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Um país dual

por henrique pereira dos santos, em 22.12.23

Mafalda Pratas escreve uns artigos no Observador que geralmente são interessantes.

O desta semana chama-se "A crise da habitação", remete para o barómetro da habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos e é dele (do artigo, não do barómetro) que cito este bocado: "Assim, e apesar desta ser uma leitura minha do estudo (e não um argumento ali avançado), tal como o mercado laboral português, o mercado da habitação parece ter traços profundamente duais. Uma fatia considerável da população, aqueles que entraram no mercado nos últimos 10 anos, têm uma enorme dificuldade em navegar o mercado de arrendamento privado e em conseguir comprar uma casa, uma outra fatia considerável tem muitas vezes contratos antigos, de longo prazo, cujos valores estão totalmente desajustados da realidade actual e impedem sequer os senhorios de fazer uma manutenção decente da qualidade das casas (vide o problema de qualidade acima referido)."

Esse país dual, assente numa fortíssima reprodução social, não só tem uma longa história, como, o que me parece mais grave, tem vindo a acentuar essa dualidade nas últimas décadas dominadas pelo Partido Socialista.

Provavelmente, a redução dessa dualidade e da sua rigidez deveria ser uma trave-mestra das propostas da oposição ao "estado a que isto chegou".

Com conversas de treta sobre a escola pública, o que está a acontecer é o reforço da dualidade, em que os que têm acesso à escolha e ao ensino privado, ainda bebés, ganham claramente vantagem em relação aos outros.

O mesmo tem vindo a acontecer nos sistemas de saúde, em que os privados deveriam erguer uma estátua ao Partido Socialista, cujas políticas têm resultado num crescimento muito forte do sector privado da saúde, com base nesta coisa extraordinária: a percepção da qualidade do serviço estatal é tão boa que, mesmo sendo gratuito, as pessoas preferem ir pagar boa parte dos serviços aos privados.

E o problema é o mesmo no acesso aos outros serviços públicos (seja autoridade tributária, em que quem pode pagar informação e conhecimento tem vantagem sobre os outros, seja na justiça, em que cresce a sensação de que há uma justiça para ricos e outra para pobres, seja na segurança social (apesar de tudo, talvez o sector mais democrático da administração pública, tratando igualmente mal toda a gente), etc.).

E na habitação.

E no mercado de trabalho.

Nem sempre a linha de corte tem origem na capacidade económica e origem social (na saúde, educação e justiça, sim), pode ser pela idade, como acontece na habitação, ou por acasos da vida, como acontece mais no mercado de trabalho, mas o resultado final é bastante o mesmo: há um país que tem um conjunto de problemas sociais por resolver e há outro país que tem outros problemas para resolver, dependendo do lado do limite administrativo em que calha estar-se.

O Estado, que é um instrumento de repressão nas mãos das classes dominantes, não garante grande protecção aos mais desfavorecidos em cada caso (esmola vai garantindo, protecção, nem por isso), o Estado tenderá a proteger as classes dominantes.

É por isso que a prioridade das prioridades deveria ser a eliminação das barreiras que impedem que as pessoas mudem socialmente de um sítio para outro através do seu esforço e trabalho, porque com a treta da protecção universal assegurada pelo Estado, o resultado tem sido o aumento da dualidade e da reprodução social.


25 comentários

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De Albino Manuel a 22.12.2023 às 12:41

Na saúde conta muito a idade. Mais ou menos de 65 anos, que é como quem diz, coberto ou não coberto pelo seguro. Sei do que falo pois quando preciso é pelo privado. Nem me lembro do público, pelo menos para urgências. Na sala de espera pessoas de idade avançada são poucas ou nenhumas. 


Anos atrás, num hospital privado de Lisboa perguntaram-me se um familiar meu tinha seguro. Ri-me e perguntei: se me indicar um seguro de saúde que aceite pessoas com mais de oitenta anos...há quem tenha, foi a resposta.
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De anónimo a 22.12.2023 às 13:00


"...Nem sempre a linha de corte tem origem na capacidade económica e origem social...".
Outra linha de corte é a dependência, ou não, do Estado. Curiosamente a todos os níveis de rendimentos.
Os partidos de esquerda têm dominado a AR pois apelam, a vários níveis, a esse eleitorado. Um eleitorado seguro, pois dependente. 
Acrescentam-se os eleitores que por teram fraco poder financeiro, como bem menciona, agarram-se às promessas de gratuitidade dos serviços públicos, insistentemente propagadas pelas esquerdas.
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De Figueiredo a 22.12.2023 às 13:02


A crise na habitação em Portugal foi provocada intencionalmente pelas más políticas praticadas no XIXº Governo liderado pelo ex-Primeiro-Ministro, Pedro Coelho, e que tiveram continuidade nos Governos do ex-Primeiro-Ministro, António Costa.


