele magnânimo imperador.

Mesmo mais de 1200 anos depois da sua morte o seu espirito continuará a ser a luz determinante no nosso caminho enquanto civilização.

Imaculada Conceição, Padroeira e Rainha de Portugal,

por Daniel Santos Sousa, em 08.12.23

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Nas cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646 declarou o rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe em seu nome, e dos seus sucessores, o tributo anual de cinquenta cruzados de ouro. D. João IV assumiu ainda coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal. Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus.

“Seja assi, Senhora, seja assi; e eu vos prometo, em nome de todo este Reyno, que elle agradecido levante um tropheo a Vossa Immaculada Conceição, que vencendo os seculos, seja eterno monumento da Restauração de Portugal, Fiat, fiat." (Frei João de S. Bernardino, 8 de Dezembro de 1640)

Imagem: Alegoria da aclamação de Nossa Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal (Museu de Arte do Rio)

Memória do Kaiser Franz Joseph

por Daniel Santos Sousa, em 21.11.23

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Uma memória do Kaiser Franz Joseph, contada por Kuehnelt-Leddihn, no seu livro "Liberty or Equality".

No dia em que o Presidente dos USA, Theodore Roosevelt, visitou Viena e foi recebido pelo Kaiser, a determinado momento pergunta qual o papel do monarca nos dias de hoje, ao que o austero e majestático imperador respondeu: "Proteger o meu povo dos seus governos."

Hoje passam 107 desde o seu desaparecimento, daquele que se intitulou o "último monarca da velha guarda".

Recordar Otto von Habsburg

por Daniel Santos Sousa, em 20.11.23

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20 de Novembro de 1912 nasce o último príncipe herdeiro do Império Austro-húngaro, Otto von Habsburg. Exilado, mas nunca esquecido do povo, afastado do trono, mas nunca desistindo da luta. O arquiduque da Áustria foi sempre respeitado e admirado, até pelos mais críticos. Foi o "Príncipe-cidadão", pela postura cívica colocada ao serviço do bem comum, mas também um verdadeiro príncipe da renascença", cujo espírito aristocrático foi sempre maior do que que as comendas e títulos herdados. Sobretudo, um patriota que nunca deixou de ser europeu (no sentido antigo e cultural).

Tonou-se um símbolo e uma referência, não apenas pela monarquia, mas pela liberdade, pela civilização, pela identidade e história europeia, pela fé e pela cultura. O longo exilio não impediu o arquiduque de continuar a lutar pelos valores primordiais da civilização europeia, sentido que configurou na construção de uma Europa unida, nos antípodas do que se veio a tornar a dita União.

Foi talvez o último elo de ligação à velha Europa e ao esplendor de um mundo desaparecido, aliás como anos mais tarde recordou:

"A minha avó materna tinha educado a minha mãe e os irmãos e irmãs segundo métodos quase espartanos, e essa tradição manteve-se em nossa casa. As recordações que me foram transmitidas não eram de brincadeiras nos palácios nem de festas brilhantes para jovens ociosos (...) a minha mãe e a minha avó do que falavam era de trabalho, trabalho e mais trabalho. Os estudos eram muito severos e, além disso, as crianças da família real tinham de coser, remendar e arranjar a sua própria roupa, incluindo as meias, e fazer o mesmo à das pessoas idosas ou doentes da aldeia onde viviam. (...)".  (Otto von Habsburg, "Mémoires d'Europe, Entretiens avec Jean-Paul Picaper", 1994.)

 

Metternich e a ordem europeia

por Daniel Santos Sousa, em 29.10.23

 

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Metternich é ainda fruto de discussão, Pieter Viereck já o tinha como modelo nos idos anos 60, constatando a máxima cunhada pelo ministro de "socialiste conservateur" (assim escreveu em carta a Guizot) como consentâneo dos paradoxos do poder que procurava a harmonia social e o cosmopolitismo aristocrático dentro de uma estrutura monárquica e tradicional, que mantivesse a ordem e impedisse o nacionalismo revolucionário das classes-médias.

