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Torrar dinheiro

por henrique pereira dos santos, em 23.06.21

Terá sido ontem apresentado o projecto LIFE LxAquila.

O programa LIFE é um programa europeu, directamente gerido pela Comissão Europeia, objecto de uma selecção exclusivamente da responsabilidade da Comissão Europeia, portanto tudo o que digo neste post não se refere a um esquema manhoso de aplicação de fundos comunitários em Portugal mas sim a opções legítimas de alocação de recursos para a conservação da natureza por parte da União Europeia.

Os objectivos do projecto são meritórios: 

Criar uma rede de custódia composta por proprietários de terrenos privados e entidades públicas, que serão guardiões dos valores naturais da região, e em particular das águias-de-bonelli

Demonstrar que é possível compatibilizar a conservação de predadores com as atividades humanas

A questão que se levanta é a de saber por que razão, para atingir estes objectivos, se escolhe um projecto que tem como alvo a águia de bonelli na região de Lisboa.

Há já muitos anos sugeri que dois empreendedores da área da conservação recebessem um prémio de excelência por terem conseguido vender à EDP um projecto inútil por cerca de dez mil euros de serviços por mês, durante cinco anos.

Como entretanto isso foi há uma década, sugiro uma nova atribuição de empreendedores da década na área da conservação aos promotores do LxAquila, por terem conseguido vender este projecto inútil por dois milhões de euros à Comissão Europeia.

Na realidade, a este projecto aplica-se integralmente o último parágrafo do post para que ligo antes: "Este projecto demonstra que captar mais de meio milhão de euros para resolver problemas de conservação, mesmo inexistentes, apenas exige estratégias de marketing adequadas e capacidade por parte dos empreendedores, tendo por isso um enorme potencial de mobilização positiva para todo o sector", com a pequena adaptação de neste caso não ser meio milhão, mas dois milhões.

O que me incomoda não é que haja quem faça projectos manifestamente absurdos para financiar actividades em grande parte meritórias - e muito menos que o projecto seja co-financiado por uma das celuloses, como é evidente - o que me incomoda são os critérios de decisão da União Europeia que permitem que um financiamento cuja base de atribuição é o valor europeu de conservação dos projectos seja aplicado em projectos que nem têm valor europeu, nem têm valor para a conservação.

A águia de bonelli está em expansão, teria qualquer coisa como 120 casais há dez anos em Portugal e hoje tem cerca de 150, teria meia dúzia de casais na área metropolitana de Lisboa, terá hoje o dobro, mas ainda assim justifica-se o projecto com ameaças mirabolantes como a eventual diferenciação genética de populações que nidificam em árvoras e não escarpas (a reutilizaçao da treta da diferenciação genética potencial com base em factores comportamentais, já usada no tal projecto anterior vendido à EDP, que citei) ou, o que é mais interessante, a argumentação de que como a espécie está presente em áreas densamente povoadas, como a área metropolitana de Lisboa, e é muito sensível à perturbação, quer dizer que está numa situação limite em que qualquer nova perturbação pode levar um casal a mudar de sítio.

Com base nestes pressupostos, deveremos concluir que a duplicação de casais na área metropolitana de Lisboa nos últimos dez anos se deve, com certeza, ao intenso despovoamento da área metropolitana de Lisboa nos últimos dez anos, diria eu.

Com problemas de conservação bem sérios, como os que estão associados à perda de capacidade de gestão activa de serviços de ecossistema, com questões de conservação realmente importantes, como o aumento da capacidade de produzir conhecimento em grupos especialmente desconhecidos, como os invertebrados, com preocupações relevantes como as que dizem respeito à biodiversidade do solo e sua relação com a captação de carbono, com gravíssimas lacunas de conhecimento na dinâmica de espécies da flora especialmente ameaçadas, a opção da União Europeia é torrar dois milhões na reinação com águias de bonelli.

E, a julgar pelo envolvimento institucional no projecto - seis câmaras municipais, companhia das lezírias, e-redes, GNR, ICNF (declaração de interesses, a minha entidade patronal), Parques de Sintra, Tapada de Mafra, financiamento por uma das celuloses, no caso, a ALTRI - parece que toda a gente acha isto normal.

Apesar das muitas vezes em que isto me acontece, não consigo sentir-me confortável com a circunstância de andar demasiadas vezes com o passo trocado na formatura e não saber como se faz para ter a capacidade de andar sempre de passo acertado, como consegue tanta gente sem esforço.


4 comentários

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De Anónimo a 23.06.2021 às 11:17

o planeta bem podia proceder a uma urgente GLACIAÇÃO
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De Anónimo a 23.06.2021 às 15:56

"...não se refere a um esquema manhoso de aplicação de fundos comunitários em Portugal mas sim a opções legítimas de alocação de recursos para a conservação da natureza por parte da União Europeia."


Caro Senhor


Ao ler o excerto do seu texto, que transcrevo acima , não consegui ir mais longe no mesmo: considero uma vergonhosa e injusta discriminação de Portugueses declarar que o homo politicus nacional é de pior qualidade do que o da união europeia. Afinal  este último não é mais do que a acumulação desordenada dos respectivos especimens nacionais: mau, e de pior qualidade porque irresponsável em qualquer assembleia de voto.


Melhores cumprimentos


Vasco Silveira



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De henrique pereira dos santos a 23.06.2021 às 16:22

Leu o que eu não escrevi, limitei-me a constatar que estava a falar de um assunto e não de outro
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De pedro a 24.06.2021 às 15:19

muito tecnico, su_ere, mesmo afirma, torrar, desperdiçar euros.
confirma, em mais um episodio, o que tantos captaram e as noticias alimentam. 
Por mim, acabavam as parcerias,  a cesar o que é de cesar.  Quanto al_umas das empresas referidas  sao o unico financiador ate de modalidades amadoras, está tudo dito, mal. 
outra coisa seriam os _erentes financiarem mas dos seus proprios bolsos. 

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