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Recomeçamos o círculo dos dias. Como alguém que receia atravessar o deserto e por isso caminha em volta dos seus próprios passos, assim por exaustão se afasta o destino e o que lhe deu início, se dissolve a origem de tudo o que não chegará a ser.
Queres que escolha um momento, de entre os poucos que sobram retirados os muitos que nunca existiram? Há uma tarde que se repete vezes sem conta e, dentro dela, actos e gestos banais excepto para quem, como nós, apenas os imagina.
Tão diferente é a vida de outros, sem que apercebam o que não lhes falta.
O que pretendo dizer-te é que guardo dessa tarde o seu fragmento mais quotidiano, o mais corriqueiro. Quando te sorri, sem que soubesses porquê.
É um dia sem mar e apenas rastos de sal sobre a areia o vestígio de existires. Nas mãos seguro um búzio, espiral que é esse Tempo de que falas, e dentro dele sopram vozes tão longínquas como a tua, sem que as entenda.
Metálica é esta manhã sem água e o som da tua ausência. Morna é a espera de coisa nenhuma que encerra presságios de nada. Quando regressas?
À nossa frente um caminho branco mas agreste e cercado por árvores caídas. E a seu lado outro, aparentemente mais fresco, um onde as sombras se deitam e nada ofusca ou parece cansar.
Ambos se estendem enquanto ao longe escutamos a música de água que corre sem que se perceba de onde vem. Por momentos, hesitamos. Depois, esses momentos tornam-se dias e estes semanas. Meses, até.
Há então um pássaro que se levanta e voa, que escolhe um dos sentidos indiferente ao nosso espanto. Tomamo-lo por um presságio, seguimos a direcção das suas asas como um gesto inesperado provoca outro. É a escolha, finalmente leve...Ou assim pensamos... Até que o caminho se divida uma vez mais.
«Como uma mentira perfeita». Assim é, na verdade, a soma destes dias por viver.
A minha mão sobre o teu corpo que não estremece, os meus olhos que nada guardam ofuscados por essa vontade indizível, sobre eles uma venda tão inútil quanto a boca fechada contigo lá dentro.
Essa calma de que falas é uma casa aberta. Mas não sei, ao entrar, o que esperas que transporte nos braços para além do teu nome. Só tenho para dar-te pão fresco pela manhã, verdes aromas em folhas de chá, a fervura da água e dos meus beijos.
Com a chama de uma vela acendo outra. Ambas, agora lado a lado acesas, são duas metades de um mesmo fogo. Com algumas palavras acendo outras tuas e este lugar partilha um mesmo incêndio.
Crês que a luz de um acompanha a luz do outro? Que respiro ao teu lado quando dormes, com o sono agitado dos gatos quando a noite...? Não sei. Talvez vejas cada frase apenas como o aceno de alguém que adia o momento da partida. Enquanto assiste, com intuitiva clareza, ao derradeiro crepitar do coração.
Imagem: Gerhard Richter, Two Candles
Passei dias longe das palavras. Ou antes, elas é que recusaram vir comer à minha mão, em cada tentativa logo se apagavam, como uma escrita a giz desfeita, deixando-me apenas pó quando morriam sobre os dedos.
O amor é o que me impede de amar-te. É somente isto o que consigo dizer-te, depois de todo este tempo sem um sorriso teu pela manhã.
Nota bem: Foram as palavras que andaram fugidas como cães na escuridão. Não eu. Eu estive sempre aqui. À espera dessa frase que nunca veio. Essa outra que não aquela que te escrevi.
Às vezes a distância é um postal por escrever. Momentos existem em que a tua ausência se espalha como um segredo mal guardado e arrefece até os dias que guardo por viver-te. É não estares que faz chover por dentro de quando em quando. Ontem foi uma tarde assim.
Em outras horas, na maioria delas, a distância é este barco oscilante que enviamos, de uma margem a outra, com as palavras por remos e dentro dele o Sol. Habitamos a água, não a terra. E líquidas são também as memórias que a fome nos impede de guardar.
Um origami é um trabalho de paciência enquanto os dedos esculpem a folha com exactidão. É indispensável a calma, dizem. Eu não o sei, nervoso, inábil, desacostumado à espera.
