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O dia em que vi o rei Birendra

por Pedro Correia, em 12.07.08

 Mal iniciei a minha primeira viagem ao Nepal, em 1990, senti-me num dos lugares mais fascinantes do planeta – uma sensação que outra viagem, ainda mais demorada, só confirmou.

Os cheiros a especiarias, os sabores delicados, o bife tártaro do hotel Yak & Yeti, os chás, os templos por toda a parte, os mercados ao ar livre, os sorrisos de estranhos, a palavra de saudação Namaste ouvida a cada esquina, jantares em terraços semeados no coração de Catmandu, a religiosidade que impregna toda a sociedade nepalesa, a presença tutelar da cordilheira modelando a paisagem, a deusa-viva Kumari, a praça principal de Patan, a arquitectura histórica de Bakhtapur, a mágica cidade de Pokhara debruada de lagos, uma estrada rasgada na montanha, incontáveis manadas de iaques, as imagens da deusa Shiva, uma sopa de lentilhas entre sherpas ao alvorecer, uma estalagem perdida numa encosta escarpada, os Anapurnas, o pico afilado do Machhapuchhare (7059m) que expedição alguma conquistara ainda, as neves eternas do Evereste observadas a bordo de uma avioneta madrugadora.
Tudo isto e muito mais faz parte das minhas memórias do Nepal. Entre essas recordações inclui-se uma tarde húmida em que o trânsito parou na principal avenida da capital, a Durbar Marg, que num instante transbordou de milhares de pessoas concentradas nos passeios. A qualquer momento surgiria ali o rei Birendra, idolatrado pelas massas. Lá me pus também, à espera do monarca, que não tardou a chegar, numa viatura aberta circulando a ritmo vagaroso, tendo a seu lado a rainha Aishwarya. Acenavam ambos à multidão, que lhes atirava pétalas de flores, enquanto se dirigiam ao palácio de Narayanhiti, algumas centenas de metros adiante.
Nunca mais esqueci esta cena, para mim a mais reveladora da devoção dos nepaleses ao monarca, que muitos acreditavam ter origem divina. Estava ainda distante a trágica noite de 1 de Junho de 2001, em que o primogénito de Birendra matou os pais e os irmãos, suicidando-se de seguida. Esse banho de sangue foi fatal para a secular monarquia nepalesa, que acaba de sofrer o golpe de misericórdia com a proclamação da república pela Assembleia Constituinte reunida em Catmandu. O monarca agora deposto, o impopular Gyanendra, viu-se forçado a abandonar o palácio, que talvez acabe por ser transformado em museu.
Com a queda do último rei, desaparece também a bandeira nepalesa – a mais original do mundo, formada por dois triângulos em vez do tradicional rectângulo. Sempre gostei muito desta bandeira, que encontrávamos por toda a parte no Nepal. Não me afecta nada a partida do rei Gyanendra, embora lamente o destino trágico do bondoso Birendra, o monarca que uma vez vi passar envolto numa chuva de pétalas naquela tarde húmida de Catmandu. Mas lamento o fim desta bandeira tão singular. Eu gostava dela. E sei que os nepaleses gostavam dela também. |

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Um postal do Ruhr

por João Távora, em 21.10.07
Em Essen, venho encontrar uma gente com aspecto duro e de sorriso avaro. A vida nesta terra até é muito "em conta", com os preços quase como os de Lisboa. Chuvisca e já faz muito frio.
Ontem tive tempo para visitar o centro da cinzenta cidade, que emerge dos densos bosques do Ruhr. Nestas paisagens podemos imaginar os mais misteriosos contos de fadas e de princesas abandonadas por maléficas bruxas de chapéu em bico. Em Essen, com a sua arquitectura bem planificada nos anos 50 e 60, o que mais me despertou curiosidade foi a monumental Sinagoga (na imagem) construída no principio do século XX pela então próspera comunidade judaica. Hoje totalmente restaurado do grande incêndio e das pilhagens de 1938, este majestoso templo com os seus imponentes portões ferrados a cobre, sobreviveu miraculosamente aos intensos bombardeamentos dos aliados. Lá dentro encontrava-se uma impressionante exposição sobre as perseguições aos judeus no regime nazi. Durante a minha visita, uma turma de animadas criancinhas da primária circulava pelo edifício em pequenos e saltitantes grupos, naquilo que me pareceu um jogo, tipo “pedi-paper”, num aparente descomplexado convívio com os buracos negros da sua história.
Durante os três dias da Feira que me aqui trouxe, foram revigorantes as caminhadas ao frio da noite, do centro de congressos para o hotel, numa estrada por entre o sombrio parque florestal. Durante estas longas tiradas, logo despontava um saudável apetite para um merecido e reconfortante jantar. Hoje, por exemplo, foi a vez de manjar um belo naco de ossobuco com cogumelos selvagens, regado por uma saborosa cerveja gelada. Não há dieta que resista a uma contrita missão no meio dos bárbaros!
É já amanhã, segunda-feira, pela fresca, que regresso no rapidíssimo ICE directo a Frankfurt, onde, se Deus quiser, tomarei o avião de volta à “terra”. Já com saudades do nosso “pequeno mundo”.

Bilhete postal

por João Távora, em 18.10.07
Depois de muito avião e muito comboio, depois de montado o stand aqui na feira de Essen, na Renânia do Norte-Vestefália, eis-me finalmente instalado no hotel, com Internet e tudo. Para esta expedição trouxe a companhia do Jacinto de Tormes e do Zé Fernandes. Enfim, trouxe um pouco de “casa”.

