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Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 13.05.14
(Do Carmo para Sul...)

 

A ética é um exercício diário, tem de ser cumprida no quotidiano. Só assim pode afirmar-se plenamente numa sociedade. Se uma pessoa não respeita o próximo, não cumpre as leis da convivência, não paga os seus impostos ou não obedece às regras do trânsito, não é ética. Num primeiro momento, pequenas infrações isoladas parecem não ter importância. Mas, ao longo do tempo, a moral da comunidade é afectada em todas as suas esferas. Chamo a isso o círculo ético. Uma acção interfere com outra e os valores morais vão perdendo força, vão-se diluindo. Para uma sociedade ser justa, o círculo ético é essencial.

 

Peter Singer

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 12.05.14
(Do Carmo para Norte...)

 

«Para o jornalista, tudo o que é provável é verdade». Trata-se dum axioma estupendo, como tudo o que Balzac inventa. Reflectindo nele, nós percebemos quantas falsidades se explicam e quantas arranhadelas na sensibilidade se resumem a fanfarronices e não a conhecimento dos factos. Em geral, o pequeno jornalista é um profeta da Imprensa no que toca a banalidades, e um imprudente no que se refere a coisas sérias. Quando Balzac refere que a crítica só serve para fazer viver o crítico, isto estende-se a muitas outras tendências do jornalista: o folhetinista, que é o que Camilo fazia nas gazetas do Porto (...). Eu própria não estou isenta duma soma de articulismos, de recursos à blague, de graças adaptáveis, de frequentação do lado mau da imaginação, de ridículos, de fastidiosos conselhos, de discursos convencionais, de condenações fáceis, de birras imbecis, de poesia de barbeiro, de elegâncias chatas, de canibalismo vulgar, de panfletismo «bom cidadão». Quando não sou nada disso, sou assunto para jornais, mas não sou jornalista. 

 

Agustina Bessa-Luís

La musique

por Luísa Correia, em 11.05.14
(Lx Story Center)

 

 La musique souvent me prend comme une mer ! 

Vers ma pâle étoile, 

Sous un plafond de brume ou dans un vaste éther, 

Je mets à la voile ;

 

La poitrine en avant et les poumons gonflés 

Comme de la toile, 

J'escalade le dos des flots amoncelés 

Que la nuit me voile ;

 

Je sens vibrer en moi toutes les passions 

D'un vaisseau qui souffre ; 

Le bon vent, la tempête et ses convulsions

 

Sur l'immense gouffre 

Me bercent. D'autres fois, calme plat, grand miroir 

De mon désespoir !

 

Charles Baudelaire

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 09.05.14
(Das Amoreiras)

 

A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo. 

 

Agustina Bessa-Luís

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 29.04.14
(Santa Catarina)

 

Passeio a pé [é um ] exercício moderado, constituído pelo movimento alternado das pernas e dos pés através do qual nos deslocamos docemente e por recreação de um lugar a outro.  (Encyclopédie Méthodique)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 28.04.14
(Amoreiras)

 

A parte nova da cidade é a favorita dos jovens modernos, que também frequentam o «Calhambeque» (à Av. de Roma), onde é preciso um passaporte para entrar, e o «Pop Clube», inaugurado em Agosto de 1966, mais tarde «Primorosa de Alvalade» (à Av. Estados Unidos da América). No topo da Avenida da Liberdade fica a «Galeria 48», onde actuam a brasileira Maysa, Simone de Oliveira, Carlos do Carmo e o Thilo's Combo, entre outros. Ao final da noite, os mais boémios misturam-se com a fauna do Parque Mayer no «Cantinho dos Artistas» e arriscam um caldo verde no mal-afamado «Cova do Galo», com boîte na cave (Parque Mayer), onde actua o dono, o pianista Eugénio Pepe. Em noites mais criativas dá-se um pulo até ao «Hot Clube» (Pr. da Alegria) para ouvir jazz. A cinco minutos fica o «Ritz Club» (R. da Glória), cabaré duvidoso, perto do bordel de Madame Blanche, já demasiado bas-fond para a maior parte da juventude ié-ié. 

A 13 de Maio de 1967 abre na Lapa o «Relógio» (R. do Olival), boîte elitista do artista plástico Francisco Relógio e que em 1970 dará lugar ao famosíssimo «Stone's» de Manecas Mocelek. É justamente Mocelek que em Maio de 68 faz uma revolução na noite da alta-sociedade lisboeta ao tomar conta do «Ad Lib» (R. Barata Salgueiro) no sétimo e último andar de um prédio acabado de estrear. «Ad Lib», da expressão latina «ad libitum», que significa «à vontade» - mas apenas para os amigos ou amigos dos amigos do proprietário, João de Castro. Pedro Leitão, pintor retratista próximo do jet-set internacional, assina a decoração de estilo oriental: estátuas indianas (made in Portugal), cadeiras de encosto semicircular forradas a pele, paredes e chão encarnados. A colaboração já não é uma estreia para a dupla Leitão-Mocelek, que dois anos antes criara o espaço mais emblemático de Cascais, o «Van Gogo». (Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, LX60)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 27.04.14

