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Um país que detesta a independência, a autonomia e a liberdade

por henrique pereira dos santos, em 26.10.24

"Entre 2022 e 2023, a Florestgal teve um apoio de cerca de 2,5 milhões de euros do Fundo Ambiental para comprar vários terrenos, com interesse de conservação, num total de quase 1.200 hectares na Serra de São Mamede, Tejo Internacional, Serra da Arada e Serra da Estrela".

A Florestgal é uma empresa do Estado, actualmente presidida por José Gaspar (que conheço e com quem tive sempre contactos cordiais e larga convergência de pontos de vista sobre gestão florestal) e compreendo-o, na perspectiva da empresa.

O que me interessa não é a defesa que a Florestgal faz de si própria, o que me interessa é a opção do Fundo Ambiental financiar empresas do Estado para aquisição de terrenos para conservação da natureza, tanto quanto sei, de forma directa e não em processos abertos que permitissem que organizações não estatais acedessem a estes fundos.

Há muitos anos defendo que o Estado se deve financiar através do Orçamento de Estado e que os fundos autónomos, como o Fundo Ambiental, deviam estar legalmente impedidos de financiar entidades em que o Estado tenha uma presença superior a 25% do capital.

Claro que é uma causa perdida (passo a vida a defender causas perdidas) porque em Portugal é esmagadora a ideia de que todos os problemas colectivos se resolvem melhor através da intervenção do Estado que através da livre iniciativa de pessoas livres, enquadradas pela actuação reguladora e supletiva do Estado.

Acha-se normal que o Estado, em vez de abrir concursos para escolher as melhores oportunidades para a compra de terrenos para dedicar à conservação da natureza, que permitisse que a Fundação Terra Agora, o Rewilding Portugal, a ATN, a Montis, etc., etc., comprassem mais terrenos e se responsabilizassem pela sua gestão, determinando à Florestgal que se dedique a resolver problemas de gestão de terrenos que ninguém quer gerir,  prefere usar os fundos autónomos de que dispõe para se financiar.

Não se pense que esta é apenas uma opção do Estado, muito recentemente uma empresa pediu-me uma coisa qualquer, que eu faria por gosto e por entender estar dentro do que acho serem os meus deveres de participação cívica, e informou-me que tinha 250 euros para pagar o meu trabalho.

O que ganho vai dando para o gasto, 250 euros são na verdade muito menos à conta dos impostos, eu não tenho actividade privada, enfim, fossem quais fossem as minhas razões pessoais, não tinha grande interesse em ter o trabalho, incluindo implicações fiscais, que me dava receber esse dinheiro.

Mas gostei da atitude de me pagarem um tipo de trabalho que frequentemente me pedem de borla e lembrei-me de sugerir que pegassem no dinheiro e fizessem uma doação, ao abrigo da lei do mecenato, para o fundo de aquisição de terrenos da Montis.

A empresa (uma grande empresa de comunicação social, não era uma empresa de vão de escada) não foi capaz de integrar o pedido no seu processo de decisão, disseram-me que não era possível (como se alguma empresa estivesse impedida de fazer mecenato), mesmo que o resultado final fosse mais favorável para empresa que não só entregava um valor líquido maior pelo trabalho, como tinha um tratamento fiscal mais favorável por causa da lei do mecenato.

O único a perder era o Estado (que se preparava para ficar com uma fatia muito relevante do pagamento pelo meu trabalho), ganhando eu (que ficava satisfeito por aumentar o dinheiro disponível para a Montis comprar terrenos), ganhando a Montis (que ficava com mais recursos para comprar terrenos), ganhava a sociedade (que aumentava a área de terrenos geridos com objectivos de conservação) e ganhava a empresa do ponto de vista fiscal, mas a vontade de fortalecer a sociedade à custa de uma relação mais criativa com a máquina fiscal, aparentemente, não é nenhuma, na empresa em causa.

Se dúvidas houvesse, a facilidade com nestes dias, a propósito de umas declarações de gente do Chega, se tem confundido alarvidade com ilegalidade, demonstra bem a falta de apreço pela liberdade que a sociedade portuguesa tem, mesmo que alguns, raros, vão continuando a explicar a coisa de forma clara e racional.


2 comentários

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De passante a 26.10.2024 às 13:59

a falta de apreço pela liberdade que a sociedade portuguesa tem


Será racional, ou pelo menos justificada históricamente?


(Não é uma opinião, só uma dúvida.)
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De Anónimo a 29.10.2024 às 12:08


Aceito os argumentos do Henrique mas contraponho os seguintes:
(1) Na generalidade dos países europeus, e mais ainda no Japão, e também em muitos estados dos EUA, a maior parte das florestas e, mais especificamente, dos terrenos dedicados à conservação da Natureza são estatais. Portugal, em que 97% dos terrenos florestais são privados, é uma exceção. Não me parece mal que, neste caso como noutros, Portugal evolua no sentido da quase totalidade dos países mais civilizados.

(2) É difícil garantir a continuidade das organizações não-governamentais de ambiente. Quem nos garante que daqui a 20 anos a Montis (por exemplo) ainda existirá e ainda terá gente (e dinheiro) capaz de garantir a conservação da Natureza nos terrenos que atualmente lhe pertencem? Esses terrenos precisarão de continuar a ser conservados, porém talvez o seu proprietário nesse tempo futuro já não seja capaz de o fazer. Não será melhor então que eles pertençam a uma entidade "eterna" como o Estado?

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