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Percepções

por João Távora, em 04.01.25

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A propósito da polémica gerada à volta da rusga na Rua do Benformoso, a esquerda em peso, na sua tradicional rejeição da burguesa autoridade policial, veio berrar contra o perigo das políticas condicionadas por “percepções”. Como se não fosse a função principal dos políticos gerir e cuidar das percepções geradas pela realidade que cada um experimenta. De resto uma percepção não é errada em si e é bom que cada um leve a sério as suas. A esquerda é aliás mestre no aproveitamento de percepções, ao acicatar a inveja contra o empreendedor capitalista, jogando com a percepção de que a riqueza é um bem estanque, que quando um empresário capitalista enriquece, o faz à conta das pessoas que empobrecem, como se a riqueza circulasse no mundo em circuito fechado em vasos comunicantes. O que a realidade analisada com cuidado nos mostra é que um empreendedor, ao criar um produto novo com interesse para o consumidor, (tomemos como exemplo a lâmpada eléctrica, ou a gravação sonora para consumo de Thomas Edisson) vai gerar uma riqueza que doutra forma não existiria, já para não falar do emprego que cria e dos impostos que gera, para usufruto do tão amado Estado.

Evidentemente que a percepção de insegurança é um problema que terá de ser aplacado pelo poder político, de pouco valem as estatísticas nacionais, no caso concreto de uma rua ou bairro onde de facto os moradores, vizinhança ou passantes se sentem inseguros, perante um panorama de consumo ou tráfico de droga. De resto, de pouco serve a comparação da realidade de Lisboa ou Porto com a realidade de uma grande metrópole sul-americana, a um munícipe que tenha sido assaltado na Meia Laranja ou que tenha receio de circular à noite numa rua dos subúrbios de Lisboa.

Nunca a longevidade, as condições sanitárias e os recursos de saúde foram tão democráticos como nos dias de hoje, mas convenhamos que é importante aplacar a percepção de insegurança de um utente na perspectiva de se confrontar com a necessidade de acorrer à urgência de um hospital. Os políticos no poder e na oposição sabem bem disso, que é pelas percepções que ele se conquista e perde. A estatística de pouco vale em confronto com as percepções; como sabemos, a Estatística é a ciência que diz que se eu comi um frango e tu não comeste nenhum, teremos comido, em média, meio frango cada um.

Bom Ano Novo a todos os leitores do Corta-fitas

O caminho para o abismo

por João Távora, em 12.04.23

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Tenho para mim que a dissolução do parlamento pelo presidente da república é um golpe de Estado, mesmo que constitucionalmente legitimo - não mudo de opinião por mudarem os protagonistas. A “bomba atómica” trata-se dum absurdo confronto entre duas legitimidades, uma unipessoal - a do presidente da república (imaginem que ele era um tonto egocêntrico), e outra colegial, esta última legitimada pelos votos de comunidades nos seus representantes no parlamento há pouco mais de um ano.

Com isto não quero dizer que não reconheça a degradação do ambiente político por via de oito desgastantes anos de poder socialista empenhado a distribuir benesses às suas clientelas e gerir a popularidade pelo ilusionismo. Na minha opinião a discussão sobre a dissolução do parlamento só serve para alimentar audiências na comunicação social e aos comentadores que vivem da especulação e intriga política. Mas o pior de tudo é que a simples ameaça da dissolução que Marcelo exibe como como bomba-relógio corre o risco de resultar num sentimento de acrescida inimputabilidade do governo, paralisado pelo medo de si próprio, da sua incompetência, da sua sombra. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, o governo ver-se-ia obrigado a enfrentar os seus erros, a regenerar-se e a trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo conservador em Inglaterra na sequência dos escândalos de Boris Johnson e da crise que lhe sucedeu.

Pior do que vivermos num país manso e socialista é a arquitectura do regime semipresidencialista e das suas degradadas instituições em que já ninguém acredita. Nisso ninguém quer mexer... porque gostam. 

