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Tais quais, oliveiras, olivais

por henrique pereira dos santos, em 23.06.17

"eucaliptais intensivos jogam na mesma equipa que olivais intensivos em matéria de esgotamento de solos, biodiversidade, etc. Mas não tem, de perto nem de longe, o mesmo comportamento em fogos!"

Este comentário foi-me feito por uma pessoa informada, séria, bom rapaz e com formação e conhecimento em gestão de paisagem, a propósito do facto de eu ter dito qualquer coisa sobre a quase irrelevância da questão do eucalipto para a gestão dos fogos.

Vale a pena comentá-lo porque traduz um conjunto de mitos que toldam a discussão racional da gestão do território.

Olivais intensivos, eucaliptais intensivos, milharais intensivos, pomares intensivos, pecuária intensiva, etc., são tudo opções dos produtores que devem ser livres num mercado livre.

Mas é perfeitamente razoável que sejam impostas restrições quando a decisão de interesse individual colide com o interesse público: se, de facto, os eucaliptais tivessem alguma importância decisiva para a gestão racional do fogo, poderia fazer sentido limitar a sua expansão (na realidade, o que seria aconselhável, nesse caso, seria o seu arranque, e não meramente a limitação da sua expansão, porque a situação existente, pelos vistos, já seria incomportável). Não havendo qualquer relação relevante entre gestão do fogo e a presença de eucaliptos, faz tanto sentido aprovar a limitação à sua expansão como atirar balões de água para as frentes de fogo.

Mas poderia fazer sentido aprovar limitações à expansão de eucalipto como à expansão de olivais intensivos se, como é dito no comentário, houvesse perdas relevantes para o solo, a biodiversidade, etc..

Grande parte da fundamentação para este tipo de afirmações baseia-se num método de análise absurdo que consiste em comparar a biodiversidade de espaços produtivos com espaços não produtivos, concentrando-se num dos lados da equação (por exemplo, a biodiversidade) mas omitindo o outro lado da equação (o valor económico).

Os espaços produtivos são simplificações dos sistemas naturais (mais ou menos profundas depende do modelo de gestão desses espaços) e por isso, inevitavelmente, têm um menor grau de naturalidade e, normalmente, um maior valor económico. Há sempre uma troca entre estes dois valores, portanto o que faz sentido não é comparar os dois extremos do gradiente de "naturalidade" mas sim procurar encontrar pontos de equilíbrio que sejam socialmente óptimos, satisfazendo necessidades económicas e ambientais.

Comparar os efeitos dos eucaliptais intensivos (que são uma minoria dos eucaliptais do país) com os dos olivais intensivos é interessante.

Nos olivais intensivos existe rega, o que desde logo corresponde a uma alteração muito mais profunda dos sistemas, mas a existência de água permite arrelvar as entrelinhas, o que pode ser mais interessante para alguns grupos de fauna (por exemplo, coelhos, invertebrados, etc.). Por outro lado, com operações constantes e cargas humanas maiores no olival, para além de um maior uso de fitofármacos e adubos de síntese, é muito mais fácil encontrar grandes rapinas em eucaliptais, à procura de tranquilidade, que em olivais intensivos.

Portanto, do ponto de vista de biodiversidade não é nada verdade que os eucaliptais intensivos joguem no mesmo campeonato dos olivais intensivos: os dois têm, de maneira geral, uma relativamente baixa diversidade biológica, mas os primeiros são mais úteis para espécies mais ameaçadas e os segundos são mais úteis para espécies comuns, podendo, no entanto, ser importantes por produzirem uma base da cadeia trófica mais robusta.

Em relação ao solo os problemas são muito diferentes, mas quer num, quer noutro, os efeitos negativos, e a sua magnitude, dependem essencialmente das técnicas de gestão (por exemplo, haver ou não arrelvamento da entrelinha no caso o olival, passar uma grade de discos ou fazer um fogo controlado no caso do eucaliptal, podem gerar consequências bem diferentes na qualidade do solo).

O interessante disto, e as comparações com pomares de pera rocha ou campos de milho iriam dar ao mesmo, é que enquanto conseguimos discutir todas estas questões numa base relativamente racional para quase todos os usos do solo, o eucalipto tem um estatuto à parte: não é, objectivamente, uma espécie florestal cujo uso deva ser discutido com base na melhor informação disponível e de forma racional, é simplesmente uma bandeira política que se defende, ou não, sem qualquer relação com os factos verificáveis.


