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Um caso prático

por henrique pereira dos santos, em 30.07.22

Tenho insistido - e eu sou muito insistente, é verdade - que o mais urgente e prioritário - e as duas coisas podem ser muito divergentes, é verdade - na gestão do fogo, é injectar economia no sistema.

Esta ideia nem é minha, nem levanta grandes objecções, tirando uns maníacos das políticas musculadas, que preferem injectar polícia no sistema, a ideia é largamente aceite.

As divergências acentuam-se quando se tenta passar à prática a ideia, sendo a maior fractura entre os que dizem que a exploração florestal - em sentido lato, inclui a exploração de matos e pastagens pobres - é intrínsecamente rentável, e o problema está nas condições externas - sobretudo a dimensão da propriedade e o risco de fogo - e os que dizem, de forma minoritária, que a exploração florestal é muito pouco atractiva como actividade económica, em grande parte do território.

Por pouco atractiva não se pretende dizer que a pastorícia não é rentável, provavelmente é, em grande parte do território, o que se pretende dizer é que o rendimento que se consegue tirar não paga o esforço das pessoas envolvidas, pelo menos face às alternativas que as pessoas têm para governar a sua vida e o que consideram justo.

Os primeiros tendem a defender políticas à escala da paisagem para gerir o fogo - uma rede de faixas de gestão de comsbutível para criar grandes compartimentos de paisagem que impeçam os fogos de lavrar livremente por extensões imensas - e políticas que visam alterar a estrutura da propriedade - alteração do regime sucessório, cadastro, sistemas de gestão agregada, como ZIFs e afins, etc., para além de subida na escala de valor dos produtos que resultam da actividade.

Os segundos tendem a pôr a tónica no pagamento público dos serviços de ecossistema (praticamente todos defendem isso, trata-se apenas de uma hierarquização diferente das políticas).

Eu estou no segundo grupo e sou dos mais radicais na matéria: grande parte dos problemas identificados e que limitam a competitividade no sector, incluindo o risco de fogo e a questão da propriedade e o acesso à terra, parecem-me sintomas da falta de valor da terra, em resultado da falta de competitividade das actividades que a têm como factor de produção essencial.

Por isso tenho defendido o pagamento directo, sem complicações, aos proprietários e gestores, de um valor a definir - 100 euros por hectare de três em três anos, é o meu ponto de partida -, sempre que os terrenos tenham menos de 50 cm de altura de combustíveis finos.

Francisco Oliveira Miguel sugeriu a simplificação das minhas propostas anteriores, que propunham candidaturas e verificação de resultados pelo Estado, com base na inclusão das organizações de produtores como intermediários na auditoria e processamento de pagamentos após verificação das condições de pagamento, eliminando candidaturas e avaliações: sempre que o proprietário ou gestor acha que está em condições de receber o dinheiro faz um pedido de pagamento à organização de produtores mais próxima, esta verifica que as condições estão cumpridas e paga, tendo o Estado como origem do pagamento e garante de todo o processo.

Ontem, ao ver Marco Ribeiro no jornal da noite, da SIC, a dizer que tinha perdido 15 mil bicas de resina no fogo de Vila Pouca de Aguiar, perguntei-lhe se a empresa aguentava as perdas (não há seguros que aceitem cobrir estes riscos).

Conheço o Marco há já algum tempo, quando trabalhava com António Salgueiro em fogos controlados, tenho acompanhado o que tem vindo a fazer desde que António Salgueiro teve de parar o trabalho da GIFF, a empresa de gestão integrada de fogos florestais que geria, e o Marco criou a Raízes In, que trabalha nos mesmos sectores: gestão integrada de fogos florestais, incluindo uma componente expressiva de produção de resina, um negócio manifestamente no limite da viabilidade comercial, mesmo nas melhores zonas resineiras do país.

Quer António Salgueiro, quer Marco Ribeiro deram um apoio fantástico à Montis nos fogos controlados que foram feitos, e foi durante a realização desses fogos que mais aprendi com eles (eles queimavam, eu fazia perguntas sobre o que ia vendo).

Por tudo isto, dei por mim a avaliar mentalmente os efeitos dos diferentes tipos de medidas propostas para a gestão do fogo, num caso como o do Marco Ribeiro.

Todas as medidas relacionadas com cadastro, regime sucessório, acesso à terra e afins, e as medidas de criação de faixas de combustíveis, mesmo que tenham os resultados esperados, demorariam muito a ter qualquer efeito que a empresa do Marco pudesse sentir, numa altura em que um fogo coloca a actividade resineira da empresa no limite da falência (digo eu, o Marco diz que tem apoio à contratação de dois resineiros, tem algumas prestações de serviços relacionadas com a manutenção de faixas de gestão de combustível, portanto se a produção e os preços não forem um desastre, acha que se aguenta).

