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O título deste post é a resposta a uma pergunta que me interessa, embora, aparentemente, interesse a muito pouca gente: quantas ignições são precisas para que exista um fogo como o que durou uma semana na Serra Amarela (também conhecido por fogo de Ponte da Barca ou fogo em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês).
Por que razão essa pergunta me interessa, quando a resposta é tão óbvia (mesmo descontando o facto do óbvio ser uma coisa muito subjectiva)?
Porque essa ignição é igualzinha às milhares que ocorrem todos os dias (sim, as ignições que ocorrem todos os dias são aos milhares, as que são registadas no sistema de gestão do fogo são apenas a pequena fracção que encontra condições de progressão do fogo suficientes para que cresçam ao ponto de ser registadas no sistema) sem que dêem origem a qualquer fogacho suficientemente grande para ser detectado e registado no sistema, e igual às dezenas que dão origem aos registos do sistema, mas sem que queimem mais de 100 metros quadrados.
Daí que a ideia de reduzir as ignições até ao ponto de não terem um efeito de dispersão de meios ou, mais amalucado ainda, ao ponto de não darem origem a fogos, seja uma ideia tão irrealista como contratar um exército de unicórneos com superpoderes para resolver os problemas de gestão do fogo.

Várias pessoas, e percebe-se porquê, mandaram-me este boneco acima, a generalidade das pessoas a rir-se da situação, todas a condenar a falta de noção dos organizadores das festas de Marinhais.
Percebo a reacção, mas deixem-me que vos diga que tenho uma certa simpatia por esta capacidade das comunidades reagirem ao poder arbitrário do Estado.
Antes de ser crucificado por escrever isto, leiam o que vou escrever sobre vacinas.
A esmagadora maioria das pessoas reconhecem os benefícios da vacinação, não apenas para os que são vacinados, mas igualmente para os que, por alguma razão, não se vacinam mas ficam protegidos pelo facto da progressão das doenças infecto-contagiosas ser muito dificultada por haver muita gente vacinada (já agora, a vacinação é uma analogia clássica para difundir a ideia de que para evitar fogos catastróficos, a solução é ter muitos pequenos e médios fogos que vacinam a paisagem contra as epidemias de fogos, mas não é esta a analogia que me interessa neste momento).
Apesar dos milhões e milhões gastos no combate às doenças infecto-contagiosas, há dezenas de anos, apenas uma doença, até hoje, foi erradicada, quanto às outras, o mais que conseguimos, é torná-las menos proecupantes e com erupções de focos controláveis, por serem bastante limitados, dado que a vacinação limita a sua capacidade de progressão, quando alguma coisa corre mal (por exemplo, uma variante do agente patogénico que consegue fugir ao controlo pela vacina, a gripe é um bom exemplo disto).
Há, e sempre houve, uma grande discussão sobre se a vacinação, dados os seus benefícios sociais, deve ser um processo coercivo ou voluntário.
Tenho uma notícia a dar sobre Portugal: em Portugal, a vacinação não é coerciva (apenas recentemente, com a COVID, foram adoptados procedimentos nesse sentido, contra toda a boa prática tradicional de Portugal no campo da vacinação) e Portugal é dos países com maior cobertura vacinal do mundo.
O Estado tem um plano de vacinação que não é obrigatório, tem campanhas de vacinação, disponibiliza gratuitamente vacinas e os meios de vacinação para as vacinas que estão no plano nacional, faz pedagogia pela vacinação, mas ninguém é obrigado a vacinar-se.
Portugal é uma confirmação das conclusões mais frequentes nos estudos sobre a vantagem da obrigatoriedade de vacinação, face ao carácter voluntário, que apontam no sentido de que a vacinação voluntária dê melhores resultados que os sistemas de vacinação obrigatória.
Volto então ao boneco das festas de Marinhais, ao contrário do que Portugal faz na vacinação, a opção pelo controlo das ignições, em Portugal, tem sido a da imposição de comportamentos, fiscalizados e reprimidos pelo Estado, daí a minha simpatia pelos organizadores das festas de Marinhais.
Eu acho absurdo que numa situação de risco elevado de progressão do fogo alguém se entretenha a mandar foguetes para o ar, mas o facto do Estado achar que é coercivamente que se conseguem evitar este tipo de comportamentos insensatos (como acontece esporadicamente na vacinação, há sempre alguém que não se quer vacinar, sendo certo que alguns não podem mesmo, por razões médicas), tem efeitos secundários que me parecem graves.
No caso de Portugal, por exemplo, o uso de um método errado para definir o risco de incêndio tem como consequência termos muito mais dias de interdições várias e extensas, que prejudicam a vida de milhares de pessoas e criam ineficiência económica, com base nas tolices marcelistas de que mais vale prevenir que remediar.
E há muitas outras razões para que o facto do Estado usar um poder discricionário para condicionar a liberdade das pessoas, com o argumento de evitar ignições é um bem colectivo de primeira grandeza (não, não é, a liberdade das pessoas é um direito constitucionalmente garantido, a necessidade de evitar ignições não tem cobertura constitucional, que eu saiba), tenha um efeito social global negativo, que me incomoda especialmente porque, para além de teorias e modelos, ninguém, em lado nenhum do mundo, conseguiu, até hoje, demonstrar empiricamente que a diminuição de ignições tem efeitos reais na diminuição da área ardida ou, mais genericamente, um efeito relevante positivo na gestão do fogo.
Voltando ao princípio, um fogo ter vinte mil hectares ou vinte metros quadrados não depende do número de ignições, quer num caso, quer no outro, uma, basta uma ignição para os começar.
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