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Diz-se que a China entrou no século XX ainda mergulhada no seu esquema e mentalidade feudais. Esta circunstância, a falta de uma Idade Moderna, «renascentista», humanista, iluminista, explicaria a aterradora desumanidade revelada nas mudanças políticas e sociais que depois empreendeu.
Mas nem tudo por ali entroncava na mesma linha de instinto.
Não sendo eu uma acabada feminista, sinto-me particularmente solidária com o espírito feminino, desde sempre incompreendido pelos protagonistas culturais maioritários de cada momento. Por isso me impressionaram tanto a discreta história de sofrimento e o legado escrito de Kai-hui, a segunda mulher de Mao, abandonada por este aos vinte e seis anos - com três crianças nos braços - e executada aos vinte e nove às mãos das forças governamentais, pelo crime de ser ex-mulher do «bandido» comunista:
“I was born extremely weak, and would faint when I started crying … At the time, I sympathised with animals … Every night going to bed, horrible shadows such as the killing of chickens, of pigs, people dying, churned up and down in my head. That was so painful! I can still remember that taste vividly. My brother, not only my brother but many other children, I just couldn’t understand them at all. How was it they could bring themselves to catch little mice, or dragonflies, and play with them, treating them entirely as creatures foreign to pain?
If it were not to spare my mother the pain—the pain of seeing me die—if it were not for this powerful hold, then I simply would not have lived on.
I really wanted to have a faith!…”
Sobre as suas convicções políticas, de início concordantes com as de Mao, escreve:
“Now my inclination has shifted into a new phase. I want to get some nourishment by seeking knowledge, to water and give sustenance to my dried-up life … Perhaps one day I will cry out: my ideas in the past were wrong!"
E termina com este grito desesperado:
"Ah! Kill, kill, kill! All I hear is this sound in my ears! Why are human beings so evil? Why so cruel? Why?! I cannot think on! I must have a faith! I must have a faith! Let me have a faith!!”
(... à beira-rio)
Nos «media», a austeridade continua no cerne do debate. Há gente que, nem perante as evidências de um estado de calamidade, se conforma. E o primeiro argumento é sempre que não pagam todos: não pagam os detentores de juros e dividendos (que são a classe média trabalhadora!), não pagam os detentores de acções, não pagam as empresas... Subjacente, o eterno «complexo do tanso», o nosso mais arreigado e inibidor complexo, que não me canso de analisar. O complexo impõe-nos, desde logo, que não façamos nada, para que terceiros, que também não fazem - para não ser tansos -, não beneficiem, nem possam rir-se de ter beneficiado do que poderíamos ter feito... Deste modo se estabelece a infinita cadeia de inacção, responsável, desde há uns anos, pelo caminho do subdesenvolvimento que trilhamos a passo estugado. Talvez sejam a pequenez e a periferia (vulgo «provincianismo») que nos fazem assim. Ou talvez não. O certo é que estamos dispostos a tudo - ou quase tudo - para não sermos tansos. Para não sermos tansos, somos desconfiados, egoístas e cépticos. Para não sermos tansos, não investimos um átomo de energia em causas colectivas, receosos de que o resto não entre na marcha. Para não sermos tansos, não trabalhamos nem mais, nem melhor, mas só para «ganhar o nosso». Para não sermos tansos, «vamos com calma», usando, de preferência, da boa velha «chico-esperteza». Felizmente, há no mundo uns quantos que não se importam de ser tansos e que, de quando em quando, aparecem a dar-nos a mão. Mas nós, que tansos não somos, nem mesmo enfiando a esmola ao bolso aceitamos lições de brio de quem quer que seja, muito menos pressões! O caminho vai-se fazendo, cheio de vagares, pontuado de queixumes. Para uns, emburrámos desta maneira na espera do D. Sebastião. Mas para mim, emburrámos na espera uns dos outros.
(... em S. Pedro de Alcântara)
Vejo frequentemente colocada, em inquéritos a figuras públicas, a questão sobre qual o pior defeito que encontram nas pessoas. A mim, naturalmente, nunca ninguém ma colocou, mas eu - no que é, realmente, um desabafo - vou responder. E não, não respondo com as clássicas falsidade, hipocrisia, meia sapiência… O pior defeito, para mim, é maltratar, abusar, desconsiderar ou trair a confiança dos mais fracos, decorra essa fraqueza da idade ou do estado de saúde, decorra ela da posição social ou profissional, de uma subalternidade ou de uma subordinação. Quem violenta a fragilidade alheia revela, para mim, a mais inominável mesquinhez.
