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A conversão à Liberdade

por João Távora, em 16.07.23

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Eu percebo que tenhamos uma Igreja habituada a viver entrincheirada, receosa de propor caminhos, justificada pelos seus inimigos internos e externos. No Ocidente, têm sido décadas de encolhimento perante um poder arrebatador do Grande Leviatan que tudo vem secando à volta, até a fecundidade das suas gentes. Repare-se que nas últimas décadas todas as guerras do catolicismo vêm sendo perdidas: dessacralizou-se o casamento que passou a ser tudo e o seu contrário perante a lei. Assim se enfraqueceu a Família natural construtora do bem-sucedido Ocidente e que era terreno fértil para a evangelização, para a passagem dos valores cristãos. Com o advento do hiperindividualismo, em paralelo com o consequente Inverno Demográfico, legitimou-se o aborto e a morte assistida. A religião foi remetida ao foro privado para não ferir susceptibilidades, o ditame da moralidade, do bem e do mal, também – tudo é relativo, a Verdade, que é o que o cristianismo tem a propor, esconde-se envergonhada.

É este também o retrato da Igreja portuguesa, acossada e amedrontada, que, durante uma semana, neste canto da Europa laica e materialista, se atreverá a ser o foco de todas as atenções. Coube-lhe liderar esta gigantesca operação logística de receber centenas de milhares de Jovens de todo o mundo, a oferecerem-se à conversão. Cabe-lhe, por consequência, difundir uma forte mensagem, não só para todos os milhares de resistentes peregrinos que ainda procuram um sentido de vida maior que o seu umbigo, mas para todos aqueles hesitantes que não se atrevem a passar do Páteo dos Gentios.

Há dias, a propósito de tudo isto e dessa oportunidade de conversão que a Jornada Mundial da Juventude proporciona, num almoço entre amigos, um deles, perguntava qual a mais importante mensagem de Jesus que verdadeiramente interessará aos jovens nestes tempos de acelerada descristianização e niilismo. Como pode a Igreja Católica afirmar-se na ruidosa cidade da abundância do século XXI?

Entre várias propostas lançadas na mesa pelos convivas, da mensagem de Vida Eterna, à revolucionária revelação da Misericórdia (Amai-vos uns aos outros…) eu defendi a da Liberdade. Receio que numa sociedade onde impera o bem-estar e se reclama o prazer como um direito, o anúncio da Vida Eterna não tenha grande sucesso. Já o Novo Mandamento do “Amai-vos como irmãos”, que chegou a ser um traço reconhecido nas primeiras comunidades cristãs (“vede como eles se amam!”), temo que tenha sido banalizado pela confusão gerada à volta do conceito de Amor, hoje tido como algo ligado ao prazer erótico e psicológico, assim difundido pela minha geração nos anos sessenta. Um dia as comunidades recuperarão o seu verdadeiro sentido, o da Compaixão – mas não vai ser no meu tempo.

Ora, quanto a mim, a principal mensagem que o Cristianismo tem para oferecer, que obviamente se interliga com as anteriores, é a da Liberdade, mas com maiúscula. Porque julgo que, num tempo como o actual, com tantas formas de alienação a escravizar as almas crédulas, apoucando-lhes as existências, a Liberdade, no sentido de consciência livre e responsável, é a grande outorga de Jesus Cristo que convém salientar. Se, como afirma Bob Dylan estamos condenados a ser servos (Gotta Serve Somebody - Slow Train Coming, 1979), que sirvamos o Senhor Jesus que nos desimpede os caminhos e principalmente a alma.

Para alcançar essa alforria não é necessário seguir-se à risca o exemplo de São Francisco de Borja, Duque de Gandia, que, perante a profunda dor e desapontamento com a morte da bonita e instruída Rainha Isabel de Portugal (filha de D. Manuel I e mulher de Carlos V de Espanha), que tanto admirava, afirmou: “não mais servirei senhor que pereça”. A partir de então devotou a sua vida por inteiro aos assuntos do seu Deus.