Se criticou os revolucionários franceses, também atacou os adversários a que designou de "jacobinos brancos". Entre convulsões revolucionárias e contra-revoluções, procurou um equilíbrio europeu sustentado na ordem e na tradição, mas é muito mais do que o arquétipo do reaccionarismo. No fundo, era o pragmatismo Burkeano e a realpolitik mais tarde cunhada por Bismarck.

Nem tão pouco encontra paradeiro na actual União Europeia, mais descendente de Napoleão do que do Sacro Império ou da Confederação do Reno que Metternich via como "ordens federais defensivas", no valor às particularidades e idiossincrasias do continente e sobretudo às naturezas singulares dos regimes constitucionais, nos antípodas do que se tornou a Europa nos últimos cem anos. Uma figura incontornável para quem quer estudar diplomacia.

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O último Imperador austro-húngaro permanece enquanto símbolo remanescente da ordem tradicional na Europa, aquela ainda resistente à revolução francesa e sucumbida com a grande guerra, "o suicídio da Europa civilizada", como lapidarmente referira o Santo Padre Bento XV, apóstolo da paz, a quem o Imperador Carlos dedicava especial atenção. Como rei católico servia lealmente o juramento e sentia o pesado peso da coroa de Santo Estêvão como missão apostólica para com o império ameaçado. A monarquia é um dever sagrado destinado a prover a salvaguarda do povo. Essa vocação podia ser comprovada nas atitudes para com os mais humildes, no amor ao próximo e no sacrifício para com os desfavorecidos, a missão de Cristo era no Imperador o corolário de todas as virtudes. Aliás era casado com a Princesa Zita de Bourbon, neta do nosso rei D.Miguel por via materna (a mãe era a Infanta D. Maria Antónia de Bragança).

Na dianteira dos acontecimentos, tudo fez para impedir que a grande hecatombe se prologasse, chegando a desenvolver conversações com o rei dos belgas (Alberto I) para alcançar uma proposta de paz com os aliados. Sabia que a salvaguarda da civilização europeia dependia da resistência do império, o delicado equilíbrio criado por Matternich aquando do Congresso de Viena e mantida por Bismarck, estava prestes a desabar, levando consigo a Áustria-Hungria e fazendo sucumbir os velhos tronos.

Dentro do seu pragmatismo concebia uma confederação de estados para acalmar os ânimos nacionalistas entre os povos do império. A visão do imperador Carlos era motivada pelas doutrinas sociais da Igreja. Influenciado por Leão XIII foi um monarca reformista que no império criou o primeiro ministério para assuntos sociais. Ardoroso pacifista e reconciliado aos prisioneiros políticos deu-lhes amnistia. O mesmo confessou: «Todo o meu empenho é sempre, em todas as coisas, conhecer o mais claramente possível e seguir a vontade de Deus, e isto da forma perfeita».

Não apenas devoto ao povo, mas também à família, inculcando nos filhos o mesmo sentido de responsabilidade, enfatizando neles a formação cristã e o amor ao próximo. Fundamentos tão necessários para reflectir, num tempo dominado pelo materialismo liberal, pela decadência na moral, pela dissolução dos vínculos antigos e na ameaça à antiga instituição da família.

O resultado final, logo com o desfecho da guerra, foi o afastamento do imperador. Acabou exilado. Da Suíça, partiu para Espanha e depois acabou em Portugal, na Madeira. Mas nunca desanimado, ao monarca bem podia aplicar as belas palavras do Salmo “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará”, enquadrando tão bem o espírito coerente e integro daquele devoto, nada lhe faltou, mesmo nas alturas de maior miséria, mesmo nos momentos mais tenebrosos. Tal como o Apóstolo das Gentes, depois de uma vida grandiosa de luta e entusiasmo, bem poderia proferir: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição.”


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