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Talvez por coincidência, enquanto o António Costa e o PS, ao estilo mais populista e demagógico, aliados com a extrema-esquerda tomam de assalto os destinos de Portugal acabado de sair de um doloroso resgate financeiro, quando desesperançados pensávamos que tínhamos batido no fundo, o pior estava para vir: emerge André Ventura, com um discurso revolucionário e demagógico, ao pior estilo do PCP e do Bloco de Esquerda, a fracturar uma direita já de si exaurida. Não é preciso recordar o descaminho que acelerou desde então, mas que se reflecte bem no desaparecimento do CDS e na conquista da maioria absoluta pelos socialistas a que estamos condenados para a eternidade, como que um castigo divino. O PS ocupou o centro político, ocupou o regime e o Estado com que se confunde, enquanto o país empobrece continuamente atolado num destino medíocre, com um macaquinho de realejo como Chefe de Estado.

Aqui chegados temos o partido Chega a misturar o discurso anticapitalista e assistencialista da esquerda radical com o nacionalismo populista "anti-política", reclamando a continuação de apoios governamentais de 125,00 (e a vigilância do povo para que não o gaste em álcool e drogas) e a taxação dos “lucros excessivos” dos privados oportunistas, que têm de ser vigiados de perto pela Autoridade Tributária, de modos a que continuemos garantidamente e igualitariamente todos muito pobres e dependentes de subsídios – os tempos de carência que aí vêm convidam à narrativa. O mesmo André Ventura que se junta aos comunistas a afrontar a gestão da Câmara Municipal de Lisboa – um oásis da direita civilizada em Portugal - exigindo os cartazes de propaganda política de volta à Praça Marquês de Pombal - monumento que a bem dizer não faz falta nenhuma. Enquanto isso a Iniciativa Liberal afunda-se numa guerra interna, o PSD faz pela vida no seu canto do hemiciclo a encaixar as ordinarices do Primeiro-Ministro. E ninguém se lembra de exigir uma taxa pelos lucros excessivos da Autoridade Tributária. Perante este trágico panorama em que é que havemos nós de gastar os 125,00 €?

Fotografia CML -  Curiosa imagem da Praça Marquês de Pombal nos anos 70. Facilitava-se nos cartazes, no estacionamento e na venda ambulante de atoalhados. 

A república do faz-de-conta

por João Távora, em 18.05.22

Para além do transtorno para os clientes, parece não haver qualquer noção do prejuízo para o ambiente que significa uma greve do metropolitano de Lisboa. Os mesmos que fomentam estes conflitos querem acabar com o transporte individual na cidade. Já o ministro Pedro Nuno Santos assobia para o lado, como se não fosse nada com ele.

A sorte de uns é o azar dos outros

por João Távora, em 09.03.22

Que os governos socialistas nos governam com o foco principal no marketing e no controlo da comunicação (a direita tem muito a aprender nessa matéria, ai tem, tem!) já nós sabíamos. Que para o controlo dos ímpetos inquiridores da oposição, da comunicação social e das massas em geral os dois anos de pandemia caíram como sopa no mel a António Costa que, com Graça Freitas, armou em paizinho do povo amedrontado com o número de infecções diárias, parece-me evidente. Agora, quando o Partido Socialista na posse de uma maioria absoluta a queimar-lhe as mãos, fazia contas à vida e às verbas da bazuca para pagar a factura de dois anos de recessão e entorpecimento produtivo, cai-lhes ao colo, vindo do Leste, uma guerra brutal como não se via há muito, e a consequente crise energética e inflacionaria a agigantar-se. As primeiras semanas tem servido aos nossos governantes para, perante o choque e pavor (outra vez o pavor) passearem-se nas TVs com discursos emocionais e solidários, que confrontados com a estúpida da guerra nos parecem profundamente sensatos e tranquilizadores – para nosso consolo o desconchavo afinal é carisma exclusivo dos ex-parceiros de governo, BE e PCP. Perante este jogo de sombras, subitamente com a guerra a entrar-lhe na carteira, o povo conta os tostões e corre para as bombas de gasolinas. É neste ambiente de guerra que Marta Temido surge nas TVs a avisar que, em resultado da chegada de refugiados “um crescimento do número de transmissões de Covid-19 pode acontecer” e que que “o país continua a estar num contexto de pandemia e de emergência de saúde pública internacional”. Pelos vistos custa muito à senhora ministra largar a panaceia da pandemia. A realidade bem dispensa mais manobras de distracção.   