(... no Parque das Nações)
Fui, há pouco, informada de que um conjunto alargado de elementos das nossas forças policiais, em protesto contra o castigo de dois colegas, decidiu boicotar o serviço, mas tratou de apresentar outros tantos atestados médicos falsos para se poupar aos concomitantes cortes salariais. Quem pratica esta forma de protesto «enviesado» – muito frequente em processos grevistas -, quem não assume todas consequências dos seus actos afigura-se-me completamente desprovido de verticalidade. Assusta-me, por isso, saber que a minha segurança repousa – pelo menos em parte – no arbítrio de invertebrados.
Não pode haver qualquer magnanimidade com terroristas. Ser terrorista não é um imperativo de moda ou um impulso irreprimível de esquizofrenia colectiva. Ser terrorista é uma opção pessoal e - arriscaria – vitalícia. Quem não hesita em matar dezenas ou centenas dos seus semelhantes, mesmo que a coberto de uma ideologia, mesmo que em resposta a um comando, não o faz porque o mundo não lhe oferecia outros caminhos, mas porque escolheu esse caminho, porque odeia tudo e todos, e porque não resiste à volúpia de dispor da vida alheia. Estas pessoas, felizmente poucas, são uma ameaça que não dorme. Enquanto existem, não desistem. Para estas pessoas, que estremecem as minhas convicções na bondade da razão humana, seria capaz de defender a pena capital.
(... no Parque Eduardo VII)
O noticiário televisivo apresentou, esta noite, uma peça de fôlego sobre a questão que dominou a comunicação social na última quinzena: a questão do «desvio colossal». A peça aprofundava as origens da expressão, a fidedignidade das fontes, as deduções dos analistas – merece registo, pela sua espantosa ousadia especulativa, o entendimento de uns quantos de que o Governo, ao cabo de um mês, já falava a duas vozes – as críticas das oposições, o «turmoil» político, a mentira da verdade, a verdade da mentira, etc., etc., etc. A peça dava ainda – um pouco a contragosto... – a questão por resolvida e a ordem, a quantidade, as propriedades e as relações das palavras empregues cabalmente esclarecidas. Com o que o país, de respiração suspensa durante a quinzena, pode, enfim, suspirar de alívio. Pela minha parte, vejo no processo uma enorme virtude: a de ter contribuído para arrancar às páginas esquecidas dos dicionários de língua portuguesa o único adjectivo, «colossal», capaz de caracterizar a dimensão da toleima de algum do nosso jornalismo.
(... em Santa Apolónia)
O que é precisamente a Europa? É, desde logo, um continente. É, depois, o sonho político de uns quantos visionários que, sobre as sementes da paz lançadas à terra no rescaldo de 39-45, germinaram a ambição de um grande Estado aglutinador, capaz de responder aos desafios da globalização e de equilibrar nos pratos da balança os poderes jovens, sôfregos e incontidos da América e das economias emergentes. E a Europa é isto; só isto. Para ir além disto, continente e sonho, não bastariam nunca as vontades daqueles quantos, poucos, visionários. Seria necessária uma identidade europeia, que não bebesse apenas da contiguidade geográfica, menos ainda dos interesses mercantis, que dividem, mas que se fundasse numa cultura e numa língua, que unem. Seria necessário que as paredes do edifício se alicerçassem numa qualquer afinidade entre as gentes e que a ausência de fronteiras significasse muito mais do que o mero fecho dos postos de controlo das entradas e saídas. Infelizmente, os visionários, na sua pressa de ver obra feita, começaram a construir o edifício pelo telhado. E pelo telhado ficaram: não há paredes, nem há alicerces. É por isso que a palavra «solidariedade» me parece, nas actuais circunstâncias, tão hipócrita. Os meus sentimentos pelos alemães frios e disciplinados que têm subsidiado o meu país são reservados. A simpatia dos alemães por povos que consideram madraços e pedinchões tem de situar-se abaixo da linha de água. E a «abominável mulher das neves», Senhora Merckel, limitar-se-á, com toda a probabilidade, a dar voz aos pontos de vista de quem a mandatou.