Na foto: Basílica St. Ludgerus

Notas duma viagem no fim de Setembro

por João Távora, em 30.09.07
Cheguei já de noite ao hotel em Belfast depois de ter percorrido Londres e Dublin em três dias. Trata-se da última etapa duma maratona de trabalho. Cheguei lá de comboio, atravessando as verdejantes planícies irlandesas na companhia de Eça. O tempo está cinzento e frio, à maneira do Inverno português. Chove. Quando, oriundos de Lisboa descíamos para Dublin e atravessávamos as nuvens negras, um casal irlandês de regresso a casa lamentava a sua negra e húmida fatalidade. Fontes Pereira de Melo gabava o clima em Portugal, como uma divina compensação do nosso crónico atraso cultural, industrial, infraestrutural. Na Irlanda até há pouco tempo tinham as duas coisas: o atraso e o mau tempo. Valeu-lhes sempre uma alma enorme.
Em Belfast a chuva não é um acontecimento. Ela cai num choro contínuo, de mágoas ancestrais. Um casal jovem passeia o bebé em Donegall Square num carrinho de coberto por uma capota transparente. As bicicletas rolam indiferentes sob os oleados dos seus ciclistas. O povo ávido de se esquecer, escapa pelo meio da chuva para os seus pubs e bares, para bem regar o fim da tarde.
Em Londres, um gigantesco formigueiro humano, multirracial - o sonho realizado de qualquer verdadeiro internacionalista - labora numa impressionante eficiência e harmonia. Do aeroporto, ao trânsito na cidade, ou numa loja de pronto a comer, tudo funciona "sobre rodas". Nota-se prosperidade, e as pessoas são simpáticas e cooperantes. A mim, até um tardio jantar de Fish and chips me soube pela vida no Langan’s em Mayfair (o local indicado para encontrar genuínos indígenas na tradicional e entusiástica copofonia).
Cai sempre bem um sorriso ou uma piada de ocasião ao viajante solitário, em ambiente estranho e natural tensão. Aconteceu de madrugada, no hall do hotel em Belfast à espera de um táxi para mais uma jornada de viagem e aeroportos, quando comentei com o recepcionista um curioso pássaro de cauda comprida que observava a saltitar no jardim. O simpático irlandês, disse-me o nome do bicho (perdi a nota); e com um sorriso irónico tratou de me informar que, segundo o saber popular, eu teria que ver outro igual antes de partir, ou a visão significava um sinal de azar. Não vi, e cheguei esta tarde a Lisboa, à Portela, sentado na fila treze, de boa saúde e disposição.

Postal (atrasado) de Cabo Verde

por João Távora, em 06.06.07
O jipe de marca japonesa percorre rápido a estrada antiga de calçada que serpenteia pelo interior de Santiago, a maior e mais populosa ilha de Cabo Verde. A paisagem revela-nos o mar, por entre as montanhas de assertivas e bizarras formas, sempre cinzentas cor de Jorra, a omnipresente rocha vulcânica aproveitada também na construção de casas e casebres por toda a Ilha. Nas bermas, assinaladas por pedregulhos pintados de branco, entre curva e contracurva, encontramos constantemente magotes de alegres crianças, fardadas com a cor da sua escola e que galgam quilómetros em constante brincadeira. Alegres, acenam-nos à nossa passagem, com simpatia. Isto é Cabo Verde, é Africa não há dúvida. Mais longe, nas ressequidas acácias, inclinadas e batidas pelo vento, resiste pouca folhagem. Pelas rochas, pedras e caminhos, passeiam-se indiferentes as cabras. Como as vacas e as galinhas que constantemente se nos atravessam indiferentes na estrada. Explicam-nos que sabem onde moram, conhecem os donos... Chegados ao Tarrafal depois de uma rápida visita à prisão, uma inevitável viagem aos infernos da história, às misérias da humanidade, desço à praia e dou um higiénico mergulho nas cristalinas águas tropicais.
De volta “a casa”, fazemos paragem numa estranha e pequena aldeia de frágeis cabanas, dos "Rabelados", um autêntico gueto de um povo que teimosamente nunca cedeu à miscigenação cultural. Resistem estoicamente à margem da sociedade, sem falar crioulo, pintando a óleo umas estranhas e esguias figuras, em telas ou tábuas, que vendem aos forasteiros.
Ainda parámos na Cidade Velha, o primeiro “porto de abrigo” dos portugueses e as suas ruelas e muralhas quase medievais. Pelo caminho, grupos de mulheres gingam as ancas sob os pesados recipientes de água. Ao jantar, enquanto degustávamos uma bela malga de sopa Rolon (sopa de peixe e milho), fui surpreendido e encantado por um nativo que cantava um Funaná di Gaita, uns estranhos e ritmados lamentos acompanhados por percussão e concertina, como um exótico género de blues. Sons de um povo de música, a tocar nas telefonias todo o dia, que é o que se gosta e gasta nesta terra: Morna, Funaná, Coladera.
A Praia, capital de Cabo Verde, é povoada por gente boa, de comércio e serviços, que vive hoje a expectativa de grandes investimentos e dinheiro novo. Possui um novíssimo aeroporto e projectam-se grandes investimentos em infra-estruturas. Que se espera traga mais bem-estar e perspectivas de futuro a este povo sem ressentimentos. Que o rápido progresso e a invasão dos euros não corrompam este seu espírito genuíno e hospitaleiro.
A cinco quilómetros da cidade da Praia, paramos o jipe no extremo da península de Ponta Bicuda, onde o mar e os céus infinitos nos cercam sobre uma agradável brisa. É para lá do horizonte que está todo o mundo, o stress e a agitação. E muita saudade, bem portuguesa.


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