Uma metáfora que nos entra pelos olhos adentro

por João Távora, em 26.10.21

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Há uns dias, num inadvertido zapping nos noticiários, calhou-me confrontar-me com a notícia de uma multidão de migrantes da américa central em marcha pelo México a caminho dos Estados Unidos da América, gritando com todos os pulmões “Libertad! Libertad!”.  

É amanhã o dia da libertação?

por João Távora, em 30.09.21

A desculpa de que o último ano e meio foram tempos duríssimos para o governo - ouvi-o hoje da Ana Catarina Mendes na TSF, sempre com a disposição de um rottweiler a defender o dono, justificando os bons resultados do PS nas autárquicas - é uma rotunda mentira. A pandemia foi dura para os portugueses sim, mas um bálsamo para o governo, que andou em roda livre num jogo de faz de conta, com o país político bloqueado e subjugado ao tema da doença. 

Salvar a Pátria

por João Távora, em 24.02.21

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O retorno à ribalta política de Pedro Passos Coelho como salvador da pátria é um assunto recorrente no debate à direita que reflecte bem a profunda crise que atravessa, com clara dificuldade de renovar-se com novos protagonistas, mas principalmente de assumir bandeiras que entusiasmem um eleitorado tendencialmente resignado – e assustado. Esse sebastianismo também espelha uma falta de autoridade e reconhecimento público das elites políticas envelhecidas que há décadas circulam desgastadas pelos corredores do poder e seus vasos comunicantes: há muito que o serviço público vem deixando de atrair os melhores, seja pela fraca remuneração duma carreira política, mas principalmente por causa do desprestigio em que esses cargos decaíram. Evidentemente que há excepções que só confirmam a regra, e percebe-se a veneração que Passos Coelho suscita numa direita inconformada com a decadência permanente dos indicadores económicos e o desprestígio das instituições do país.

Mas o seu tempo na ribalta política passou: se Passos Coelho foi o salvador da Pátria e o sucesso no resgate do País se deveu à sua heróica resistência, por esse motivo conquistou demasiados inimigos e preconceitos, e suspeito que será sempre uma personalidade desgastada pelos anos de chumbo que lhe alienaram o centro político.
Para mais, se não queremos somar aos já muitos problemas do país um choque geracional a prazo, parece-me urgente a promoção de novos actores no espaço público partidário, urge rejuvenescer as lideranças, que tragam um discurso renovado e mais afoito para denunciar os nossos vícios velhos e inspirar alguma esperança no futuro. A tralha ferrugenta que se pavoneia em comentários nas televisões são o espelho duma decadência que urge inverter.

Também é por isso que deposito altas expectativas em Francisco Rodrigues dos Santos que gostava de ver mais vezes no espaço público, para que sem complexos se dedique a uma agenda de valores conservadores e liberais, que tanta falta fazem ao equilíbrio dum debate político que se queira estimulante. Bandeiras não hão-de faltar a uma direita rejuvenescida que conseguisse emergir do pântano moral, político e económico em que estamos todos atolados.

Triste sina a nossa…    

por João Távora, em 28.01.21

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É impressão minha ou no meio da comoção com a pandemia, o governo perdeu definitivamente qualquer coerência discursiva? Depois do "milagre português" na guerra contra o Covid-19 se ter transformado no pesadelo dos portugueses; ao mesmo tempo que se prenunciam atrasos na distribuição das vacinas na Europa começamos a perceber que a oligarquia que nos pastoreia já cuidou de garantir prioridade de vacinação aos apaniguados do costume, os que lhes garantem o poder absoluto sobre o Estado, sejam deputados, autarcas, juízes, magistrados ou funcionários públicos de diferentes organismos, uma casta de mil eleitos nesta primeira fase. Podemos esperar sentados pela nossa vez a assistir ao despudorado tráfico, ou aguardar sem surpresa que as vacinas apareçam no mercado negro. Entretanto, António Costa, de quem todos ansiavam por mais uma entrevista ou intervenção televisiva foi ontem convidado para o programa de debate "Circulatura do Quadrado", onde garantiu aos seus velhos amigalhaços que o ministro da Educação nunca disse que era proibido o ensino online e prevenido as escolas privadas que “não espreitem a excepção, que não tentem fazer diferente" e que “Esta é uma interrupção lectiva para todos”, tudo fantasias da nossa cabeça. A falta de vergonha nas aldrabices que proclama é reveladora da impunidade que o Primeiro Ministro goza por estes dias tão estranhos de confinamento mental.

