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A Renascença fez uma peça interessante em que junta declarações sobre os fogos deste ano, feitas por antigos ministros com tutela na área da floresta, sendo Capoulas dos Santos ao mesmo tempo antigo e actual Ministro.
Capoula dos Santos, que, modestamente, se equiparou a D.Dinis, na vastidão da sua reforma florestal, faz afirmações extraordinárias que merecem atenção.
Capoulas dos Santos "considera o lançamento de equipas de sapadores florestais a medida mais marcante da sua anterior presença no Governo e refere que, embora muito criticada na altura, hoje "todos" dizem ser peça-chave na prevenção dos incêndios".
Confesso que não faço ideia de quem são os todos que dizem ser os sapadores a peça-chave na prevenção de incêndios, mas posso explicar por que razão eu não faço parte desses todos, procurando não repetir muito os argumentos que já me fartei de usar noutras alturas.
Suponho que o Senhor Ministro estará a dizer que os sapadores florestais são a peça-chave da prevenção porque fazem alguma gestão de combustíveis.
De acordo com os relatórios do ICNF sobre o assunto, a área média de combustíveis tratada anualmente por equipa de sapadores florestais é de 40 hectares. Saltemos por cima da primeira pergunta imediata: sabendo que muitas equipas tratam o dobro destes 40 hectares, o que fazem as outras? Ver este post, de 2009, e respectivos links do primeiro parágrafo, para ficar com uma ideia.
Portugal tem cerca de 6 milhões de hectares de espaços florestais, dos quais mais ou menos três milhões são matos e os outros três milhões povoamentos florestais.
Embora o que mais arda em Portugal sejam matos, a verdade é que as perdas económicas, e os fogos mais trágicos, são os que se desenvolvem em povoamentos (saltemos por cima da relação entre matos e povoamentos na gestão do fogo, para não complicar).
Admitamos então que o essencial é gerir o fogo em três milhões de hectares. Para isso, é preciso gerir combustíveis em cerca de 20% dessa área. Admitamos que é preciso fazer uma intervenção de gestão de combustíveis de cinco em cinco anos.
Com estes pressupostos, muito conservadores em relação ao que é preciso fazer, até por deixarem três milhões de hectares de matos sem gestão activa do fogo, precisamos então de, anualmente, intervir em 4% de três milhões de hectares, ou seja, 120 mil hectares.
Para isso Capoulas Santos propõe como medida estrutural, ter 500 equipas de sapadores, tratando uma média de 40 hectares, ou seja 20 mil hectares. Vamos admitir um aumento de eficiência para mais do dobro (100 hectares/ ano, por exemplo), Capoulas dos Santos assume que toda a gente está de acordo, começando pelo próprio, que tratar 50 mil hectares de combustíveis por ano, dos pelo menos 120 mil necessários, deixando sem gestão um terço do território que são matos, é a grande medida estrutural de gestão dos fogos em Portugal.
O que me espanta não é que um sociólogo tenha esta opinião sobre a gestão de um problema que não tem grande obrigação de conhecer, o que me espanta é o genuíno espanto de milhares de pessoas, começando em dezenas de jornalistas, pelo facto de Portugal arder como arde quando estas são as bases da gestão política do problema.
Há, no entanto, uma afirmação ainda mais reveladora da raiz de uma política de gestão de fogo desastrosa: a profunda ignorância.
""Penso que, nos últimos dois ou três séculos, foi o único período em que a área do montado aumentou em Portugal. Nessa altura, sustivemos o declínio do montado e invertemos a situação - o montado passou a crescer", um trabalho que Capoulas Santos indica como aspecto mais positivo.
Nos últimos 15 anos, "fui assistindo ao crescimento dos sobreiros", salientou o ministro, referindo-se a estes temas - a criação dos sapadores florestais e a aposta no montado -, como "as marcas" de que se pode orgulhar".
Eu sei que Capoulas dos Santos é um sociólogo de formação e a sua carreira profissional é a de político profissional apoiado na maçonaria, não tem portanto nenhuma obrigação de saber o que quer que seja sobre evolução da paisagem.
Mas acho estranho um sociólogo de Montemor o Novo, sempre ligado ao mundo rural e às políticas agrícolas (mais precisamente, ao dinheiro associado às políticas agrícolas que, apesar de tudo, é uma especialização diferente), nunca tenha lido José da Silva Picão, Mariano Feio, os textos clássicos sobre as transformações do Alentejo no século XIX, na sequência da extinção das ordens religiosas, ou sobre as transformações das políticas de protecção da cultura cerealífera.
Se tivesse lido qualquer coisa sobre o assunto, saberia que o montado se justificava economicamente pela produção de porco (o que desde logo significa que o montado de azinho era muito mais interessante que o montado de sobro), que o interesse pela cortiça é relativamente moderno (o abade de Dom Pérignon só no fim do século XVII, princípios do século XVIII, iniciou o processo da valorização da cortiça na produção de champanhe, e passaram muitos anos até que isso se traduzisse numa verdadeira inversão de valor entre o montado de azinho e sobreiro, que só se tornou esmagadora com a entrada da peste suína africana em meados do século XX, que liquidou, por muitos anos, o porco de montanheira em Portugal e reduziu drasticamente o valor do montado de azinho).
Mas, acima de tudo, teria reparado que o Alentejo (e grande parte do Ribatejo), era ocupado por charnecas imensas que apenas a produção de cereais de fins do século XIX e princípios do século XX veio alterar, trazendo à boleia a portentosa expansão do montado, quer de azinho e de sobro.
Pois bem, a peculiar visão do mundo de Capoulas dos Santos permite-lhe dizer, sem se envergonhar, que é a sua acção como Ministro da Agricultura que provoca a maior expansão do montado nos últimos dois ou três séculos, demonstrando-se mais uma vez que a ignorância é mesmo muito atrevida.
A mesma ignorância e estranha visão do mundo que lhe permite contabilizar como um grande êxito a sua política de prevenção que visa "suprimir os fogos florestais" com base em 500 equipas de sapadores florestais, êxito esse que é claramente visível na capacidade de supressão dos fogos demonstrada este ano.
"Vós que entrais, abandonai toda a esperança".
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