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Transformar a paisagem

por henrique pereira dos santos, em 19.07.23

Há um alargadíssimo consenso sobre o diagnóstico negativo relativo à gestão dos dois terços do país que não corresponde a áreas urbanas e agrícolas.

E há também um razoável consenso sobre a falta de resultados positivos das políticas públicas que pretendem dar resposta a esse problema.

É público que o meu ponto de vista é o de que isso tem na raiz problemas de competitividade das actividades que podem gerir esses dois terços do território e, por isso, as políticas públicas devem concentrar-se em melhorar o desempenho no mercado quando tal é possível, pagando com recursos públicos (e filantropia) a gestão e produção de bens e serviços de interesse colectivo, quando a sociedade reconhece a sua necessidade e o mercado não remunera essa gestão.

É também público e notório que a generalidade das políticas públicas desenhadas para dar resposta ao diagnóstico largamente consensual se centram por um lado na contenção dos efeitos negativos resultantes do que existe neste momento, por exemplo, reforçando incessantemente as políticas de combate ao fogo, e por outro lado, em incentivos genéricos à economia, sem concentração nas actividades que podem gerir o território.

O governo, o Estado e a sociedade reconhecem a falta de resultados do que tem sido feito.

Ora se criam estruturas de missão para o interior ou ministérios da coesão, ora se proibem ou limitam as actividades que se escolhe em cada momento como bode expiatório, ora se despeja dinheiro em soluções milagrosas.

Já foram os madeireiros e a compra de madeira queimada, já foi a actividade imobiliária, já se perseguiram os proprietários absentistas, ultimamente tem sido o eucalipto, enfim, vai variando a actividade, mas não a intervenção administrativa de condicionamento.

Do lado das soluções milagrosas, já foram as ZIFs, as redes de faixas de gestão de combustível, o financiamento de gabinetes florestais municipais, Planos de Ordenamento Florestal, enfim, o Céu é o limite para a invenção de novas soluções milagrosas para resolver de uma penada um problema complexo de economia que se agrava há décadas.

Uma das últimas soluções milagrosas assenta numa ideia que alguns consideram nova: transformar a paisagem que existe na paisagem que deveria existir, de acordo com as opiniões de pessoas que dão conselhos sobre o que os outros devem fazer melhor, pessoas que, por acaso, nunca fizeram, elas próprias, melhor.

Esta reportagem sonora sobre um seminário que houve no Fundão é um bom exemplo dos resultados desta ideia genial de transformar a paisagem em função do que alguém, que não gere paisagens, acha que deveria ser a paisagem ideal.

Resumindo, alguém achou muito inovador torrar milhões a tornar realidade utopias.

"35% deveria ser alvo de transformação, que a agricultura poderia aumentar de 23% para 35%, que as espécies autóctones podem ser expandidas em 31%, que o eucalipto, que no total ocupa 17% da região devia ser reduzido para 5% e apenas em áreas complementares ... nós conseguimos identificar os locais onde deveria haver intervenção prioritária, 22% da região centro deveria ter uma intervenção prioritária ... esta recuperação da paisagem tem que estar naturalmente associada a uma transformação real da paisagem".

Os pressupostos que estão na base do estudo que chega a estas conclusões são muito discutíveis (no que diz respeito à gestão do fogo, são mesmo errados e sem qualquer fundamento técnico e científico sólido, apesar de uma revista científica ter aceitado publicar um artigo científico que nem sequer respeita o conteúdo dos outros artigos científicos que cita), mas não é isso que me interessa agora, o que me interessa é perguntar: como, com quem, com que economia, se consegue fazer o que está descrito acima?

Eu sei que é dito que a produção de espécies autóctones é rentável, não com base em estudos de caso que demonstrem empiricamente o que é dito, mas com base em contas de exploração que nunca foram confrontadas com a realidade, são hipóteses baseadas em pressupostos que nunca se verificaram.

Mas ainda que assim fosse, ou melhor, ainda que pontualmente se verifique que numa situação ou outra as contas de exploração teóricas tinham tradução empírica, voltamos à base: com que agricultura, com que produções, com que mercados a região centro consegue aumentar a sua área agrícola de 23% para 35%, num contexto global de retracção da área agrícola explorada, embora com intensificação da exploração das áreas agrícolas que não são abandonadas?

Sim, há expansão da área de vinha ou de cerejeira em algumas zonas, mas o saldo de expansão de algumas culturas e abandono de outras áreas é positivo, ou vai passar a ser positivo?

Com quem? Com que mercados? Com que canais de distribuição? Com que modelos de exploração do trabalho, que é inerentemente sazonal e se debate com uma profunda escassez de mão-de-obra?