Enquanto isto, para minha grande consternação, o país assiste atónito ao processo de autofagia do CDS enredado num processo de assalto ao poder, que desconfio, se não se procurarem tréguas e consensos, a facção que ganhar apenas conquistará um monte de escombros e cadáveres. Triste sina a nossa...    

Ainda acham que vai tudo ficar bem?

por João Távora, em 18.11.20

Sempre fui daqueles que achava o nosso sistema político desequilibrado sem uma ala direita robusta e descomplexada, assumidamente conservadora, liberal e reformista. O que eu nunca pensei é que essa facção emergisse através de um oportunista agarrado a causas tão bizarras quanto a castração química de pedófilos, a segregação dos ciganos ou o anti-parlamentarismo (amigos garantem-me que é um visionário que isso dos ciganos e da castração quimica são só velhos truques para dar nas vistas e que tem um programa político sofisticado para a nossa salvação, mas nunca o ouvi a falar disso). Mas a realidade é aquilo que é, não há vazio em política, e a direita, atordoada com a epidemia entrou em processo de autofagia. Começa-se a parecer demasiado os monárquicos depois da implantação da república: eram muitos e bons, tão bons que não se conseguiram entender. Até hoje...
Enquanto isso, António Costa passeia-se entre os pingos da chuva, o socialismo cristaliza-se no poder e o processo de empobrecimento dos portugueses acelera de forma assustadora. Com a nossa frágil economia praticamente estagnada e incapaz de gerar os recursos que inevitavelmente terão que ser despendidos para evitar uma tragédia de proporções bíblicas. Entretanto a Comissão Europeia “reforça alerta sobre elevado endividamento de Portugal". Triste destino este de ser português nos tempos que passam em que o político cuja inteligência sobressai do debate morno e aparvalhado parece ser o jacobino do Sérgio Sousa Pinto.

Parabéns à prima

por João Távora, em 10.11.20

Para lá das subtis ressonâncias de disputas internas que este artigo releva de dentro da selecta bolha liberal-conservadora que conheço bem (alguns dos subescritores são meus amigos), o que sobra deste "manifesto" é o palco que dá ao Chega (não se fala de outra coisa) e o serviço que prestam à oligarquia socialista que começa a acreditar que poderá perpetuar-se no poder. Mesmo a tão virtuosos democratas ficava-lhes bem um bocadinho de humildade.

Adenda: 

A este propósito, transcrevo a opinião cristalina do João Gonçalves publicada no Facebook:

É preciso situar graficamente este texto no jornal. Está imediatamente ao lado de uma página cujo título é “acordo com o Chega é para toda a legislatura”, uma referência aos Açores. Depois, convém situá-lo politicamente. Eu saúdo-o. Porque vem simplificar o seguinte. Há no corpo político, orgânico e inorgânico, da Direita, ou seja, do que começa no PSD para lá, duas “doutrinas” como se diz no Direito. A primeira, representada, entre outros, pelos plumitivos desta prosa, “pensa” como o dr. Costa. Há “linhas”, “cercas”, “pilaretes” etc. que a Direita “mainstream” deve colocar entre ela a outras Direitas, uma amálgama que vai desde os “populistas” aos “iliberais” e aos ominosos “trumpistas”, por exemplo, para impedir que a Direita “virtuosa” seja contaminada pelas outras. São os herdeiros espirituais dos que, no PPD de 1979, não queriam a AD por temerem ser muito “reaccionária”. No entender desta Direita, pode conviver-se com as Esquerdas porque, apesar de Esquerdas, são “nossas”. E as Esquerdas, em geral, retribuem-lhe com idêntico carinho: “são direitolas fixes, dos nossos, que podemos tratar por tu, nas tvs, nos jornais, nos cafés, nos nossos escritórios colectivos”. A segunda Direita, por enquanto “de segunda”, não “chique a valer” como a primeira, valoriza o voto popular de outra maneira. Se o voto determinou a eleição de representantes de outras Direitas, então a Direita tem o dever politico e moral de pelo menos falar toda entre si antes de alguma dela se ir aninhar num edredão já cheio de outra gente, a saber, “deles”. É que para esta Direita - na qual me situo- há um “eles” e um “nossos” que não se confundem. O que aconteceu nos Açores é tão legítimo e, em certo sentido, lógico que até o dr. Costa anuiu, dizendo, e bem, que com ele não. Pois claro que não. Ele tem noção que os “dele” não são os “nossos”, coisa que nos “nossos” não é tão fácil de entender. A respeitabilidade democrática vem do voto popular, não vem de sermos muito amiguinhos uns dos outros e de partilharmos os mesmos gostos, gracinhas e fofuras. A política separa para unir mais à frente quem deve unir nas respectivas diferenças. O que se passou nos Açores foi um lance de inteligência política da Direita toda, e nada muda nos diversos “campos” dela. Sem uma autoridade política indisputável como em 2011-2015, a Direita ou é toda ou não é nada. O resto são conversas de chacha para “eles” aplaudirem. 