Sonhaste-me feito de papel. Talvez o seja. Aqui, um para o outro, somos apenas pássaros cartonados, incapazes de voar. Não imóveis, isso não, mas girando lentamente em círculos como cisnes num pequeno lago.
Um origami pode atingir a perfeição, dizem também. E eu pergunto-te: Será isso o que nos resta?
Falas de futuro e eu sem que ele me ouça. Não acreditas em dias marcados mas aqui estou, vivendo com o peso de cada um deles nos passos adiados que não sei guardar. Mais ímpares do que pares foram os instantes tornados anos e hoje atravesso sem cuidado outros iguais.
Pedes-me uma data, mas porquê? Acaso estarias tu, nessa hora marcada, à minha espera? Estendo o braço com a mão aberta e assim permaneço. Alguns minutos bastam para que o formigueiro nos dedos anuncie a tua pele. Calor e vento se misturam e regressa na vontade de ti uma música entretanto esquecida e o riso, um riso de olhos abertos cuja mãe és só e exclusivamente tu, princípio e fim do tempo. O meio entretanto perdido por entre as linhas.
Queres saber «de que material é feito» o meu coração. Então seja. Mas desculpa-me que te responda em inglês: Patchwork.
Entendes? Espero que não, mas por ti apenas. Um amálgama de vários tecidos e diversas cores, desde a seda à lã mais áspera, do verde água ao vermelho óbvio sangue. Não minto. Ainda não te menti (Não compreendo sequer por que razão necessito de afirmá-lo). Nesse dia por ser nosso verás.
Ah! A velocidade? Podes chegar devagar ou muito muito depressa, por vezes de surpresa e outras porque te peça. Tanto faz.
Aos poucos vou conseguindo atravessar estes dias de porcelana. Ao colocar em cada passo o cuidado necessário para contornar uma falésia aproximo-me de ti, ou assim prefiro acreditar. Múltiplas vozes observam os pássaros que pairam sobre os meus ombros e pressagiam a queda inevitável. Depois, é outra vez manhã.
(Dir-se-ia que nunca mais chove. Estou cansado deste calor, desta espera, desta qualquer coisa que ferve, sem outro nome excepto aquele que me recuso a nomear)
O tempo deve percorrer com o amor todos os lugares, escreveste. Bem tentei - nestes dias de ausência - viver sem ti num lugar onde o amor não interrompesse o ruído do tempo, submerso pelo mar.
Foram dias de sol e vozes roucas percorrendo a areia com o contentamento dos cães. Tu não existires abria-me o apetite logo ao acordar; a manhã um espaço imenso por preencher, ou assim o acreditei.
E no entanto aqui estou, outra vez neste caminho que é apenas nosso e cansa quem simula percorrê-lo, lendo as palavras largadas ao andar, como quem toca com os dedos a cicatriz de uma ferida cuja dor nunca sentiu. Um caminho que me afasta em direcção a esse lugar onde nada me espera. Excepto, mais uma vez, recomeçar.
À pergunta: Por que é que escreve? Saint-John Perse respondia com a usual naturalidade: Para viver melhor. Se calhar, também nós o fazemos por isso e para nos encontrarmos mais perto um do outro. As palavras, sem qualquer disciplina, empurram-nos para a varanda e o prazer é tão certo e virginal que não se consegue viver na quietude de não ter mais. Mas o tempo deve percorrer com o amor todos os lugares para um dia podermos ter os melhores momentos. Talvez aqui, onde tudo se funde, haja temperaturas absolutas.
Sei que a vida, às vezes, é triste e que os dias parecem lentos, mas “só tenho a impressão que és muito contente”.
Com e sem gravata.
«Imensa a extensão das águas, mais vasto o nosso império nas câmaras fechadas do desejo». Foi Saint-John Perse quem o escreveu. E ainda: «Amar é também agir». Um amor que não age é uma vontade desprezivelmente morna, não te parece?
(Repara como escrevi enfim a palavra até agora proibida).
Hoje descobri, no interior de um livro, um postal enviado por alguém cuja língua não é a nossa. Reli a frase, em português assim mesmo escrita: «Tive a impressão que não és muito contente». Doze anos passados, continuo a não ser muito contente.
É-me impossível atravessar a imensidão das águas. As horas têm outras horas dentro delas, o tempo é uma boneca russa por abrir, selada com o teu nome.
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