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Há uma consequência política inevitável da tragédia de Pedrógão Grande, é que o governo começa o Verão com um saldo de 64 mortos pelos incêndios, com tolerância zero para mais qualquer desgraça. Não há malabarismo comunicacional que altere este facto. Com tantas fragilidades nas estruturas de comando operacionais António Costa começa a “fase Charlie” nas mãos do S. Pedro, com a Espada de Dâmocles. Se acontece mais alguma desgraça, de pouco servirão à geringonça a imprensa amestrada, a conivência dos sindicatos e os abracinhos de Marcelo Rebelo de Sousa. Agora pouco mais há a fazer do que rezar a S. Pedro... ou mais laicamente fazer como a Catarina Martins: “desejar” que chova muito até Setembro. Deus nos guarde, digo eu.
Tenho procurado evitar, agora, a discussão de responsabilidades políticas no fogo de Pedrógão Grande: é cedo, tenho pouca informação e prefiro não correr o risco de ser injusto.
Mas o que é de mais é moléstia.
O Governo num primeiro momento ensaiou a clássica estratégia mediática de contenção de danos, desvalorizando o que se estava a passar. Até aqui está dentro do cinismo típico de quase todos os governos nestas circunstâncias. E a probabilidade de ter sucesso nesta operação de comunicação seria muito elevada, não se desse o caso de ser impossível desvalorizar a dimensão da catástrofe humana.
Rapidamente o governo virou a agulha e passa agora todo o tempo a procurar consolidar a ideia de que condições meteorológicas excepcionais e imprevisíveis ocorreram e ninguém pode estar preparado para o desconhecido.
Nessa tentativa de manipulação (infelizmente não há jornalista que pergunte "se assim foi, o governo está a dizer que quando houver outra vez condições extremas como estas, as pessoas comuns que se amanhem porque o Estado não sabe o que fazer?") desempenha um papel essencial a credibilização científica da teoria de que ocorreram condições meteorológicas absolutamente excepcionais e imprevisíveis ("um nevão no Algarve em Agosto", para usar o exemplo de João Miguel Tavares).
É absolutamente indecorosa a utilização de serviços técnicos do Estado, como o IPMA (António Costa fez parte de um governo que usou o mesmo esquema com o Banco de Portugal a calcular défices virtuais para abrir espaço político ao aumento do défice do primeiro ano dos governos Sócrates, portanto sabe muito bem como isto se faz e acha normal) da forma como está a ser feita, prestando-se o IPMA e o seu presidente a colaborar no embuste.
O que o IPMA tinha a fazer era simplesmente dizer o que é tecnicamente razoável, que sim, que houve condições meteorológicas extremas, relativamente raras, mas que sempre existiram e sempre existirão.
Ao prestar-se à pura manipulação política como a que foi montada, com o primeiro ministro a fazer perguntas formais retóricas e o IPMA a mandar respostas encenadas (quem não se lembra das encenações de Costa fingindo estar a negociar com a coligação que ganhou as eleições, ao mesmo tempo que montava uma solução alternativa que pressupunha a ausência de resultados dessas supostas negociações), o IPMA diminui-se a si próprio e mina a sua credibilidade, contribuindo para a desconfiança das pessoas comuns em relação a um Estado completamente enfeudado à conveniência política do governo.
O IPMA resolveu contribuir para a chuva dissolvente que cai sobre as instituições públicas em Portugal, infelizmente.
Na sua entrevista à TVI, o cândido do António Costa - cujo governo tinha apontado "zero mortes" como principal objectivo do Dispositivo Especial de Combate a incêndios - além de afirmar-se convicto de que tudo decorreu regulamente na gestão da tragédia de Pedrógão Grande e que a sua ministra é apenas uma vítima do duro cargo que exerce, disse sem se rir, que não se pode exigir que se faça em poucos dias aquilo que não se fez em décadas, como se ele não tivesse tido um papel político preponderante nessas mesmas décadas, desde logo ministro Estado e da Administração Interna do governo Sócrates. Nem que seja por isso exige-se-lhe um pouco de pudor.
1. O registo emocional em que muita gente prefere permanecer no que à tragédia de Pedrógão Grande diz respeito não é bom conselheiro: sabemos bem que mais fácil é arranjar um bode expiatório, um alcoólico incendiário para cima de quem canalizar a fúria e a indignação, mas isso não serve para nada – não alivia a dor dos vivos nem ressuscita as vidas tombadas.
2. Dar ênfase à questão da ignição que deu origem ao fogo, se foi um raio ou um maluquinho, é uma forma de evitar a questão principal, que é a de perceber porque é que Portugal é campeão em fogos florestais para que - de uma vez por todas - se concentrem as políticas na prevenção, promovendo reformas para um ordenamento do território de acordo com o clima que nos coube em sorte.
3. “Hoje, através da actuação da Autoridade Nacional de Protecção Civil, verificamos uma enorme evolução em termos da segurança da população e da salvaguarda do património, com melhorias significativas em termos de capacidade de resposta operacional, mas também com o necessário aprofundamento das políticas de prevenção, investindo-se no planeamento de emergência, na minimização de riscos e nos sistemas de alerta e de aviso às populações.” Estas palavras eram proferidas pela ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa em Março do Ano passado por ocasião do 15º aniversário da Tragédia de Entre-os-Rios. Passado pouco mais de um ano, esse "país das maravilhas" não resistiu à realidade das coisas.
