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Hoje acordei feliz com a notícia de que a circulação na Avenida da Liberdade vai voltar à normalidade. Ao fim de oito anos duma surreal e sinistra experiência promovida pelo então presidente da câmara António Costa que entupiu o trânsito naquela zona nevrálgica, temos esperança que a cidade comece a ser devolvida aos lisboetas. E que Fernando Medina perceba que o centro da Lisboa não é um cenário para rodar filmes exóticos ou anúncios de televisão. Isso talvez seja mais difícil.
É um dia claro do princípio do Outono, talvez de 1905, ao fim da tarde: nalgumas árvores já há folhas castanhas, uma senhora tem ao pescoço as suas raposas e as sombras estão deitadas para Leste enquanto o Sol se começa a pôr por detrás das colinas sobranceiras ao Rato. O céu mostra nuvens altas, talvez tenha chovido de manhã e depois o tempo abriu para uma tarde clara e ensoleirada. É com certeza domingo: as pessoas passeiam, as senhoras vestem com elegância, algumas estão sentadas nos bancos da Avenida, os homens conversam gravemente. Lá muito ao fundo, o Tejo corre devagar entra navios ancorados, com os outeiros da Outra Banda, sem um vestígio de casario, a fechar o horizonte. Estamos no cruzamento com a Alexandre Herculano. Rapazes pedalam nas suas bicicletas, Avenida acima; oficiais do Exército montam a cavalo, acompanhados de um casal, certamente rico e elegante, em que a senhora monta num baio, à amazona. Do lado direito, quase fora da página, um eléctrico aberto, de bancos corridos, sobe pelo passeio lateral da Avenida, do lado onde agora está o S. Jorge. Do lado esquerdo outro eléctrico desce, pelo lado do Tivoli. Hoje seria ao contrário. Carruagens, fiacres, automóveis (a palavra acaba de ser aceite, depois de alguma polémica) convivem de forma anárquica sobre a terra batida do pavimento, num trânsito que ainda não tem sentidos obrigatórios. A maioria encosta ao lado esquerdo, mas há dissidentes. No primeiro plano uma carruagem puxada por duas parelhas, com cocheiro, sota e trintanário fardados, desce a Avenida, precedida por dois batedores a cavalo, com a mesma farda. Lá dentro, duas senhoras ocupam os lugares de honra com um grave cavalheiro, de chapéu alto, correctamente sentado à sua frente, ás ordens. Dois oficiais pararam o seu Panhard e saúdam militarmente, de pé. Mais atrás um polícia imita, todo perfilado. Cavalheiros tiram respeitosamente o chapéu e num trem que sobe e se cruza com a carruagem duas senhoras levantaram-se e debruçam-se, curiosas. É fácil de perceber que as Raínhas Dona Amélia e Maria Pia vieram burguêsmente dar uma volta antes da ceia. Bem a meio da Avenida, altos espigões de ferro forjado sustentam duas lanternas a uns três metros do solo e mais um globo, lá no alto dos seus 10 metros: resultado do contrato que a Câmara celebrou com as Companhias Reunidas, em 1904, para a iluminação eléctrica da Baixa. Lisboa tem 400.000 habitantes e vive repousadamente os últimos anos antes da grande convulsão da Republica: daqui a cinco anos será neste mesmo lugar que se vão ouvir os tiroteios do 5 de Outubro, as rainhas partirão para o exílio e os oficiais do Panhard serão republicanos... Cento e doze anos e três revoluções depois, ( 5 de Dezembro de 17, 28 de Maio de 26, 25 de Abril de 74, todas elas para libertar o Povo e salvar a Pátria...) as figurinhas que animam a litografia, e os seus filhos e quase todos os seus netos, juntaram-se já ao grande rio da vida. A Avenida deixou de ser de terra batida, alguns dos prédios morreram, os eléctricos já não passam por ali, o Metro alojou-se debaixo das raízes das árvores, os automóveis ocuparam tudo. Mas incansavelmente, Avenida acima, Avenida abaixo, enquanto os crepúsculos de Outono se repetem, as gerações que passam constroem, dia a dia, a alma de Lisboa.
Do nosso leitor Manuel Pessanha, num texto gentilmente remetido ao Corta-fitas por email a propósito da gravura acima que hoje voltamos a reproduzir.
Quem adivinha qual o nome que imperou nesta rua pombalina?
Na minha aldeia (Campo d' Ourique)
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