Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
A poluição do Tejo é um bom exemplo dos jogos de sombras em que o Estado português se tem especializado.
Há conjunto de fontes de poluição do Tejo, grande parte das quais legais, outras ilegais.
O Estado, durante anos (já nesta resportagem de 1973 se falava da celulose em Vila Velha do Rodão) lidou com o assunto como lhe é habitual: fraca fiscalização, fraca repressão, fraca produção de conhecimento, fraco exercício das funções licenciadora e reguladora e, mais que tudo, fraca consideração pelo reforço do contrato social entre pessoas e agentes económicos no sentido de optimizar socialmente a gestão do território.
As pessoas e agentes económicos adaptaram-se, como é normal, ao funcionamento deste Estado, descurando o cumprimento de regras ou, quando as empresas eram suficientemente grandes para serem obrigadas a cumpri-las, discutindo-as o suficiente para não serem demasiado incomodadas, esperando todos que o grande caudal do rio fosse resolvendo o assunto sem grandes alaridos.
O Estado não investiu na gestão da massa de água, não produziu a informação mais relevante, não a tornou pública, não discutiu a sua existência e consequências, e foi andando ao sabor das pressões: diplomáticas quando chegou a altura de discutir a gestão internacional dos caudais do Tejo, empresariais quando chegou a altura de discutir autorizações e licenças, sociais quando os problemas se tornam suficientemente visíveis para ter custos políticos.
Dois anos de seca, coincidindo com uma autorização de descarga de caudais que não teve em conta a capacidade de recepção do meio, e um bode expiatório fofinho (os malandros das celuloses que também são donos do Correio da Manhã) culminaram agora num foguetório muito interessante em que o Estado enche o peito de ar, cresce para a empresa (insinuando que a empresa boicotou a recolha de análises ao que a empresa responde que não tem responsabilidade nenhuma na incompetência de quem recolhe as análises, uma boa demonstração da solidez e serenidade do contrato social vigente) e determina uma alteração profunda da licença de descarga de efluentes que o próprio Estado tinha emitido há menos de dois anos para garantir o investimento da empresa no aumento de produção.
O ridículo da situação é que, aparentemente (e a empresa entra nesse jogo de sombras porque também lhe serve), ninguém repara que a alteração dos parâmetros da licença é perfeitamente pacífico e não resulta de uma alteração da política do Estado (basta ver a forma como a Inspecção Geral do Ambiente desvalorizou o facto da ETAR de Abrantes não cumprir os parâmetros a que está obrigada) mas sim dos 12 milhões de investimento que a empresa antecipou de 2020 para 2017, fazendo em 2017 ETAR prevista para 2020 e que o Estado deveria ter imposto como condição prévia ao aumento de produção (e, se tal não fosse possível, deveria ter estabelecido um calendário de investimentos negociado, claro e transparente, em que o Estado assumia que o aumento de poluição seria aceitável como custo temporário para um ganho social futuro no aumento de criação de riqueza, em paralelo com um esforço temporalmente faseado de resolução do problema da poluição do rio).
P.S. Há uma suspeita, fundada, de que a CELTEJO cometeu um crime grave ao omitir um acidente industrial na ETAR, ocultando-o. A empresa nega que tenha existido este acidente e o assunto está em investigação. Sobre a existência ou não de acidente não tenho a menor opinião: nem a CELTEJO é gerida por anjinhos, nem o Estado me merece total confiança, sobretudo quando toca a fugir das suas próprias responsabilidades.
No entanto, se se demonstrar que o acidente existiu, o sancionamento dessa situação deve ser exemplar e se a fábrica tiver de fechar em consequência da aplicação das sanções devidas, mesmo tendo efeitos sociais negativos relevantes no emprego, nas exportações e na criação de riqueza em geral, a fábrica deve mesmo fechar.
O reconhecimento geral e reforço do valor social do cumprimento de regras é muito mais importante que os efeitos sociais relevantes, mas passageiros, que se poderiam garantir com paninhos quentes nestas matérias.
É também por isso que é incompreensível que a Inspecção Geral do Ambiente (declaração de interesses: sou amigo do Inspector Geral, sobre o qual ponho as mãos no fogo, mas não é de questões pessoais que aqui trato, mas sim de uma cultura de Estado) tenha desvalorizado de forma evidente o facto da ETAR de Abrantes não cumprir os parâmetros a que está obrigada: uma coisa é dizer que não é esse incumprimento que é relevante no pico de poluição recente, outra coisa é passar pelo incumprimento dos parâmetros como cão por vinha vindimada.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.