Não existe falta de habitação no País como falsamente se sugere na comunicação social e redes sociais Portuguesas, e as rendas não sobem nem baixam por causa disso.


Os preços dos arrendamentos de imóveis construídos para habitação e outros também não sobem por causa do “aumento da procura” ou do “mercado de arrendamento” (que nem sequer existe), nem por causa da inflação, é mentira, nem tão pouco por causa dos Estrangeiros que estão a ser deslocados para Portugal mas sim devido à chamada “lei das rendas” que liberalizou e desregulou as rendas dos imóveis fazendo com que estas atinjam valores que não correspondem à realidade, o objectivo, é tornar impossível o arrendamento permitindo assim aos proprietários criminosos de imóveis construídos para habitação colocá-los na modalidade de alojamento local, turístico, temporário, ou de curta duração, o que é, realce-se, proibido por Lei.


Para resolver a crise na habitação, basta revogar a chamada “lei das rendas” criada pela ex-Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, Maria Graça, e fazer cumprir a Lei que determina que os imóveis construídos para habitação não podem ser colocados para alojamento local, turístico, temporário, ou de curta duração, e assim acaba-se com o esquema.
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 14:01


assente numa fortíssima reprodução social


No caso do arrendamento, não há reprodução social. Há aqueles que arrendaram uma casa antes de 1990 e os outros. Tanto uns como uns outros tanto podem ser pobres como ricos.
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 14:07


outra fatia considerável tem muitas vezes contratos antigos, de longo prazo, cujos valores estão totalmente desajustados da realidade actual e impedem sequer os senhorios de fazer uma manutenção decente da qualidade das casas



A miraculosa reforma do arrendamento da ministra Cristas fingiu resolver este problema, mas não o resolveu.


O facto é que há muitos votantes na direita que beneficiam de contratos de arrendamento antigos.



Aposto que o próximo governo, mesmo que venha a ser de direita, irá continuar a não querer resolver este problema.
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2023 às 17:00

Se essas normas foram imediatamente revogadas pelo governo do PS seguinte, como querias que produzissem efeitos?
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 17:22


Algumas normas foram revogadas pelo governo PS, mas mesmo que não fossem revogadas, pouca diferença faria.
O essencial na reforma Cristas é que todos os contratos feitos com pessoas com mais de 65 anos de idade permanecem eternos. Ou seja, nada mudou. Cristas mudou o inessencial para que tudo ficasse essencialmente na mesma.



Exemplo prático: eu tinha um inquilino com 55 anos de idade, continuo a tê-lo e vou ter que aguardar que ele (e a esposa, creio) faleça. Nem sequer lhe posso aumentar a renda, dado que a reforma Cristas diz que só poderia ser 1/15 do valor patrimonial da casa, o qual é muito baixo precisamente por a casa estar presa por uma renda antiga. A casa poderia e deveria ser restaurada, mas só o poderá ser quando o inquilino falecer, daqui a uns 30 anos.
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2023 às 17:35

Isso não era inteiramente assim e o que foi revogado é exactamente o que permitia ir alterando, havendo um período transitório que foi sendo estendido ad aeternum
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 18:00


o que foi revogado é exactamente o que permitia ir alterando


Alterar o quê? O valor da renda? Para quê, se não pode ultrapassar 1/15 do valor do prédio? Não vale a pena!