 

(Bica)

 

[...]

não rodarás nas rotas como dantes, 

quer murmures, escrevas, fales, cantes, 

mas apesar de tudo ainda és nossa, 

e crescemos em ti. nem imaginas 

que alguma vez uma outra língua possa 

pôr-te incolor, ou inodora, insossa, 

ser remédio brutal, vãs aspirinas, 

ou tirar-nos de vez de alguma fossa, 

ou dar-nos vidas novas repentinas. 

enredada em vilezas, ódios, troça, 

no teu próprio país te contaminas 

e é dele essa miséria que te roça. 

mas com o que te resta me iluminas. 

 

Vasco Graça Moura, Lamento para a língua portuguesa

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 26.04.14
(Lisbon Story Center)

 

Diz-se que a China entrou no século XX ainda mergulhada no seu esquema e mentalidade feudais. Esta circunstância, a falta de uma Idade Moderna, «renascentista», humanista, iluminista, explicaria a aterradora desumanidade revelada nas mudanças políticas e sociais que depois empreendeu.

Mas nem tudo por ali entroncava na mesma linha de instinto.

Não sendo eu uma acabada feminista, sinto-me particularmente solidária com o espírito feminino, desde sempre incompreendido pelos protagonistas culturais maioritários de cada momento. Por isso me impressionaram tanto a discreta história de sofrimento e o legado escrito de Kai-hui, a segunda mulher de Mao, abandonada por este aos vinte e seis anos - com três crianças nos braços - e executada aos vinte e nove às mãos das forças governamentais, pelo crime de ser ex-mulher do «bandido» comunista:

 

“I was born extremely weak, and would faint when I started crying … At the time, I sympathised with animals … Every night going to bed, horrible shadows such as the killing of chickens, of pigs, people dying, churned up and down in my head. That was so painful! I can still remember that taste vividly. My brother, not only my brother but many other children, I just couldn’t understand them at all. How was it they could bring themselves to catch little mice, or dragonflies, and play with them, treating them entirely as creatures foreign to pain?

If it were not to spare my mother the pain—the pain of seeing me die—if it were not for this powerful hold, then I simply would not have lived on.

I really wanted to have a faith!…”

 

Sobre as suas convicções políticas, de início concordantes com as de Mao, escreve:

 

“Now my inclination has shifted into a new phase. I want to get some nourishment by seeking knowledge, to water and give  sustenance to my dried-up life … Perhaps one day I will cry out: my ideas in the past were wrong!"

 

E termina com este grito desesperado:

 

"Ah! Kill, kill, kill! All I hear is this sound in my ears! Why are human beings so evil? Why so cruel? Why?! I cannot think on! I must have a faith! I must have a faith! Let me have a faith!!”

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 23.04.14
(Elevador do Castelo)

 

Se puserem numa balança, de um lado a utilidade real das ciências mais sublimes, das artes mais nobres, e do outro a utilidade das artes mecânicas, verão que os valores atingidos não foram estabelecidos segundo critérios que tivessem em conta os respectivos méritos, porque os homens empenhados em fazer-nos crer que somos mais felizes conseguiram sempre mais louvores do que aqueles que se esforçaram para que o fôssemos de facto. (Diderot, na Encyclopédie Méthodique)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 22.04.14
(Costa do Castelo)
Ler a biografia de Mao escrita por Jung Chang e Jon Halliday é tomar consciência da dimensão ilimitada do cinismo, do desrespeito pela vida alheia e da sede de sangue que caracterizaram o comunismo revolucionário sino-soviético nos seus tempos de expansão e implantação. O livro derruba, de forma sistemática e fundamentada, todos os mitos que o conturbado e complexado século XX alimentou sobre a personagem. Denuncia-lhe os interesses puramente egoístas, a discreta cobardia, o indiscreto comodismo, a sabujice, a ferocidade, o gosto da intriga e toda a gama de estratégias ziguezagueantes e de armas e instrumentos de hipocrisia e terror aplicados na sua conquista do poder absoluto. O livro consegue surpreender (e confranger) mesmo quem julgue ter ganho, com algum conhecimento da História e da natureza humana, imunidade à surpresa. O livro arrepia, porque trata de acontecimentos de há menos de cem anos, que se adivinha, de ciência quase certa, que vão continuar a acontecer. Enquanto houver política... ou políticos!

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 21.04.14
(Da Mãe d'Água)

 

Nada o muy poco sé de mis mayores 

portugueses, los Borges: vaga gente 

que prosigue en mi carne, oscuramente, 

sus hábitos, rigores y temores. 

 

Tenues como si nunca hubieran sido 

y ajenos a los trámites del arte, 

indescifrablemente forman parte 

del tiempo, de la tierra y del olvido. 

 

Mejor así. Cumplida la faena, 

son Portugal, son la famosa gente 

que forzó las murallas del Oriente 

 

y se dio al mar y al otro mar de arena. 