(... nos Jardins da Gulbenkian)
A televisão transmitia, há momentos, o debate parlamentar sobre uma qualquer proposta do PC respeitante à nossa dívida – tema tristemente incontornável por estes dias - e eu olhava sem ver para o bisonho hemiciclo, quando a câmara, num «volte-face», se fixou na mesa da presidência. E, de repente, passei a ver. Naquela mesa, onde nem há dois meses se sentavam uns «jarrões» – respeitáveis jarrões, mas sempre jarrões – floresciam agora três vistosas florinhas em gentil e sofisticado «bouquet». Naquela mesa, só mulheres! E mulheres loiraças, «produzidas», elegantes! O que é que semelhante facto pode significar para o nosso futuro colectivo não sei dizer. Mas adivinho que coisa má não é, com certeza!!!
(... em S. Vicente de Fora)
Gostei de ouvir Rui Moreira, há dias, na entrevista que concedeu a Mário Crespo. Rui Moreira é um observador arguto, experiente e desassombrado da nossa realidade, e comentou, expressivamente. «O novo imposto [...] é o preço que nós, as formigas, vamos ter de pagar pelo lastro que as velhas cigarras nos deixaram». Uma ironia tanto mais contundente, quanto é certo que algumas dessas «velhas cigarras» já reivindicaram, nos seus cantares de antanho, o estatuto de formigas. Nunca, em Portugal, La Fontaine foi tão prestadio! Num único ponto discordei de Rui Moreira. O passado, para mim, ainda não está julgado. O julgamento das urnas não me basta, enquanto não compreender todas as razões da situação em que nos encontramos, ou enquanto não conseguir libertar-me da desconfiança de que houve dinheiros públicos que serviram fraudulentamente interesses privados. O meu farmacêutico, homem melhor informado do que nenhum outro neste mundo, já me falou de umas transferências para contas suíças, revelando nomes, anos e valores. E só não revelando – o que se lastima – NIB's. Mas chamem-se os serviços secretos e o enigma deslinda-se. E se o pessoal dos serviços não chegar, reforça-se-lhes o quadro. Pelo volume de investigação a fazer, será um bom contributo para a redução das taxas de desemprego.
(... no Terreiro do Paço)
1. Todos os países têm serviços secretos. Para que servem? Não sei. Presumo que investiguem o passado e o presente de pessoas individuais ou colectivas em prol da segurança do Estado que os criou. Também todos os países têm um Governo. Para que serve? Tenho dúvidas. Mas não tenho a menor dúvida de que, estando em causa o exercício de um poder naturalmente forte sobre um povo naturalmente fraco, os seus elementos devem ser pessoas idóneas e acima de qualquer suspeita, e que, nesse sentido, nenhuma investigação às suas vidas públicas e até privadas (dentro de certos limites) é demais. Não compreendo, por conseguinte, onde se está a querer chegar com esta ridícula exploração mediática do caso Bairrão.
2. O imposto extraordinário para 2011 foi anunciado há coisa de um mês (em meados de Junho, portanto). Os termos precisos da sua aplicação foram esclarecidos, de forma exaustiva e suficiente, há coisa de uma semana (em meados de Julho, portanto). E entretanto, já todo o mundo opinou sobre a sua necessidade, a sua oportunidade e a sua justiça, incluindo responsáveis do anterior [des]governo. Posto o que, sabendo-se que só no final do ano se fará a execução da medida, aqui formulo o desejo – na falta de esperança – de que a comunicação social consiga arranjar, para os seis meses que ainda restam até ao momento fatal, outros temas de «conversa».
(... Nova Iorque)
Não sou uma entusiástica, nem sequer complacente «obamista». Se fosse cidadã americana, teria, em devido tempo, votado McCain - mesmo apreciando o valor simbólico da eleição do democrata. E nunca, por conseguinte, acreditei no «milagre Obama», nem que a face da Terra mudasse, com grande proliferação de pombas e erradicação de falcões, pelo simples facto da subida ao poder da personagem. Obama tem-me parecido, nestes anos entretanto passados, uma espécie de actor, e não dos que trocam – ou já trocaram - o brilho de Hollywood pela sobriedade da Casa Branca, mas dos que trazem Hollywood para a Casa Branca. Confesso também as minhas reservas quanto a alguns dos papéis que ali tem representado, incluindo aquele de um eufórico «assassino» de moscas. Assim sendo, não encontro explicação, nem para a surpresa que tive, nem para o incómodo que senti com a sua recente referência a Portugal. Talvez, afinal, esperasse mais do homem... ou contasse que os anos entretanto passados lhe tivessem alargado o «mundo» e apurado o tacto diplomático. Mesmo notando que Obama se excede na auto-confiança oratória e é, por isso, pessoa para, em situações de aperto, não travar no discurso o que quer que seja que lhe venha à cabeça.
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Desculpa passante, o meu texto não deveria ter apa...
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