O contexto

por João Távora, em 08.10.20

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Toda a gente que tenha nascido antes do ano 2000 sabe que o “contexto” de um governo (chamado) de direita, quase sempre na sequência duma falência, degrada-se em menos tempo que o da legislatura, chega ao fim nas lonas - não há medida que não resulte em escândalo no ruidoso coro da maioria sociológica de esquerda que domina regime por dentro e por fora, a comunicação social, as corporações e sindicatos, as grandoladas e demais activismos, cujas agendas se sustentam dum país pobre e subjugado. A direita no poder passa a ser fascista, não há contemplações, é intruso a enxotar.

Já o “contexto” de um governo "progressista", com a conivência dessa maioria sociológica dominante, é genericamente manso e acrítico – pobres mas conformados. Isso permite aos socialistas a consolidação do controlo do Estado com que se confundem, minar qualquer réstia de escrutínio e entrave à sua captura, tornando a democracia mera letra morta. Isto tudo por um prato de lentilhas ou bacalhau a pataco. Temos aquilo que merecemos, e no topo, como uma cereja, essa coisa inútil do presidente da república.

Os donos disto tudo

por João Távora, em 21.07.20

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O lugar do Partido Socialista é de tal forma hegemónico no regime que há momentos em que a disputa interna entre os seus dirigentes e suas tendências é politicamente mais relevante que a disputa desse poder com os líderes da oposição. Pedro Nuno Santos que em boa hora se desfez do seu Porsche já afronta António Costa pela esquerda, numa linguagem que se aproxima do bloco, demarca-se do apoio a Marcelo nas presidenciais. Mais social democrata é o Fernando Medina, pragmático promotor de eventos, gestor de estacionamentos e ciclovias, está a construir o seu curriculum numa grande câmara municipal como fez Rui Rio que nesta luta por São Bento arrisca  a tornar-se irrelevante. Ou algo muda depressa ou tudo irá resolver-se no Rato, até a distribuição dos milhões de Bruxelas.

Da mediocridade

por João Távora, em 07.01.20

Ainda sou do tempo em que se debatia uma revisão constitucional que retirasse ideologia ao regime e da discussão sobre limites da intervenção do Estado na vida das pessoas. Às vezes, à mesa do jantar, ainda recordo saudoso aos meus filhos incrédulos esses ideais ambiciosos. A dívida que nos sobrou da crise de 2011 não nos deixou só pobreza, tolheu-nos as aspirações.

Sarna para nos coçarmos

por João Távora, em 02.11.19

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Extraordinária é a capacidade de atracção que têm os extremos em política, totalmente desproporcional à sua real representatividade nas comunidades. É um pouco como o fascínio que exerciam na populaça os circos de horrores do século XIX, com a mulher de barba ou o homem elefante. Na verdade, o Livre de Joacine, por exemplo, obteve em termos nacionais 57.000 votos (menos 10.000 que André Ventura), coisa que em relação aos 10.800.000 votantes significa pouco mais que 0,5%: ou seja, uma em cada duzentas pessoas com idade de votar. O facto é que nas últimas semanas a estreia destes protagonistas em São Bento domina as conversas de café, as redes sociais e a opinião publicada. Hoje por exemplo, a troca de galhardetes entre o comentador Daniel Oliveira e a deputada guineense no Twitter (estão bem um para o outro) está em destaque no Observador.