Son el rey que en el místico desierto 

se perdió y el que jura que no ha muerto.

 

Jorge Luis Borges, Los Borges

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 18.04.14
(Graça)

 

Never give all the heart, for love

Will hardly seem worth thinking of

To passionate women if it seem

Certain, and they never dream

That it fades out from kiss to kiss;

For everything that's lovely is

But a brief, dreamy, kind delight.

O never give the heart outright,

For they, for all smooth lips can say,

Have given their hearts up to the play.

And who could play it well enough

If deaf and dumb and blind with love?

He that made this knows all the cost,

For he gave all his heart and lost.

 

W.B. Yeats

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 17.04.14

(Rossio)

 

Como é bem sabido, a Baixa é um território de aluvião, decorrente do sucessivo assoreamento da ribeira ou córrego que corria do actual Rossio em direcção ao estuário do Tejo. Este fio de água, por certo mais vivaz nas invernias, já estava bastante reduzido na sua amplitude à data da conquista de Lisboa, em 1147, como refere o cruzado R., na célebre carta a Osberno. No entanto, era ainda atravessado pelo menos por uma ponte que permitia a ligação entre as duas margens. Esta ponte, dita da Galonha, irá durar até ao definitivo encanamento da parte final do córrego, então já pouco mais do que um esgoto malcheiroso a céu aberto, que dará origem à parte terminal da então chamada Rua Nova d'El-Rei, ou, mais prosaicamente, Rua dos Ourives do Ouro, desde que os mestres deste ofício nela se instalaram. (José Sarmento de Matos e Jorge Ferreira Paulo, Um sítio na Baixa)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 16.04.14
(Amoreiras)
Ficou o céu descorado… 
E a Noite, que se avizinha, 
Vem descendo ao povoado, 
Como trôpega velhinha. 
Para a guiar com cuidado 
Veio-lhe ao encontro a Tardinha, 
Não fosse a Noite sozinha 
Perder-se em caminho errado. 
Vão as duas caminhando… 
E como o Sol já não arde, 
Para o caminho ir mostrando 
A primeira estrela brilha… 
Então diz a Noite à Tarde: 
– Vai-te deitar minha filha.
 
Armando Côrtes-Rodrigues, Anoitecer

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 15.04.14
(Parque Amália Rodrigues)
As for the human case, the generations of men come and go and are in eternity no more than bacteria upon a luminous slide, and the fall of a republic or the rise of an empire – so significant to those involved – is not detectable upon the slide even were there an interested eye to behold that steadily proliferating species which would either end in time or, with luck, become something else, since change is the nature of life, and its hope. (Gore Vidal)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 14.04.14
Noé é um filme pouco ortodoxo. Primeiro, porque «discorda», sem grandes subtilezas, do Deus castigador do Antigo Testamento ou, mais especificamente, da interpretação castigadora que o homem faz da mensagem divina. Depois, porque coloca o patriarca na posição de transmitir a sua herança de vida às suas netas, contrariando o cânone da primogenitura varonil. Noé é, portanto, um filme que requer um olhar moderno. É também um filme espectacular no plano da imagem e dos efeitos especiais, e a arca, uma concepção convincente. Noé é um filme de acção e [des]aventura, que agradará por certo a quem não espere demasiado do seu quadro de actores.

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 12.04.14
(Bairro Alto)

 

De tanto pensar na morte

Mais de cem vezes morri.

De tanto chamar a sorte

A sorte chamou-me a si.

 

Deu-me frutos duradoiros

A paz, a fortuna, o amor.

As musas vieram pôr

Na minha fronte os seus loiros...

 

Hoje o meu sonho procura

Com saudade a poesia

Dos tempos em que eu sofria...

— Que triste coisa a ventura!

 

Pedro Homem de Mello, Ironia

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 11.04.14
(Amoreiras)
Every time I see an adult on a bicycle I no longer despair for the future of the human race. (H.G. Wells)

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 10.04.14
(Da Costa do Castelo)

 

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se 
em tempo. 

os assuntos que julgámos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 

por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada. 
a eternidade não existe. 
no entanto, a eternidade existe. 

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. 
os instantes do teu sorriso eram eternos.
[...]
 
José Luís Peixoto, Explicação da eternidade

Foto-fitas do dia

por Luísa Correia, em 09.04.14
Não foram essas porém as razões por que «As Farpas» se calaram durante a estação calmosa. Os nossos motivos são inteiramente pessoais. Nós adoecemos... [...] O nosso mal foi simplesmente uma afecção na laringe. Apanhámos isto no Chiado. Tivemos na mucosa da garganta as mesmas granulações de que padecem os beduínos na mucosa das pálpebras por efeito do pó nas peregrinações do deserto. O Chiado pegou-nos o péssimo gosto burguês, especieiro, indigno, abominável, de o frequentar, dando-nos esta doença climatérica e local. (Ramalho Ortigão, As Farpas)


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