1 comentário

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De Agostinho Gomes a 23.06.2017 às 23:21

Vou aproveitar este texto do Henrique para deitar mais umas achas para a fogueira, neste caso as primeiras achas também são de oliveiras. Recuemos ao gigantesco fogo de Águeda do ano passado. As condições meteorológicas seriam muito semelhantes às de Pedrógão, ou seja, muito combustível (muita floresta para arder), temperaturas elevadas, ausência de humidade e ventos com velocidades bem acima dos 60 km/h. Um ou dois dias depois de o incêndio ter sido apagado fui ver os estragos, ainda com troncos a fumegar por todo o lado. Uma das minhas curiosidades era ver como é que o fogo se tinha propagado e se encontrava algumas zonas poupadas para perceber que tipo de vegetação ou árvores tinham sobrado. No lugar do Casal tive a primeira surpresa, um olival jovem e razoavelmente bem limpo com oliveiras bem tratadas e talvez metro e meio de altura todas queimadas. Mas as surpresas continuaram. Cheguei às antigas terras do lugar do Sobreiro e a devastação era total. Um campo bem largo que tinha tido erva, mas que estava perfeitamente limpo, a erva fora cortada deixando apenas espetados no chão os caules secos talvez com uns 5 cm de altura, fora atravessado pelo fogo quase numa centena de metros, tinha o chão todo preto do fogo o ter queimado. Mais impressionante ainda foi o que aconteceu numa estreita faixa de eucaliptal cortado talvez um mês antes do fogo, e que tinha sido limpo de toda a lenha e ramadas restando apenas algum mato rasteiro bem calcado. Essa faixa tem cerca de 200 m de comprimento e 10 a 20m de largura e está localizada entre uma terra de cultivo e um eucaliptal lavrado de plantação recente (o fogo não entrou nem na terra de cultivo nem no eucaliptal lavrado) e o fogo entrou num dos lados, queimou todo o pouco mato bem calcado que havia e percorreu todos os 200 metros saindo pelo outro lado. Agora sempre que alguém me vem falar em limpar as florestas dou estes exemplos para que as pessoas estejam conscientes que em condições meteorológicas extremas por muito bem limpa que esteja a floresta em caso de incêndio arderá toda de qualquer maneira. A uma distância não muito grande, fui a uma zona húmida de antigas terras de cultivo agora ocupadas por eucaliptos com mais de 10 metros de altura e bastante vegetação rasteira. O fogo chegou às proximidades e entrou ligeiramente na terra queimando meia dúzia de eucaliptos, mas toda a zona mais húmida mantinha a vegetação rasteira e os eucaliptos bem verdinhos sem qualquer queimadura. Ao lado um pinhal em zona de menos humidade estava carbonizado, exceptuando os poucos pinheiros da zona mais húmida encostados aos eucaliptos. A cerca de 500 metros de distância em zona relativamente mais seca havia uma belíssima plantação de carvalhos e castanheiros ainda relativamente jovens, plantação essa muito bem cuidada e que estava limpa. Apesar disso não sobrava uma árvore que não estivesse queimada. E o fogo chegou lá atravessando mais uma terra limpíssima, apenas contendo restos de caules de poucos centimetros de altura de erva que estava seca. Avançando uns quilometros para norte, da encosta em frente pude observar a antiga quinta de A-dos-Fernandes, actualmente com eucaliptos e um núcleo de carvalhos. Quase tudo queimado à volta incluindo uma boa parte dos carvalhos, mas ainda restava um núcleo verde de carvalhos. E digo quase tudo, porque umas centenas de metros a norte na mesma encosta também havia um núcleo de eucaliptos verdes. Não sei porque escaparam, na altura não tive tempo para fazer a longa volta para ir a esses locais tentar perceber o que poderia haver ali de diferente e desde então nunca mais lá voltei. Apesar de todos estes exemplos que deixo, sei que todos os mitos vão perdurar, porque estudar problemas complexos exige trabalho e não dá dinheiro e é muito mais fácil e dá mais dinheiro e popularidade falar à moda dos MST e quejandos que lançam bojardas sobre tudo e sem qualquer fundamento nas SICs deste pobre país.

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