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O País paralisado
Portugal tinha um sistema político baseado em dois partidos semelhantes, um de centro-esquerda e outro de centro-direita. Deviam ocupar o poder numa rotação que garantia a renovação regular dos cargos públicos. Quem conquistasse o centro (dando à classe média maiores garantias de segurança) ganhava o poder.
Este sistema era simpático para todos, apesar de algo limitado. Em Portugal, não se desenvolveu a saudável mentalidade das coligações, cuidadosamente negociadas e que garantem o cumprimento dos programas eleitorais, mas também alguma entrada de novas ideias. O nosso bipartidarismo também não era exactamente à inglesa, pois havia franjas, à esquerda e à direita, que somavam cerca de um quinto do eleitorado, no entanto excluídas do verdadeiro poder.
Mas o regime político criado no pós-25 de Abril encontra-se em mutação veloz, para algo de imprevisível. Daí o tempo de verbo.
O PS, no poder, governou nos últimos três anos contra as classes médias, a sua base de apoio tradicional, gabando-se de reformas que não fez. Os bloqueios são os mesmos dos anos anteriores: na justiça, educação e saúde há dois mundos, um para ricos, outro para pobres; ninguém se atreveu a mexer no problema das rendas, o que obriga quase todos a serem proprietários da sua casa ou a viverem em casas profundamente degradadas; o País não está apenas paralisado, encontra-se algures a meio de uma profunda crise económica, com a energia do trabalho sugada pelo excesso de impostos, a energia empreendedora limitada pelo excesso de regulamentos, uma ligação cada vez mais óbvia entre interesses partidários e económicos. A segurança social não foi resolvida e vamos pagar mais tarde, com anos de trabalho adicionais ou reformas mais baixas. Querem também mexer nas leis laborais, introduzir a flexigurança, mas só a parte da flexi.
Muitos patrões atravessam um bom momento, mas é tudo mais financeiro do que produtivo. A banca prospera, com os lucros médios a aumentarem acima de 20%, isto num ano em que a economia nem sequer 2% cresceu. O desemprego sobe e há cem mil portugueses a trabalhar em Espanha e mais umas dezenas de milhares na Holanda e na Suíça e na Inglaterra. Vem aí inflação e se a crise espanhola contaminar a economia portuguesa (o que é provável), vamos ter ainda menos investimento externo, além de que os preços do imobiliário cairão de forma catastrófica. Como a classe média é proprietária das suas casas, o empobrecimento será generalizado e cada português vai pagar com taxas de juro mais altas as hipotecas de casas que poderão valer metade do valor pelo qual foram compradas.
No meio de tudo isto, que faz a oposição? Muda o logótipo.
Uma setinha modernaça, em fundo azul, para esconder a falta de ideias. Os partidos transformaram-se em escadas de carreiras de profissionais da política. No caso da oposição, a actual liderança está blindada contra a rebelião dos barões e irá a votos em 2009. Um milagre só permitido por um “aparelho” que, no fundo, os eleitores não controlam. As primárias são uma farsa, mas também uma garantia de derrota.
Pela primeira vez, nas próximas eleições, não haverá em quem votar, excepto nas franjas. Pode ser o fim do sistema bipartidário, mas esse é o mal menor, pois Portugal pode ficar ingovernável. Está garantido um poder irresponsável, politicamente autista aos problemas do país. Este continuará paralisado e pobre, a distanciar-se dos seus parceiros europeus, com líderes separados da realidade por um batalhão de assessores que lhes dizem apenas o que desejam ouvir.
O que nos vale é que dois terços das nossas leis vêm de Bruxelas e a UE gosta de controlar o maná que distribui pelos seus mais atrasados. Em 2012, lá estaremos a pedinchar mais um pacote de ajudas, pois entretanto teremos caído para 65% ou 60% da média de rendimento per capita, provavelmente atrás da Estónia e da Hungria. E o grande líder de então regressará todo contente, porque conseguimos.
Irreverência
Quando li esta opinião do Eduardo Pitta, a minha primeira reacção foi a de resistir. Tive de reler, para concluir que era mesmo o que estava escrito.
A propósito de uma polémica sobre o encerramento de um blogue de Daniel Luís, Eduardo Pitta escreveu isto:
Acho que há aqui aspectos que convém discutir. Na qualidade de trabalhador assalariado, e ainda por cima jornalista, esta frase soa-me a uma espécie de epitáfio. Gosto de ser irreverente mas, se o Eduardo tiver razão, terei de guardar para mim toda a irreverência que gostaria de cultivar em público. Já que não posso ignorar o feedback das minhas irreverências face à imagem do empregador, preciso de saber até que ponto posso ir. Isto aplica-se certamente ao que escrevo no jornal, mas deverá aplicar-se em blogue? E se eu escrever um livro irreverente? O meu empregador tem alguma coisa a ver com isso? Como bem sabe o Eduardo, o que se ganha em livros ou blogues não chega para pagar a renda de casa, portanto, o meu empregador terá de me sustentar por mais algum tempo... E isso retira-me direitos? Fiz mal a alguém?
Mas este caso é interessante por outro aspecto. Os empregadores podem e devem interferir em blogues dos seus empregados se estes falharem no seu dever de lealdade ou se o contrato de trabalho limitar de alguma forma o direito de expressão do trabalhador. É tudo uma questão de bom senso.
De resto, aplica-se a regra da liberdade. Ninguém tem nada a dizer sobre a minha liberdade de expressão. Ponto final parágrafo.
Mas temo que a discussão não fique tão racional. Um dia virá em que jornalistas como eu não poderão escrever em blogue tudo o que pensam. Será um dia muito triste, garanto-lhe, Eduardo. A natureza dos blogues é esta, a de serem irreverentes com o poder, ou não serem, se lhes apetece. Estamos aqui a falar dos fundamentos da liberdade, que para todos nós não devem ser negociáveis, nem um milímetro, se tivermos sabedoria.