Mas o pagamento de 100 euros por hectare gerido pela empresa, onde é feita gestão de combustíveis, tinha um efeito imediato e efeitos de médio e longo prazo que dariam perspectivas muito diferentes à empresa.

É certo que há uma parte relevante dos investimentos e gestão que deve ter sido feita com apoios comunitários e, portanto, seria preciso acautelar os duplos pagamentos, mas também é certo que a Raízes In viu negada a aprovação de projectos de gestão de combustíveis, não sei se próprios, se como prestador de serviços, com base em regras a que falta sensatez.

O exemplo mais evidente, para mim, é a restrição, feita frequentemente pelos serviços de conservação da natureza, à forma como se faz a gestão de combustíveis, impondo que em algumas áreas apenas possa ser feita por meios moto-manuais, em vez de apenas impôr uma restrição de não afectação da camada superficial do solo. Parece uma minudência quase irrelevante, toda a gente concorda com a necessidade de garantir a conservação do solo, mas a diferença entre uma e outra formulação é que na primeira o fogo controlado e o pastoreio são técnicas excluídas, apesar dos efeitos se conservação do solo serem os mesmos e o seu custo ser um quinto a um décimo da limpeza moto-manual. E essa pode ser a diferença entre ser possível gerir de forma sustentada uma área, ou deixá-la ao abandono.

Com este exemplo, talvez excessivamente técnico, apenas quis realçar que não há soluções simples para a gestão sustentada do fogo, mas o que verdadeiramente me interessa é tentar perceber o efeito de médio e longo prazo (o imediato já vimos) de uma medida como a que tenho defendido.

Se o rendimento da actividade for reforçado nos termos que tenho defendido, com base no interesse colectivo de gestão de combustíveis, o que acontece à empresa do Marco é ganhar solidez e margem para absorver os choques provocados pelos fogos, ou seja, diminui o risco associado ao fogo - já não contando com a diminuição de risco global pelo aumento de área gerida - e ganha capacidade para expandir a actividade para áreas que hoje não consegue gerir por não serem rentáveis, aumentando a área de combustíveis gerida.

Com isso temos mais emprego, mais produção, mais gestão e, consequentemente, uma gestão mais sensata do fogo.

É certo que estes resultados se obtêm com base em dinheiro dos contribuintes.

Assim sendo, e verificando-se que os mercados actuando livremente - eu sei que podem ser melhorados, diminuindo os custos de transação da terra, diminuindo as taxas e impostos relacionados com estas actividades, tornando mais eficientes os mercados, nomeadamente através do aumento de informação aos consumidores sobre os efeitos das suas opções de consumo, da melhoria dos canais de comercialização e da orientação das políticas de compras do Estado para a inclusão de factores de decisão relacionados com a gestão de combustíveis, etc. - não conseguem dar resposta à necessidade social de gestão do fogo, o que resta discutir, na definição de políticas públicas, é a eficiência de cada euro dos contribuintes gasto na gestão do problema.

Sem ser economista, sem saber fazer bem as contas, a minha intuição é a de que as propostas que tenho vindo a defender não só têm efeitos imediatos, ao contrário da resolução da magna questão da propriedade, como são muito mais eficientes na obtenção de resultados: o aumento de área com gestão de combustíveis finos por cada euro gasto dificilmente é maior com qualquer das outras propostas de políticas públicas em discussão.

Resta a questão do efeito diferenciado desse aumento quando é estrategicamente localizado no território ou quando é atomisado como é forçoso que aconteça com as propostas que defendo, mas tenho as maiores dúvidas de que o efeito da localização estratégica da intervenção ultrapasse o efeito de aumento global da área gerida, sobretudo com um dispositivo de combate que não está treinado para aproveitar as oportunidades que a gestão cria e que desistiu do combate florestal para se concentrar na protecção de casas.


4 comentários

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De henrique pereira dos santos a 31.07.2022 às 07:27

Eu não entendo a persistência do mito da biomassa para consumo de materiais finos: não só o seu conteúdo energético é baixo (são maioritariamente ar e água), como o seu corte é caro, mas ainda assim menos caro que o seu transporte (o seu volume é enorme para o seu conteúdo energético), como a tecnologia para o seu aproveitamento está mais que desenvolvida e tem a grande vantagem de se deslocar, em vez de necessitar do transporte para a central eléctrica: chama-se cabra e o valor do que produz é incomparavelmente maior que o valor do KWh que é possível produzir para pôr na rede de distribuição.
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De Lucas Galuxo a 31.07.2022 às 10:29

Não são soluções incompatíveis mas sim complementares. As cabras apenas aproveitam partes das plantas pouco lignificadas. Além disso, não há  mercado para os 20 milhões de cabritos produzidos pelas 10 milhões de cabras necessárias para gerir pelo menos 3 milhões de hectares. Provocaria a falência dos actuais produtores. Se há centrais eléctricas que queimam palha porque não seria viável queimar mato?

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