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Um país optimista

por henrique pereira dos santos, em 04.10.16

"O comandante operacional nacional da Proteção Civil, José Manuel Moura, disse esta terça-feira que “nada falhou” este ano no combate aos incêndios florestais".

E eu até acredito que assim tenha sido.

"Segundo os dados apresentados, a área ardida este ano mais do que duplicou em relação a 2015, tendo os incêndios florestais consumido, até 30 de setembro, 150.499 hectares."

"Já o número de incêndios diminuiu este ano cerca de 16 por cento em relação a 2015, tendo deflagrado, entre 01 de janeiro e 30 de setembro, 12.488 fogos."

Concluindo: o número de fogos baixou 16%, a área ardida aumentou 100% e nada falhou no combate aos incêndios.

Aqui chegados, temos uma de duas opções:

1) concluir que alguma coisa está mal no desenho de um sistema em que nada falha e os resultados são os que são;

2) concluir que está tudo bem: afinal nunca nenhum incêndio ficou por apagar.

Tenho uma forte intuição de que o país escolherá a segunda hipótese, assente na heroicidade de amadores comandados por práticos com larga experiência.

Um dia destes Pedro Almeida Vieira chamava, e bem, a atenção para o paralelismo da discussão que hoje ocorre na gestão do fogo, em que de um lado estão os que defendem as vantagens da paixão e entrega de amadores e os que defendem que problemas complexos exigem estudo, treino e profissionalismo que saiba enquadrar a paixão e a entrega dos amadores e a discussão que na viragem do século XIX para o século XX ocorreu a propósito da profissionalização da prática de enfermagem, até então entregue essencialmente a voluntárias (quase todas mulheres e esmagadoramente religiosas).

É uma questão de tempo até estranharmos tanto a ideia de ter a gestão de fogos entregue a amadores como hoje estranhamos a hipótese de entregar a enfermagem a amadores.

No entretanto teremos de aturar responsáveis que perante resultados miseráveis se limitam a concluir, como Pangloss "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis".

Esperemos que outros responsáveis tenham lido o livro até ao fim “Tudo isso está bem dito... mas devemos cultivar nosso jardim.” (já não me lembrava deste final de Cândido, mas a wikipedia é uma grande coisa e ele há coincidências notáveis).

 


2 comentários

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De Pedro a 04.10.2016 às 17:05

A maior parte dos bombeiros nos Estados Unidos e em vários países europeus, incluindo a Alemanha, são voluntários, O Henrique tem de ir explicar-lhes esse paralelismo com as enfermeiras, que está muito bem apanhado e de que ainda ninguém se tinha lembrado..

Quando um comandante de bombeiros diz que os seus homens fizeram um bom trabalho, quer simplesmente dizer que apagaram um fogo tão rápido quanto lhes foi possível e com os meios que tinham, como em qualquer lugar do mundo. O Henrique está muito focado nos bombeiros e ainda não entendeu que o trabalho dos bombeiros não é definir as políticas florestais, ordenamento do território, etc. Eles apagam fogos.

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De henrique pereira dos santos a 04.10.2016 às 19:10


Caro Pedro,
Se ler o texto com atenção verá que não está em causa o voluntariado nos bombeiros (como também existe na saúde) mas sim a forma como o voluntariado é enquadrado: o problema não é ter bombeiros voluntários, o problema é ter amadores (mesmo que alguns sejam contratados, a sua formação específica na gestão de fogo pode ser básica) a gerir processos complexos como é o caso de um grande fogo florestal.
Um bom indicador foram várias reportagens deste ano em que o posto de comando tem de ser deslocado à pressa, demonstrando a incapacidade do comando antecipar o comportamento do fogo. Pode acontecer, o que não é normal é que aconteça tantas vezes e ninguém se dedique a avaliar seriamente o que correu mal.

Em qualquer caso concordará comigo que ter 30% dos bombeiros profissionais (como nos EUA) não será o mesmo que ter menos de 15%, como acontece em Portugal (dos quais uma boa parte estão nos bombeiros sapadores das grandes cidades).
Nada contra um comandante que diz que os seus homens apagaram um fogo tão rápido quanto possível com os meios disponíveis, o que me incomoda é que o comandante diga isso sem fazer a menor ideia do que está a dizer porque não fez uma avaliação séria do que ocorreu. Tem um bom exemplo no complexo de fogos da Freita Arada, deste ano, em que as faixas de redução de combustível foram olimpicamente ignoradas pelo dispositivo e não foram usadas como oportunidades de controlo do incêndio.
Tem outro bom exemplo no fogo de Monchique: dado como extinto, o Laboratório de Fogos Florestais da UTAD fez um post explicando que havia uma janela de três dias para fazer um rescaldo sério com condições meteorológicas favoráveis que depois havia previsão de condições meteorológicas favoráveis ao que efectivamente aconteceu.
O comandante vai dizer que os homens foram os heróis (e, provavelmente foram) mas eu tenho o direito de saber por que razão não há uma investigação profunda ao que aconteceu nos três dias em que o rescaldo devia ter sido feito de forma séria e, aparentemente, não foi.
Repare, eu sou só um curioso, do que sei alguma coisa é de evolução da paisagem, ou seja, do que está antes e depois do fogo, do que se passa no fogo limito-me a ouvir quem sabe (e os outros também, e é isso que me põe com os cabelos em pé).
No que estamos mesmo em desacordo é no que é a missão dos bombeiros: para mim a sua função principal é gerir fogos, o que nuns casos implica apagar fogos, noutros casos implica activar fogos. Tal como a função das forças armadas é preparar-se para a guerra, como forma de manter a paz, não é fazer a guerra.

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