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Uma boa história

por João Távora, em 25.08.24

opiniões.jpg

Na minha opinião há opiniões a mais. Toda a gente sabe como a sacrossanta “opinião pessoal”, um direito há muito democratizado, por estes dias saiu dos salões, cafés e barbearias, para se banalizar nas redes sociais como arma de arremesso ou troféu de originalidade. O problema é quando é usada como uma bomba capaz de silenciar o mais salutar convívio, azedar relações familiares ou laborais, ou bloquear promissoras amizades virtuais. Já falei deste assunto aqui há tempos, tendo então defendido que o fenómeno actualmente exige cuidados redobrados: definitivamente uma contundente opinião expelida à mesa dum jantar de família ou entre colegas de trabalho não funciona como no Twitter, onde só por grande coincidência se encontrará algum dos seus fiéis e entusiásticos seguidores.

Se cada pessoa lesse um livro antes de emitir uma opinião ainda se aceitava. Mas não. O fenómeno é tanto mais fracturante quanto um autêntico catálogo de aprimoradas e perigosas opiniões, sobre tudo e sobre nada e com as mais inéditas matizes, é-nos generosamente disponibilizado em abundância pelos mais credíveis especialistas, políticos ou jornalistas, todos os dias e a todas as horas nos jornais, rádios e televisões – uma oferta que excede em muito a procura. Democraticamente, hoje, todos podemos chegar ao café com uma ou mais opiniões emprestadas e fazer um brilharete. De realçar que, se todos temos direito a expressar a nossa opinião, a tolerância ainda não é um dever de cidadania, que isto das opiniões, há cada uma…

Tudo isto para dizer, que nos encontros de amigos, familiares e colegas, não fazem falta opiniões, mas antes boas histórias. O que promove e prolonga uma boa conversa são boas histórias, bons contadores de histórias. Uma boa história, ao contrário duma opinião, convida, promove, bons ouvintes, algo essencial num bom convívio. Uma mesa ou um salão civilizado requer igual quantidade de bons ouvintes quanto de bons contadores de histórias. Uma boa história gera curiosidade e interesse por parte dos convivas. E numa boa história estão sempre implícitas opiniões, uma determinada estética, uma concepção do mundo, da existência que exprimida desta forma não causará grandes antipatias.

Todos temos o direito de rejeitar uma opinião: por total desacordo de princípios, por simples impaciência ou embirração com o interlocutor. Repitam todos comigo, por favor: só se devem dar opiniões a quem as pede – já dizia a sabedoria popular. Quem me vem ler aqui sabe ao que vem, é porque quer, e gabo-lhe a paciência por isso. Mas não restem dúvidas de que escutar uma boa história, uma peripécia, testemunhada ou experimentada, é o melhor que levamos duma confraternização num jantar de férias em Agosto. A boa conversa, uma arte preciosa que é necessário cultivar, é tão ou mais marcante que um sofisticado vinho ou as deliciosas iguarias que nos juntam a uma mesa.

Esta crónica é uma homenagem aos bons contadores de histórias, bons conversadores com quem tive a sorte de me cruzar. Boa gente cada vez mais rara, que no lugar de opiniões, partilha memórias e experiências fantásticas, simplesmente cativantes, ou somente bem contadas, amigos que temos de acarinhar para que não desapareçam de vez, oprimidos pela voragem das opiniões pessoais vertidas por temerários prosélitos. A esses, peço só que me contem boas histórias e guardem as suas opiniões.

Publicado originalmente aqui


4 comentários

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De IMPRONUNCIÁVEL a 25.08.2024 às 12:19

Talvez a melhor ‘conversa’ dessas (“uma boa história”) seja a impronunciável. Aquela que não usa palavras, nem signos, nem écrans, nem quaisquer outros ‘media’.

Se o estar-com-os-congéneres é o objectivo principal, então, ser a pretexto de histórias ou de qualquer outra coisa qualquer poderá ser indiferente.

Antes dos écrans, a palavra também sofreu uma alteração no seu estatuto de meio de comunicação quando apareceu a ‘escrita’ (há mais de 3500 anos).

Na memória, fui até às experiências vivenciadas antes do aparecimento dos écrans em Portugal, para me tentar lembrar de como a palavra era usada, ensinada e disciplinada nesse tempo.

O que acontecerá à palavra (e às ‘histórias’) num tempo ‘post-screen’ (como alguns actualmente designam o tempo que há-de vir após a mediação dos écrans?

Dizem que a comunicação se fará ainda a uma maior distância e ausência da presença física dos corpos humanos, através das propriedades quânticas da intrincação e sobreposição, sem necessidade de letras, signos, palavras, imagens nem vídeos.

Se assim for, o que acontecerá às ‘histórias’ usadas para estarmos uns com os outros, e a nós-próprios?

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De Silva a 25.08.2024 às 19:37

As opiniões são um bom ponto de partida para tirar algumas conclusões sobre as pessoas que emitem essas opiniões. Se são pessoas que têm opiniões fundamentadas ou não, se as pessoas são manipuladoras ou não, se essas pessoas têm uma vasta cultura geral, se são "instruídas" e se essas pessoas sabem raciocinar. A partir daí fica-se a saber se devemos ou não dar importância a essas pessoas e ao que eles dizem, se devemos ou não combater essas pessoas.
Por exemplo, pseudo-jornalistas a emitir opiniões, é muito útil, não para saber a verdade dos factos mas para saber para que caminho vai a narrativa contada. Para saber a verdade dos factos é preciso ir procurar muito além do que o normal telespectador faz, mas se a pessoa fizer isso e se tiver a sorte de rapidamente souber da verdade dos factos e não entrar em "estado de choque" duradouro, senão mesmo permanente, pois a verdade factual é muito diferente da narrativa contada, essa pessoa consegue livrar-se do estatuto de idiota e consegue manter lucidez suficiente para entender a realidade.
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De Anonimus a 25.08.2024 às 22:51

Opinião sim, doutrinação não. 
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De Francisco Almeida a 26.08.2024 às 11:15

Motivado pelo postal, vou então contar uma história da primeira metade dos anos sessenta (os nomes são reais mas, com uma possível excepção de que omito o apelido, todos já falecidos).
       Ao fim da tarde, deslocava-me  ao Nicola, onde reunia uma comunidade que, em Lisboa, se interessava por genealogia: o Manuel Rosado que – mais pelas qualidades pessoais do que pelas credenciais de investigador – tinha um lugar proeminente, o Carvão Guimarães, o João Gavicho, o Sacadura Falcão, o Bivar Guerra e alguns outros, menos assíduos. De Sintra, o tio João ainda aparecia ocasionalmente.
Novo parêntesis, agora para recordar que, em mesa próxima, reunia uma outra tertúlia, esta de oficiais reformados. O sentimento era de desprezo mútuo e crismaram-se respectivamente de “Escola Prática de Cavalaria” e “Colégio dos Nobres” o que caiu no goto dos empregados mais antigos que, quando inquiridos por algum cliente mais curioso, não se coibiam de assim identificar os respectivos grupos.
Escusado seria dizer que, no colégio dos nobres, eu era o fidalgo aprendiz, situação que mantive por dois anos ou talvez mais, considerando que, embora afastado por motivo de serviço militar, o esperançoso cargo apenas viria a ser preenchido pelo Jorge (...), depois distinto arquitecto e investigador.
P.S.- Nesse já remoto tempo, Lisboa tinha três ícones de cultura, hoje já adulterados na qualidade original: o pastel de nata da Central da Baixa, o duchesse da Suiça e o éclair de café do Nicola.

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