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Também eu não atiro pedras…

por Vasco Mina, em 14.04.19

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Recentemente fomos confrontados com o caso, ocorrido em Espanha, do casal Maria José Carrasco e Ángel Hernández. Ela, com 61 anos, sofria, há trinta anos, de esclerose múltipla e ele foi, durante todo este tempo, marido, enfermeiro e curador. Não vou, neste escrito, alongar-me sobre a tragédia que esta doença significa pois é do conhecimento geral o sofrimento de todos os pacientes que a contraem; apenas referir que a esclerose afetou a mobilidade, a visão e quase por completo a fala; tecnicamente, Maria José tinha 82% de incapacidade reconhecida pelas entidades oficiais e era totalmente dependente (alimentação, higiene, mobilidade,…) do marido. Estava num estado considerado como de terminal e com um sofrimento enorme. Ángel, não suportando mais o sofrimento de Maria José, decide avançar para o suicídio assistido.

Vamos aos factos e tentar compreender porque acabou a vida de Maria José em suicídio assistido. Em Outubro de 2018 o jornal “El País” edita um longo artigo no qual é apresentada a situação deste casal. Maria José Carrasco afirma, com toda a clareza, que “Quero o final quanto antes”. Mas, como é referido no texto, não tem condições de executar a sua vontade pois as suas limitações físicas a tal impediam. Ángel Hernández refere que algum tempo antes, ainda menos limitada, Maria José tinha tentado o suicídio e que tinha sido ele quem tinha conseguido impedir pois considerava, então, que apesar de tudo a sua mulher “tinha suficiente qualidade de vida”. O tempo foi passando e a doença agravando-se progressivamente.

Ao longo dos anos foram pedindo ajuda mas acabaram por ficar sós. Não tiveram filhos pois cedo adoeceu Maria José. Os irmãos de ambos viviam longe e não puderam ajudar. Dos vizinhos sabe-se apenas que tinham conhecimento da situação. As tentativas de apoio por parte do Estado foram totalmente fracassadas: nove anos em lista de espera para uma residência adequada à situação de Maria José e… nada! Tentaram pedir ajuda domiciliária mas ficaram também à espera. Há pouco mais de um ano, Ángel necessitou de ser operado a uma hérnia mas acabou por não entrar no bloco operatório pois não conseguiu apoio para a sua mulher.

Sem apoios de ninguém (o Estado apenas lhe concedeu, uns anos antes, uma reforma antecipada para cuidar de Maria José) montou ele uma verdadeira enfermaria em casa onde nada faltou, nem uma grua para içar a mulher. Mais, conseguiu, com as suas poupanças, suportar alguns cuidados paliativos domiciliários. Com todo o amor tratou de Maria José e esteve ao seu lado todas as horas do dia e da noite. Mas o estado de saúde sempre a agravar-se, o tempo a pesar e o esgotamento de ver, minuto a minuto, o sofrimento de Maria José, levaram Ángel a tomar a decisão de a ajudar a suicidar-se. No dia 3 de Abril passado injetou pentobarbital sódico e ela morreu serenamente pouco depois. Esta ação foi filmada e o vídeo circula na net.

Ángel Hernández sempre manifestou, antes e depois da morte da Maria José, a sua esperança na legalização da eutanásia como solução para o sofrimento de sua mulher. Eu sou contra a legalização da eutanásia mas percebo a posição deste homem. Não é possível a ninguém suportar, só e sem apoio humano, um sofrimento deste tipo! Esta história revela o falhanço total de uma sociedade perante o sofrimento. Falhou a família, falharam os vizinhos, falharam as instituições de solidariedade social, falhou o Estado, enfim… apenas Ángel agiu! Vamos por isso legalizar a eutanásia? Não! Vamos sim dotar de cuidados paliativos, de assistência hospitalar e residencial, de acompanhamento humano, todos aqueles que sofrem. O caminho não é acabar com o sofrimento pela via da morte!

E o Ángel Hernández? Choro com ele e rezo por ele e pela Maria José. Será condenado? Sim, será! Mas sem pena efetiva! Também eu não lhe atiro pedras…

 


6 comentários

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De Anónimo a 14.04.2019 às 22:06

Vasco, muito bom o seu artigo.

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