Aquilo que era preciso era, muito simplesmente, cassar a validade de todos os contratos de arrendamento anteriores a 1990. Os contratos deixavam de existir, ponto final parágrafo. Os inquilinos que fossem arranjar casa am Almodôvar, Ribeira de Pena ou Idanha a Nova, onde facilmente se encontram casas a 200 ou 250 euros de renda e onde, até, ajudariam a dinamizar um pouco a economia local. Se não precisam para nada de viver em Lisboa ou Porto, o que estão cá a empatar?
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2023 às 16:55

Dizes cada disparate.
O relatório tem uma ficha técnica que desmente completamente o que dizes e tem uma metodologia sólida.
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 17:24


Talvez.
Eu tentei aceder ao relatório e fui parar a um inquérito online, fiquei sem perceber se isso é que era a base do relatório.
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 17:27


tentei aceder ao relatório e fui parar a um inquérito online


Quero dizer, carreguei no linque que está no post e não acedi a relatório nenhum, mas sim a uma "experiência interativa" em que me faziam perguntas.
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2023 às 17:36

Bastava ires até ao fim, à esquerda, numa caixa que diz documentos, ou achas normal que o estudo fosse feito com essa metodologia
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De Luís Lavoura a 22.12.2023 às 17:54


Está bem.
Mas então, mais valia o Henrique ter posto no post linque para o relatório, e não para a experiência interativa.
Assim, está a fazer perder tempo às pessoas que, como eu, seguem o linque e, em vez de encontrarem aquilo que pretendem, encontram uma brincadeira (que é o que a experiência interativa é).
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De Isa Nascimento a 22.12.2023 às 17:40

Pode haver muitas perspetivas da mesma situação, mas a verdade é que o Estado Português não está a atuar corretamente, pois ainda esta semana veio a público: «Recibos verdes na função pública atingem recorde no primeiro semestre de 2023. No final de Junho, a administração pública tinha 18.707 pessoas a recibos verdes, mais 9,2% do que no primeiro semestre de 2022.»



https://www.publico.pt/2023/12/19/economia/noticia/recibos-verdes-funcao-publica-atingem-recorde-semestre-2023-2074297
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De Anonimo a 23.12.2023 às 11:47

E desses recibos verdes, quantos estarão com obrigações inerentes a um contrato de trabalho efectivo?
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De Isa Nascimento a 23.12.2023 às 14:09

Pois esse é precisamente o busílis da questão. Na maioria dos casos, as pessoas que trabalham para o Estado em regime de recibos verdes têm as «obrigações inerentes a um contrato de trabalho efetivo», como o cumprimento de um horário de trabalho fixo, mas não têm as regalias do mesmo, como os subsídios de férias e Natal...
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De IMPRONUNCIÁVEL a 22.12.2023 às 20:36

E um pouco de juízo e razoabilidade?


Porque é que ninguém consegue uma casa, e o que podemos fazer a respeito disso", pergunta no seu livro Rory Hearne, professor na universidade de Maynooth na Irlanda.

 

Responde, e demonstra a resposta com dados e factos concretos: “A crise da habitação é um falhanço de 30 anos de neoliberalismo em toda a Europa. Acreditaram que o ‘mercado’ resolvia o problema. O neoliberalismo arrasou a habitação, que tem de ser urgentemente encarada como um serviço público”.

 

Alemanha vive situação difícil devido à escassez de habitação e aumento dos preços dos alojamentos: em 2023, o número de pessoas em situação de sem-abrigo aumentou em todo o território alemão.

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De Anónimo a 23.12.2023 às 11:52

E a primeira vez que vejo chamar razoabilidade ao sectarismo.
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De lucklucky a 23.12.2023 às 14:40

"“A crise da habitação é um falhanço de 30 anos de neoliberalismo em toda a Europa."

Há cada idiota. É cada vez mais caro fazer casas pois os regulamentos a todos os níveis numa empresa de construção civil, certificados e licenças para isto e para aquilo até á própria contabilidade não param de crescer.
A Europa Ocidental está numa entropia quasi Soviética. 
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De balio a 24.12.2023 às 14:04

É cada vez mais caro construir, mas não só por causa dos regulamentos, também os materiais encareceram substancialmente.
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De Anonimo a 23.12.2023 às 11:46

A questão da habitação, em Lisboa e Porto (noutras cidades não será tão grave, mas o custo de aquisição  ou arrendamento também tem algo a ver com a construção nas franjas ao invés de no centro) é a mesma de cidades duais como Paris, Amesterdão, ou Berlim.
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De henrique pereira dos santos a 24.12.2023 às 06:56

Está a confundir a estratificação social da localização da habitação com o processo mais global que é descrito no post
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De Anonimo a 24.12.2023 às 18:48

Qual é o "processo global", e em qual difere dos paises europeus não socialistas?

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