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Um homem bom

por José Mendonça da Cruz, em 28.11.14

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Morreu Sousa Veloso. Não o conheci e nunca falei com ele, mas tenho pena e tenho muitas saudades, morreu-me o conforto duma memória da infância. Era um homem gentil. A palavra caiu em desuso e parecerá amaneirada, mas era isso que ele era. Bonomia, afabilidade, simpatia escorriam-lhe da pose, da expressão, da indumentária e da fala. É possível que a sociedade e o Mundo mais aberto de hoje exijam uma atitude mais agressiva; é possível que a modernidade e a concorrência imponham ademanes mais categóricos; é possível que o crescente número de cães ao no entanto crescente número de ossos acarrete propensões mais pistoleiras. Mas Sousa Veloso não. Sousa Veloso era gentil. Era um homem capaz de levar um programa chamado TV Rural a surpresas de audiência.

Não estou convencido de que fosse o simples facto de só dispormos de um canal de televisão -- ou dois, não me lembro -- a suscitar o interesse pelo programa, nem estou convencido de que fosse a falta de outras solicitações, de telemóveis, sms, facebooks, twitters, consolas, cabo, a inflacionar os interesses agrícolas. Estou convencido de que era o homem e o seu génio comunicacional, esse dom aristocrata que sabe afeiçoar o discurso aos conhecimentos, à literacia, aos interesses, à dignidade e valia do interlocutor, fosse ele presente ou fosse abstracto, escondido atrás do éter. Esse dom e esse génio é que convocavam citadinos para as maravilhosas equações da potência do tractor em função da área de lavradio; para os encantos da calibração dos pêssegos e da pêra rocha; para os enigmas da maçã golden que afinal devia ser verde; para as alegres potencialidades do açude e da barragem; para a deslustrada vida das vacas e como preparar-lhes a forragem. E envolvia-nos em prol da riqueza, da produtividade da terra, da exportação lucrativa. Gentilmente. Pedagogicamente. Com amizade.

Disseram-me que era homossexual. Não sei se era e pouco me interessa. Se era, seria um reclame da opção (um reclame, que era como se chamava à publicidade e aos anúncios). Um reclame pela discreção e elegância, natural, não impositivo -- em bicos dos pés nunca. Lamentei nele apenas essa coquetterie de resolver pintar o cabelo. Ficava-lhe desadequado, claramente abaixo dele. Mas era uma fragilidade de somenos numa presença generosa.

Não sei se deixa família, se deixa quem sofra por ele. Se deixa, sofro com eles. Adeus e obrigado, engenheiro.


3 comentários

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De Frederico a 28.11.2014 às 17:11

Muito bom, parabéns.
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De José Mendonça da Cruz a 28.11.2014 às 17:55

Obrigado, Frederico. Gostei de escrever uma coisa sentida e fora do azedume da política.
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De Frederico a 28.11.2014 às 19:13

Percebo perfeitamente. Dito isto, conto que continues a fulminar sobre política; gosto sempre de ir lendo. Abraços.

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