Mas o que interessa é pôr os pés no chão: será que as preocupações de Joacine e de Ventura reflectem a realidade do meu país? Vive a Nação o perigo de desagregação e a insegurança oprime os portugueses de tal forma que receiam andar na rua com o relógio no pulso? Vive-se em Portugal um mal disfarçado apartheid e as pessoas de cor são estigmatizadas pela segregação racial? A percentagem de votos que os elegeu indica o contrário.

Pela minha parte o meu testemunho vai pelo mesmo caminho: nos sítios por onde circulo faço-o em segurança, seja na praia do Estoril onde convivem pacificamente mundos diferentes (?) como o dos turistas e das famílias em harmonia com a rapaziada que vem dos bairros periféricos mergulhar ao paredão, seja na cidade de Lisboa e nos transportes públicos em que um homem de meia-idade, de fato e gravata como eu, é tolerado sem problemas de maior – ando à vontade pela cidade e já por mais que uma vez jovens corteses me ofereceram lugar sentado nos transportes públicos, sem que na realidade eu precise. Depois há os "afro-descendentes" com quem me cruzo amiúde, seja o empregado da pastelaria com um sorriso benevolente, seja a graciosa mãe com dois filhos pequenos no banco da frente do comboio que partilhamos, ou o padre em Cascais que celebra a missa de domingo. Contrariamente ao discurso fracturante e de ódio que os extremos nos querem impingir, prevalece em mim a sensação de que somos uma nação integradora e tolerante, na qual os meus filhos têm espaço para crescer com valores hoje minoritários – que são os da minha casa. Mas essa é outra conversa, uma outra luta que dificilmente pode ser travada na arena política, porque é eminentemente cultural. A prosperidade de Portugal depende de problemas graves e complexos por resolver, mas definitivamente não são as guerras que André Ventura e Joacine Katar Moreira nos querem impingir. Mero entretenimento ou sarna para se coçarem.

Debatam, mas não muito!

por João Távora, em 27.09.19

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É um costume pouco democrático mas o facto é que há demasiados políticos e "fazedores de opinião" sempre prontos a moralizarem sobre as formas mais ou menos legítimas de fazer política, na ânsia de limitarem a disputa e o espectro das ideias, sobre o que deve ou não ser tema de debate ou de campanha, quais as temáticas verdadeiramente elevadas ou rasteiras, populistas ou sofisticadas. Nessa lógica, recordemos que em tempos se pretendiam proscritos da agenda os temas económicos, que eram afinal meras "contas de mercearia", porque havia "mais vida para além do deficit". Por estes dias não são poucos os que consideram que os casos judiciais devem ficar de fora de discussão até que as decisões transitem em julgado, uma esperteza saloia para promover a impunidade dos protagonistas visados. Mas a temática que mais incomoda a intelligentzia regimental e de modo crescente à medida que as eleições se aproximam, são sem dúvida as chamadas questões de costumes que se eclipsaram dos debates. Como se houvesse questão mais determinante para o sucesso de uma civilização que a dos costumes. Curioso como as propostas dos partidos sobre o aborto (um assunto que o regime pretende arrumado e bem escondido das nossas consciências), a eutanásia, a adopção de crianças por homossexuais, o casamento, a família, a autodeterminação de género (o que quer que isso seja), as barrigas de aluguer, a liberdade religiosa ou até o multiculturalismo, acabam censurados dos discursos partidários, condicionados por um estranho puritanismo higiénico. O que há afinal de mais importante para uma comunidade do que os "costumes" em que as suas relações assentam, aquilo que ninguém quer debater e muito menos levar a votos? No fim, somos todos pela igualdade, social-democratas, ecologistas e anda toda a gente a brincar às alternativas. Depois queixem-se da abstenção. 