E se sairmos da área agrícola e passarmos aos terrenos não agrícolas, reduzindo a área de eucalipto de 17% para 5% (e tenho pena que no audio da apresentação não apareça nada sobre o pinhal, que em alguns projectos resultantes do mesmo modelo de intervenção é somado ao eucalipto, propondo-se reduções de cerca de 70% de ocupação actual para valores de menos de 10%), o que fazemos, com quem, com que recursos, com que mercados, com que economia, às áreas libertadas da praga do eucalipto e pinheiro?

Certo, certo é que desde 2018, logo depois do incêndio de Monchique, em que foi lançada esta utopia de transformação da paisagem, formalizando-se numa matriosca de estratégias, planos de ordenamente, planos de acção, etc., já se consumiram uns milhões, já se comprometeram para o futuro próximo mais outros milhões e prometeram-se para o futuro mais longínquo ainda mais milhões, mas no terreno, até agora, nada, nada, nada, nem mesmo na única área em que se conseguiu aprovar um plano: Monchique.

A única transformação visível, até ao momento, é a transformação habitual, a transformação de dinheiro de todos os contribuintes em dinheiro de alguns prestadores de serviços, o principal dos quais, o Estado.

A paisagem, essa, continua a evoluir todos os dias, "estoicamente, mansamente, [resistindo] a todas as torturas, a todas as angústias, a todos os contratempos, enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas, [forem] caindo, caindo, caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente, na razão directa do quadrado dos tempos".


5 comentários

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De Zé raiano a 19.07.2023 às 10:55

o meu Sogro diz habitualmente:
« quem não se sabe governar, sabe gerir a minha vida melhor que eu »


Epílogo. Situación actual del problema: la legitimidad de la Edad Moderna

Teología política.l Carl Schmitt



discute-se hoje o DESASTRE do Período (penso ou tampão) de Monção
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De balio a 19.07.2023 às 11:30


Com que modelos de exploração do trabalho, que [...] se debate com uma profunda escassez de mão-de-obra?


Pois. Mesmo nas regiões do litoral da região centro, mais ou menos densamente povoadas, já se torna difícil arranjar quem queira fazer seja o que fôr na terra. A indústria paga muito melhor e o trabalho na terra, ao sol e frequentemente em zonas de grande declive, é muito penoso.
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De balio a 19.07.2023 às 11:33


é dito que a produção de espécies autóctones é rentável


Rentável até poderá ser mas, como escreveu um autor espanhol num livrinho que uma vez li sobre o assunto, só se torna tal no muito longo prazo. Isto porque uma espécie autótone como a azinheira ou o sobreiro demoram dezenas de anos a crescer e só se tornam rentáveis (se o forem) com 50 anos de idade. E ninguém hoje em dia está para investir no prazo de 50 anos.
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De GG a 19.07.2023 às 18:33

No momento em que as máquinas forem autónomas o trabalho agrícola sofrerá uma verdadeira revolução. 
Até lá..... o abandono de terras pouco rentáveis é inevitável.
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De Anónimo a 20.07.2023 às 15:50

Para eliminar meia dúzia de escaravelhos que tenho ali nas batateiras tenho que gastar 220 paus num certificado. 220 paus dá para comprar muitos quilogramas de batatas importadas de França ou Espanha. A horta, que já não cumpre a função social dos idiotas covid, ficará para criar silvas porque a área é curta para eucaliptos.
O aumento das temperaturas, que agora parece ser anormalidade em época estival, fez aparecer as melgas que nos melgam as orelhas nestas noites mais quentes. A solução para esta sazonalidade, foi adquirir um daqueles difusores eléctricos que aplicam um fitofármaco para afastar as indesejáveis. A sorte foi o moço da caixa do supermercado ser ignorante licenciado e não me ter pedido o certificado de 220 paus.
Passou-se o mesmo com aquele insecticida em spray que adquiri para combater os pulgões que infestavam uns vegetais que a minha patroa insiste em manter cá por casa. O moço da caixa do supermercado já era outro e disse-me, a pergunta minha, que o antecessor, o tal ignorante licenciado, tinha ido trabalhar para o estrangeiro (talvez para as empresas produtoras de batatas, pensei).
Não vale a pena falar das pulgas e carraças que o fiel amigo cá da casa tem o prazer de alojar. Nem das lixívias, detergentes e dos restantes muitos etc's químicos que não pedem o tal certificado de 220 paus.
Ontem o idiota útil do presidente da junta do bairro, eleito nas listas políticas de uma ideologia inútil que suga os cidadãos, num canal regional de TV disse que eram necessárias mais medidas para impedir o resto da desertificação humana que toma conta do país. Que se dane o país. Os escaravelhos que o comam se ainda houver ervas batateiras para os alimentar.

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