4. Numa democracia avançada todos os factos de uma tragédia desta envergadura têm de ser escrutinados e tiradas as consequências, não é preciso esperar três dias para se questionar tudo o que houver para questionar. Para que é que serve um Estado que não sabe, não consegue, proteger os seus cidadãos? Como bem refere aqui o nosso Henrique Pereira dos Santos, “Aquilo a que na maior parte das vezes se chama “imprevisibilidade” em matéria de fogos é, na verdade, ignorância. Uma das armas mais letais que existem.”
5. A par da assinalável mobilização da sociedade civil no apoio material às populações afectadas pela tragédia e aos bombeiros acredito na importância da oração. As minhas orações por estes dias vão para as vítimas e para as famílias enlutadas.
Fotografia - Observador
Hesitei em escrever este post, por respeito pelas vítimas e pelo risco de ser entendido como a utilização da morte de terceiros para obter ganho de causa.
Ou melhor, ontem à noite, quando me deitei, não sabendo que havia mortos nos fogos que estão a ocorrer, tinha planeado escrever hoje de manhã um post sobre a responsabilidade moral nas tragédias que ocorram nos incêndios de Verão.
Não porque seja possível evitar todas as tragédias, mas porque estas tragédias, previstas repetidamente por quem estuda seriamente a gestão do fogo, são enormemente potenciadas por uma doutrina de gestão de fogo completamente absurda face ao que hoje se sabe.
Países como os Estados Unidos, a Austrália e outros com territórios no lado Ocidental dos continentes, perto do paralelo 40 (como é o nosso caso), há muito que abandonaram a ideia de suprimir o fogo e insistem em políticas de gestão do fogo através da gestão dos combustíveis.
Mesmo noutros contextos geográficos, há a adopção de mudanças substanciais na doutrina, como fez recentemente o Ontário (depois de um fogo, de características diferentes dos nossos, de meio milhão de hectares).
O problema central é que em Portugal parece ser admissível que um governante diga, como terá dito ontem o secretário de estado da administração interna, que o comportamento do fogo não se prevê, o que há é uns académicos com umas teorias sobre isso.
Tal como parece ser normal o presidente da liga dos bombeiros, que há anos que diz disparates sobre a gestão do fogo (incluindo o clássico "nunca um fogo ficou por apagar"), aparecer sistematicamente nestas situações a repetir a defesa de opções erradas e que estão na base de tragédias como a desta noite.
E que o presidente da AIMMP seja sistematicamente convidado para falar de fogos, com um discurso completamente ignorante e absurdo sobre incendiários, sem qualquer ligação com a realidade conhecida e estudada.
E que o presidente da Protecção Civil diga que correu tudo bem num ano em que há um fogo de trinta mil hectares, tendo como objectivos para o ano seguinte (2017) não ter perdas de vidas.
E que qualquer presidente de Câmara diga que não sabe como é possível o que está a acontecer, quando qualquer curioso que estude o assunto com um mínimo de atenção, e recorrendo a quem sabe do assunto, lhe explica em três tempos que em condições meteorológicas extremas o seu concelho vai ser palco de uma tragédia, mas que isso tem solução se se quiser empenhar nas políticas de gestão de combustíveis a sério, em vez de fazer declarações patetas sobre as origens dos fogos.
Estes senhores são moralmente responsáveis por transformar os bombeiros em carne para canhão, quer defendendo e aplicando a doutrina do Portugal sem fogos, quer mantendo uma estúpida oposição à profissionalização dos bombeiros e respectiva integração entre gestão de combustíveis e combate.
Tal como declarações totalmente irresponsáveis de académicos respeitados, mas que nunca estudaram ecologia e gestão do fogo, bem visíveis neste artigo de 2010 (refiro-me, naturalmente, às declarações irresponsáveis de Helena Freitas, e não à sensatez habitual de Paulo Fernandes, que infelizmente é menos ouvido no país, e pelos decisores, do que seria bom para nós), ajudam a suportar a ideia estúpida de que o fogo é um inimigo que pode ser vencido, em vez de olhar para o fogo como um elemento natural que precisa de ser gerido de forma economicamente sustentável, em que o Estado se empenha em suprimir as falhas de mercado de um sector com graves problemas de competitividade na maior parte do território.
Por respeito e em memória das vítimas decidi pois escrever este post, dizendo que o fogo é previsível, estas tragédias são uma questão de tempo até se repetirem se mantivermos a doutrina do "Portugal sem fogos" e se insistirmos em assentar a gestão do problema em corpos de voluntários sem qualquer ligação com a prevenção estrutural feita no Inverno.
Nada me move contra os corpos de voluntários, são muito úteis e, provavelmente, imprescindíveis, mas precisam de uma estrutura profissional que conheça o território, crie e conheça oportunidades para parar os fogos onde podem ser parados e que enquadre devidamente a generosidade dos voluntários.
Já chega de pura irresponsabilidade e de um discurso obscurantista que desvaloriza o conhecimento existente e a sua aplicação em contexto real.
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