Sentido único

por João Távora, em 07.08.19

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A questão que deixa livre o terreno para o crescimento do BE aqui referido por José Manuel Fernandes é que ela deixou de ser a economia - esse assalto fica adiado para futuras núpcias, se a coisa se proporcionar. O BE socialdemocratalizou-se (o modelo económico obrigatório em Portugal) e cavalga, entranhado com outros "progressistas" nas redacções dos media de massas (Obesrvador incluído), a batalha cultural. Desse modo, sem pudor, estabelecem os parâmetros do que é um discurso politicamente aceitável - veja-se a forma "activista" como as televisões abordam o Brexit, os migrantes, ou, nos últimos dias relacionam os assassinatos em massa nos EUA com o discurso (!) de Trump. Sem contraditório nem lugar à complexidade, pura propaganda, um proselitismo tão descarado que enjoa. Não vos quero estragar as férias, mas abram os olhos: eles são muitos, e o mais grave é que, no recreio do regime de que se sustentam, eles são os donos da bola. Nós só jogamos quando eles querem e na posição que lhes apetece. Para não estorvarmos deixam-nos ir à baliza, já não e mau - sem demérito para os bons guarda-redes, que são o último reduto e às vezes fazem milagres.

As contas fazem-se no fim

por João Távora, em 16.07.19

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Parece-me que já vi este filme algumas vezes. Com o prenúncio de um resultado histórico das esquerdas, que arriscam em Outubro alcançar 2/3 dos lugares no parlamento pela primeira vez desde o 25 de Abril, a direita a dois meses da campanha eleitoral entretém-se furiosamente à caça da própria cauda. São indisfarçáveis as contagens de espingardas, os julgamentos e distribuição de culpas que escapam entre dentes dos barões, sargentos e soldados que gravitam neste espectro político. Por exemplo, a  liderança e os actores principais do CDS passaram de bestiais a bestas, surgem crenças messiânicas, e voltam a ser invocadas as maiorias silenciosas adormecidas desde 1975, eternamente escondidas no espectro da abstenção. As razões apontadas para o anúnciado descalabro (uma profecia auto-realizável) são muitas: há quem diga que pagamos o preço duma má governação durante a Troika, que não há projecto nem mensagem,  que a Assnção Cristas declarou-se a favor do casamento entre homossexuais, que falta um líder para o povo seguir.
O que há é uma conjugação extraordinária de circunstâncias negativas, por demais evidenciado nas eleições europeias; e o prodigioso erro na questão dos professores não explica tudo, há que considerar o histórico não muito distante: houve a humilhação da direita em 2015 (que não chegou à maioria porque com os anos de chumbo do resgate perdeu a sua quota de funcionários do Estado e seus familiares) por uma coligação inimaginável dos socialistas com a extrema esquerda que arrefeceu de forma radical a conflitualidade social, que evitando agitar em demasia as águas (reformas) apanhou boleia da inevitável retoma e abrandamento da austeridade... e o diabo não veio, que a Europa nos proteja. 

É em consequência destas fragilidades que se assiste, a par com um fenómeno meramente emocional de desmotivação, a um perigoso fraccionamento da direita em novos projectos mais ou menos pessoais mais ou menos ideológicos. Os liberais já não querem nada com os conservadores, que cortam com os democratas cristãos que viram costas aos sociais-democratas. E há os oportunistas.  

Mas de nada serve ter razão antes de tempo. A dinâmica para ser vencedora deveria ser exactamente no sentido contrário, de unidade, para uma alternativa clara ao fado do socialismo. Acontece que um partido vencedor terá sempre de ser uma federação de opiniões que concorram entre si sem se anularem. Afinal a pureza ideológica que muitos reclamam é um sinal de perigosa decadência, simplesmente porque tal coisa não existe, e quando e existir certamente será proveniente dos últimos dois militantes em véspera de uma cisão. 

Por agora há que fazer das tripas coração e evitar uma humilhação à direita. Os próximos meses serão decisivos no alerta e na mobilização contra uma esmagadora hegemonia da esquerda que torne o ambiente do país ainda mais fracturado e irrespirável. As contas fazem-se no fim.

