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Uma administração em coma

por henrique pereira dos santos, em 16.01.23

Sim, claro que reconheço uma responsabilidade dos governos no estado a que chegou a administração pública portuguesa - não, o problema maior não é a corrupção ou a partidarização, o problema maior é a erosão da lei e das regras -, mas a história que vou contar é mesmo sobre a responsabilidade da administração ela mesma.

Volta, não volta, escrevo sobre o Porgrama de Transformação da Paisagem (há vários posts por aí, este serve de exemplo) e mais uma vez volto ao assunto depois de ler o Público de ontem (ou melhor, esta parte do Público, o resto lerei a seu tempo, não faço questão nenhuma de ler os jornais no dia em que são publicados).

Estranhei a chamada de primeira página: "Há uma revolução silenciosa em curso na floresta portuguesa com novas áreas integradas de gestão florestal".

Esta frase está tão fora da realidade, que fiz o que faço habitualmente: fui ver quem assinava esta peça.

A minha estranheza aumentou. Não conheço pessoalmente Teresa Silveira, mas conheço o seu trabalho e, independentemente de diferenças de pontos de vista, está longe de ser o trabalho de uma câmara de eco da propaganda de terceiros, a única justificação possível para se publicar uma frase como a que citei, a propósito dos planos de transformação da paisagem.

Fui ler, como o Augusto Gil foi ver.

Afinal o trabalho de Teresa Silveira correspondia à ideia que tinha dela, a chamada de primeira página é que era completamente abusiva, colocando certezas onde a peça em causa só tinha dúvidas, incerteza e um saudável cepticismo por parte dos potenciais interessados.

Fé, só mesmo do lado da administração: "Acredita-se que os beneficiários dos territórios (entidades gestoras, proprietários, produtores e outros intervenientes) não quererão desperdiçar a oportunidade de ter um financiamento que está alocado a estes territórios e que é comparticipado a 100%".

Recapitulemos.

Os governos (vários) são ciclicamente confrontados com fogos com um grande potencial de desgaste político.

Estes fogos resultam de um processo económico e social profundo, associado ao abandonono que resulta da falta de viabilidade económica da gestão do território.

Como ter propostas políticas eficazes para lidar com esse abandono é difícil em si, politicamente pouco compensador e exige constância das políticas públicas ao longo do tempo, os governos preferem usar os recursos em coisas politicamente menos arriscadas e mais compensadoras, reagindo ao tais grandes fogos cíclicos escolhendo um moinho de vento contra o qual investem de forma politicamente rentável, isto é, tomam decisões históricas cujos resultados se verão daqui a muitos anos, como é próprio das políticas de gestão do território.

Como quando o falhanço dessas opções for de tal maneira evidente que não possa ser negado o governo já é outro, culpa-se os governos anteriores pelas péssimas opções feitas, escolhe-se um novo espantalho, e agora é que vai ser.

O actual primeiro-ministro escolheu o eucalipto e a falta de ordenamento do território como espantalhos (da outra vez que estava no governo quando houve problemas sérios tinha escolhido a melhoria do combate, com a criação da autoridade nacional de protecção civil, mas isso agora não interessa nada).

Uma administração pública que cumprisse a sua missão teria a obrigação de deixar claro que o eucalipto não é tido nem achado para o assunto, no essencial (a investigação científica que existe sobre o assunto tem resultados esmagadores neste sentido) e que o problema não seria de ordenamento do território mas de economia das actividades que gerem o território (a investigação sobre o assunto tem resultados esmagadores sobre o assunto).

Não, esta administração pública que temos assume que a sua missão é dar cumprimento às orientações políticas do governo, não compreendendo que uma coisa é a legítima opção política do governo, a que a administração tem de dar seguimento, outra coisa são fantasias sem relação com a realidade, que a administração tem obrigação caracterizar como tal (se, depois disso, o governo insiste em governar contra a lei da gravidade, isso é com ele, o que a administração não pode é aceitar que o governo negue a lei da gravidade e a administração actue como se a lei da gravidade dependesse da vontade do governo).

Por isso escolhe uns académicos que sirvam para dizer que a lei da gravidade é uma construção social, monta uns processos de decisão que partem do princípio de que as pedras caem para cima e, no fim, argumenta: isto vai funcionar porque ninguém quer perder 220 milhões a fundo perdido.

Ninguém vai deixar esses 220 milhões perdidos por aí, esses vão com certeza ser usados, o problema de base é que vai ficar exactamente na mesma, até que o próximo governo tenha margem de manobra para dizer que os anteriores eram todos uma bestas, tomaram decisões erradas, inventar um novo espantalho e ... agora é que vai ser.

Com o beneplácito e o apoio de todos os rolhas que hoje povoam esta administração sonâmbula com que temos de conviver.


3 comentários

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De Anónimo a 16.01.2023 às 14:58

este socialismo marxista que vai comemorar meio século faz-me lembrar a história verídica do impotente sexual que durante anos gritou para a jovem mulher 'É AGORA!' e nunca foi.


ou do vendedor que passa na estrada e vê num automóvel um velhinho e uma jovem prostituta
no regresso várias horas depois pergunta:
« -ainda dura?
- não! ainda mole! »
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De Anónimo a 16.01.2023 às 17:02

Um espantalho chamado eucalipto

Há dias, perdi-me em contas com a área florestal de exploração de eucalipto necessária para levar uma vidinha desafogada, uma vidinha igual à de muitos burocratas inúteis que enxameiam a administração pública e param lá pelo litoral, uma vidinha igual à de muitos ambientalistas anti-eucalipto.
Concluí que necessitava de, no mínimo, 32 ha. Sim, 32 ha. Para fruir de habitação condigna; sustentar um carrito modesto; trazer os putos na universidade lá longe; ter Netflix; fazer férias nos Algarves; mimar a minha patroa com uns jantares depois desta ter ido ao cabeleireiro e à esteticista; pagar a SS para me habilitar a uma reformita modesta, mailo IRS e outras alcavalas estatais.
Concluí que não podia fazer férias no Verão e teria que abdicar do sono de muitas noites por causa do cabeça vermelha. Teria que ter pelo menos uma viatura de apoio e, além de outras ferramentas, uma máquina de terraplanagem.
Os quatro hectares que estimei de derrube anual para permitir os 'luxos' acima referidos, teriam que ser efectuados por terceiros.
Teria que ser o proprietário das terras para evitar rendas a senhorios.
...
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De Carlos a 17.01.2023 às 19:11

Nas contas dessa gente, as suas contas estão erradas: eucalipto é coisa para arder e, em ardendo, não dá lucro. 

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