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Uma crise que respeita a normalidade democrática

por Jose Miguel Roque Martins, em 20.11.23

As últimas semanas foram animadas, mais um caso, mais suspeitos de prevaricação, a queda do governo, eleições antecipadas, uma grande complicação. Num país democrático da Europa, seria uma grave crise, uma interrupção do normal funcionamento das instituições. Em Portugal é apenas o normal funcionamento das instituições.

Comecemos pelo princípio. À 13º ou 14º (estou um pouco perdido) suspeita pela Procuradoria de ilegalidades cometidas por membros de um governo com menos de dois anos, o primeiro-ministro demite-se. A indiciação de altos dignitários do Estado em Portugal poderá ser lamentável, mas não pode ser considerada uma anormalidade. As suspeitas de ilícitos que recaem sobre membros do Governo é banal, regular, acontece com frequência, até são regulares, portanto são normais.

A anormalidade das consequências, a demissão, imposta por António Costa, essa sim, pode ser considerada anormal: retirar consequências políticas em Portugal nunca foi o nosso forte. O que seria normal num País democrático consolidado é, entre nós, estranho, assustador, anormal, perturbador. O país não está preparado para essa anomalia, mas reage com nossa normalidade estatística idiossincrática: com equívocos, erros, falta de transparência e clareza.

O Presidente da república aceita a demissão do primeiro-ministro, com elogios ao primeiro-ministro demissionário, dignos da sua cerimónia fúnebre, mas só a irá promulgar em tempo “oportuno”, obrigando a um longo período de transição em que nada muda. Noutras latitudes, seria normal aceitar que alguém que se demite para salvaguardar as instituições de ter um suspeito da prática de crimes no poder, abandone as suas funções de imediato. Em Portugal não. Não somos dados a reacções e soluções rápidas e, convenhamos, até pareceria mal dar um sinal inequívoco de que a solidariedade institucional se sobrepunha à solidariedade pessoal. Tirar as consequências seria uma intolerável admissão de que alguém que se comporta dignamente e se demite, não mereça uma prova de confiança pessoal clara. O contrário seria uma ofensa aos nossos costumes.

Agitam-se os Portugueses em ataques e defesa do Ministério Publico. Golpe de Estado? Normal funcionamento do terceiro pilar do Estado? Qualquer que seja a verdade, infelizmente a realidade não muda: o normal funcionamento da PGR não pode oferece qualquer confiança a nenhum Português. Erram e acertam com aparente aleatoriedade. Passam da inacção para a exorbitação sem critérios claros. Ao abrigo da sua independência e deveres não parece terem o cuidado devido com as consequências das suas acções sobre inocentes. O Segredo de Justiça não é respeitado mas também não somos informados de tudo. Ficamos no pior dos mundos: informação seleccionada, anónima, incerta, incompleta, duvidosa, caluniosa e que nada permitem concluir com clareza.Mais uma vez somos bombardeados com almoços, prisão de um autarca que pede contrapartidas para o seu município e erros no processo.Tudo normal. 

A minha falta de consideração habitual pelo ministério publico, não me impede de considerar ter agido bem neste caso relativamente ao primeiro-ministro: ninguém oferece 0,5% de uma empresa que alegadamente vai investir 3,5 mil milhões a troco de legalidades. Uns largos milhões já são algo de verdadeiramente suspeito. E o primeiro-ministro, no mínimo, é culpado de publicitar quem é o seu melhor amigo. António Costa poderá ser ingénuo ao ponto de nada ter percebido dos seus tempos de governo com Sócrates e não perceber que anunciar o seu melhor amigo pode ser interpretado como o anúncio do seu contacto privilegiado para “negócios”.  O Ministério Publico tem a obrigação de não ser extremamente ingénuo. 

Existe ainda outro importante órgão de soberania, o parlamento que não está, como devia, apesar da sua dissolução iminente, no olho do furação. Também eu entendo que qualquer governo se deva empenhar (embora nos limites da lei) para atrair um investimento importante para Portugal. É triste que, tal como confirmado pelo Primeiro-ministro, dado o emaranhado burocrático legal e desarticulado produzido pela Assembleia, seja impossível consegui-lo sem o empenho de meia dúzia de ministros e de secretários de Estado. O corolário lógico é que, quem não possa contar com um anormal empenho do governo, tem mesmo muita dificuldade de fazer o que quer que seja. É esta, aliás, uma das razões do nosso atraso com os países que nos gostaríamos de comparar. É trágico, mas infelizmente, mais uma vez, é normal. 

Resumindo, podemos estar a viver tempos conturbados, mas, infelizmente, nada têm de anormal num Portugal em que os três órgãos de soberania, o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial normalmente, com o rigor de um relógio suíço, funcionam mal.

O presidente da república, responsável pelo normal e regular funcionamento das instituições, naturalmente, afina pelo mesmo diapasão.


8 comentários

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De balio a 20.11.2023 às 11:10


retirar consequências políticas em Portugal nunca foi o nosso forte


"políticas" é o que se chama a consequências que não fazem qualquer sentido lógico.
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De balio a 20.11.2023 às 11:14


O que seria normal num País democrático consolidado


Nada disto é normal num país democrático consolidado. Num tal país
(1) O Ministério Público encontra-se sob a dependência do Ministério da Justiça, não age independentemente das ordens deste.
(2) O Ministério Público não pode levantar suspeitas sobre o primeiro-ministro enquanto este estiver em funções. O primeiro-ministro, tal como os deputados, goza de imunidade.
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De balio a 20.11.2023 às 11:20


A minha falta de consideração habitual pelo ministério publico, não me impede de considerar ter agido bem neste caso relativamente ao primeiro-ministro



Não. Agiu pessimamente.


O Ministério Público não tem nada que dar conhecimento público, através de comunicados de imprensa ou seja de que outra forma fôr, de que vai investigar seja quem fôr. Investiga e, quando dispuser de provas sólidas (o que manifestamente neste momento não é o caso), acusa. Só nessa altura, a da acusação judicial, é que o Ministério Público deve abrir o jogo. Até lá, deve manter-se calado.
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De urinator a 20.11.2023 às 11:50

para a escumalha socialista não somos as vítimas da sua incapacidade crónica.
a miséria tem sido varrida para debaixo das carpetes ministeriais.
as ratazanas são as proprietárias das ratoeiras.
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De Anónimo a 20.11.2023 às 11:53

Como dizia um ex-chefe, nada funciona, e ninguém sabe porquê. Eis Portugal.
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De O apartidário a 20.11.2023 às 13:42

"Num país democrático da Europa, seria uma grave crise, uma interrupção do normal funcionamento das instituições. Em Portugal é apenas o normal funcionamento das instituições.' --------------- Completamente. 
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De Anónimo a 20.11.2023 às 15:39

Não é normal arguidos e buscas e detenções por causa de corrupção, e passada uma semana temos "prevaricação". Já julgamento, espero que os meus netos possam acompanhá-lo.
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De Cá não há bar a 20.11.2023 às 17:15

Calma que até ao natal via haver recurso à decisão do juiz Costa. 

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