Sondagens, para que vos quero!

por João Távora, em 18.04.19

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Segundo a sondagem de Abril da Aximage, enquanto o PSD alcança o PS, o PCP e o BE sobem ligeiramente, o CDS recua para os 6,4% e os partidos novos não obtêm expressão significativa. Dir-me-ão que o inquérito é para as Europeias, não replicável para as legislativas, que é só mais uma sondagem (sempre erradas no que refere ao CDS e pouco fiáveis com votações exíguas como será o caso do PAN, do IL e do Aliança); mas o que é inegável é que ela reflecte a já proverbial inamovibilidade do “mercado” eleitoral português.

Como é que se explica tudo isto? As coisas às vezes são muito mais simples do que parecem:  Ontem quando ouvia o final do Debate Quinzenal no parlamento confesso que fiquei chocado com o discurso radical socialista. Fiquei com a ideia de que, em desespero com as recentes broncas e casos, o PS está a cometer um erro ao extremar-se à esquerda, quando, como se sabe é tradicionalmente ao centro que se ganham eleições.

Quanto ao CDS, tenho há muito a convicção de que o seu espaço de crescimento é relativamente limitado num país pobre como o nosso. É um partido de nicho, e tem o seu espaço entre os conservadores e os liberais (à antiga), que em vez de assumir esse discurso com clareza, cai demasiadas vezes na tentação de querer “apanhar tudo” (veja-se a ambiguidade do partido na questão dos professores). O sucesso eleitoral autárquico (em Lisboa) não é replicável numas eleições legislativas, e muito bom será se Assunção Cristas nas europeias ou legislativas alcançar os resultados de Portas, que admitamos, tinha outro carisma.
Mas a grande surpresa destas sondagens é a performance de Rui Rio. O que é que ele tem feito para isso? Tem-se fingido de morto, que é a única estratégia que lhe permite chegar vivo a Outubro (em coerência com esta tese foi um erro ontem no parlamento o PSD ter pegado no pavoroso assunto da sustentabilidade da Segurança Social). O PSD sabe, como António Costa deveria saber, que em Portugal as eleições se ganham ao centro e não fazendo muitas ondas. Acontece que a grande maioria dos portugueses vive no limiar da pobreza e só anseia manter a cabeça de fora deste pântano imundo.  

Crónica dum destino miserável

por João Távora, em 03.04.19

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Há quem estranhe os casos de endogamia e nepotismo denunciados no governo e gabinetes por aí abaixo. Este fenómeno, mais do que demonstrar-nos que a elite socialista tem recursos limitados e é pouco permeável (sinal dos tempos de austeridade), revela-nos que perdeu o pudor. A vida é dura, o Estado é um apetecível salão de banquetes, mas também serve uma sandocha se for suplicada nos canais certos: em tempos soube de uma feroz disputa partidária por um lugar subalterno (de ordenado mínimo) numa junta de freguesia de Lisboa. Mas os lá de cima conhecem-se todos uns aos outros há décadas, e como nas famílias da antiga nobreza (como a minha) dão muita importância aos apelidos porque eles revelam parentescos e fidelidades sempre úteis. Frequentam os mesmos restaurantes e vernissages, encontram-se nas férias em selectos destinos de veraneio, os filhos frequentam as mesmas escolas privadas e laicas, enfim, falam a mesma linguagem, são a reserva da Nação. Quando um dia por improvável e injusto acaso os socialistas tiverem de saír do governo para alguém vir arrumar a casa, esta pseudofidalguia retornará aos seus lugares, a minar as autarquias, institutos, arrumadas em direcções e gabinetes de empresas entretanto recuperadas para a esfera do Estado, na certeza de que o inverno será curto. E que, com as relações certas, alguma dedicação ao partido e um pouquinho de sorte, em breve se reencontrarão com o estrelato nos corredores do Terreiro do Paço e muitas viagens para Bruxelas. Entretanto, cá em baixo os portugueses contentam-se com um ordenado de menos mil euros (a única forma de não serem esmagados por impostos) e um desconto no passe social (que dá para pagar pão, leite e frangos, dizia ontem um popular na TV). Esses portugueses que ainda não perceberam que eles são muito poucos e não andam armados, só vivem à nossa custa e ainda por cima riem-se de nós como alarves.

 

Fotografia Lusa


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