Os territórios
A melhor coisa que podia ter acontecido à Sérvia era perder o Kosovo, a região mais atrasada do país, onde Belgrado apenas possuía soberania formal.
Sei que a ideia é difícil de aceitar e, sobretudo, colide com a opinião quase unânime dos que se pronunciaram em blogues ou jornais. Para muitos, a independência foi mal gerida, vem aí uma guerra, os radicais triunfam. Talvez, mas a Sérvia não tem solução para esta sua perda, excepto a de se fechar num irredutível chauvinismo que não a levará a lado nenhum. A política internacional não se constrói sobre o princípio da equidade.
Se a Sérvia perdeu a sua soberania sobre aquele território, só havia dois caminhos possíveis: formalizar o facto consumado ou devolver o Kosovo aos sérvios. Qual dos dois era menos absurdo?
Os territórios, hoje, não fazem o sentido que faziam antigamente, sobretudo quando estão ligados à ideia de orgulho. No passado, representavam acumulação de recursos escassos. Hoje, o mercantilismo não se pratica e uma região pobre é um fardo. Aliás, o patriotismo é um conceito usado desde o século XIX, teve a sua utilidade, mas tornou-se numa péssima ferramenta para o século XXI, admitindo que estamos na era da globalização.
Há exemplos do que quero dizer, mas gosto deste: em meados do século XIX, no auge de uma onda patriótica da elite, os filólogos húngaros decidiram magiarizar a sua língua. Recuperaram elementos esquecidos, do húngaro bárbaro antigo, e eliminaram palavras e regras latinas, eslavas e germânicas que pululavam na língua do povo. O resultado floresceu nas escolas primárias, mas partes da população nunca aceitaram a língua, demasiado diferente e complexa. Os húngaro-falantes tornaram-se minoritários na sua metade do império e o húngaro ficou associado ao poder da minoria, exacerbando as distinções sociais. Esta bola de neve culminou com um falhanço imperial e a perda de dois terços do território, incluindo extensa parte que hoje é o norte da Sérvia. Mas, lá está: a História nunca foi sobre equidade.
Os que criticam a independência do Kosovo lembram que pode haver outros casos: a Catalunha, por exemplo. Mas estas análises esquecem que a questão catalã é típica do século XXI e tem sobretudo a ver com impostos e com o facto de uma região mais rica de um país não querer pagar tanto para regiões mais pobres.
Para um português é difícil perceber os tribalismos da Europa Central e os custos do chauvinismo patriótico. Vivemos num país que gosta de se embrulhar na bandeira, mas onde nunca existiu o “inimigo interno”. Por outro lado, em certas regiões da Europa, basta andarmos numa estrada dez quilómetros e atravessamos aldeias com línguas diferentes e culturas opostas. Os habitantes de uma e outra não se falam, não se casam, não negoceiam entre si.
O peso do passado, cuidadosamente repetido em narrativas radicais, torna difícil a ideia de que os territórios perderam a sua importância. Mas lembram-se do fim da Checoslováquia? E podia mencionar Hong Kong ou Singapura.
A festa de Islamabad
Uma das piores formas de analisar um assunto distante é aplicar a lógica que rege o nosso próprio mundo. Pelo que tenho lido, houve em Portugal uma interpretação sobre os resultados eleitorais paquistaneses com doses desta distorção. A narrativa é a seguinte: a democracia triunfou nas legislativas e o ditador perdeu um referendo ao seu poder e terá de sair.
Penso que as coisas foram um bocadinho mais complicadas. O Paquistão é um país instável, com uma história de derrotas. Os partidos não são democráticos, mas oligárquicos, tendo na base do respectivo poder elites ocidentalizadas.
Enquanto for o garante da estabilidade, Musharraf estará no poder. Aliás, não pode ser derrubado por via Constitucional. A única situação em que isso seria possível era ficar tão fragilizado que o exército aceitaria a sua queda.
Em 2001, pouco depois do 11 de Setembro, o país vivia numa dessas fases de incerteza. Em Rawalpindi, grande cidade nos arredores de Islamabad, o ambiente era de tensão, embora eu ainda tivesse visto nada (no Baluchistão, onde os partidos islamitas têm força, havia quase uma rebelião dos que apoiavam os talibãs afegãos, de etnias baluche e pastune).
Um senhor muito rico, que vivia numa mansão com vista para o palácio presidencial (a casa pertencera a um ditador militar) organizou uma festa para correspondentes internacionais e tive a sorte de ficar com um dos convites. Ele forneceu os transportes dos hotéis e seguiu-se uma cena memorável. De súbito, desembarcávamos num bairro chique de Londres e falávamos com empresários e doutorados formados em Oxford, os quais nos diziam, enquanto provavam acepipes, que os islamitas não eram significativos. A mensagem era clara: eles não têm importância e nós temos a assunto sob controlo.
Na sala, em estereofonia, a aparelhagem debitava suaves melodias de Julio Iglésias. Apesar de tudo, fiquei com a sensação de que aquele era um mundo fora da realidade, cheio de medo, uma espécie de fortaleza de poderosos alheios ao tumulto lá fora. Lembrava o ancien régime antes da catástrofe.
O tempo passou. Nas últimas eleições paquistanesas aconteceu algo que não foi muito comentado: os fundamentalistas foram afastados do parlamento. Não foram derrotados nas urnas, mas desapareceram. E acho que isso só aconteceu porque era necessário. E lembrei-me daquela festa em Islamabad, que talvez tenha sido, afinal, um pequeno vislumbre do poder.
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