Com Jesus Cristo aprendemos onde colocamos o coração a criar valor, a reconhecer as paixões que nos podem escravizar e diminuir, ou a única que que faz de nós verdadeiros e autónomos filhos de Deus. Que a cada um conhece como único, “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos” (Lucas 12:7). Ou ainda, “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mateus 11:29-30).”

É esta descoberta de Liberdade como caminho que me convenço ser a mais importante mensagem a outorgar aos jovens do nosso tempo. A Liberdade de quem, participando no Mundo, não o carrega às costas, nem às suas normas e atracções se deixa subjugar. De beleza, de carreira, de haveres, de amores, de ansiedades, de orgulhos, dos medos, da expectativa dos outros, enfim, de dependências grandes e mesquinhas. É esta Liberdade que está ao alcance de todos e que urge transmitir aos nossos jovens. Irão certamente gostar de saber que o seu Senhor (no sentido medieval do termo) não é deste Mundo, e que isso lhes permite olhar as coisas do Mundo com outros olhos – fazer escolhas de felicidade. Serem protagonistas das suas próprias vidas.

É esse o feito da conversão, construída em comunidade de crentes. Com muita oração – a barulheira mundana dificulta a prática da Oração que com o seu poder a todos eleva, dignifica, aproximando-nos de Deus. É assim que adquirimos um sentido proporcional da importância das coisas do Mundo. Que nos conduz à Liberdade de nele agir. Não de caminhar sobre as águas, nem de voar pelos céus, mas percorrer esta vida de pés bem assentes no chão, com a cabeça erguida e o coração… consolado.

Que a JMJ inspire muitas conversões apaixonadas pela pertença à Igreja de Cristo, são os meus votos.

Publicado originalmente no Observador

Os católicos e as redes sociais

por João Távora, em 13.07.23

Américo.jpg

A propósito da nomeação de Américo Aguiar a Cardeal e duma frase infeliz por si proferida numa entrevista recente faz-me muita impressão a quantidade de cristãos que nas redes sociais se sentem legitimados a fazer julgamentos sumários e tomar partido em assuntos delicados e complexos da (sua?) Igreja, com uma arrogância de pasmar.  

Foi por isso que me lembrei do meu pai que foi de tal modo contra o Concílio Vaticano II que só perto do fim da vida voltou a ir à Missa. Mas curiosamente, à parte dum ou outro reprimido sussurro à frouxidão dum ou doutro Bispo (a história repete-se…), nunca o ouvi nem dele li qualquer opinião sobre o assunto, que guardava só para si por respeito à Santa Madre Igreja. E talvez, suponho eu, para não armadilhar o crescimento dos filhos nessa pertença que nunca renegou.

Mas o curioso é que hoje qualquer bicho caruncho, cheio de certezas, tem uma opinião histriónica sobre as opções da Hierarquia e do Vaticano, que da sua trincheira desfralda aos 4 ventos nas redes sociais, cada vez mais uma tasca mal frequentada.

Viva a liberdade de opinião mas cuidado não tropecem nela.

Aí vamos nós...

por João Távora, em 18.10.22

JMJ_2023.png

Há já por aí muita gente indignada, por ignorância ou má-fé, com o preço 235,00 de inscrição nas JMJ que decorrem em Lisboa início do mês de Agosto próximo. Os títulos sensacionalistas dos jornais como este do Correio da Manhã convidam ao disparate. Agora que o país prepara-se para se fracturar em dois, com argumentos contra e os a favor desta iniciativa, convém esclarecer que o "pacote" disponibilizado pela organização inclui alimentação, alojamento, transporte, seguro e um kit de participante que dá acesso a toda a programação entre os dias 1 e 6 de Agosto de 2023. Quem quiser ir por sua conta não paga nada. E como é habitual nas actividades dos movimentos da Igreja Católica, uma inscrição paga sempre várias outras daqueles que não têm dinheiro. Ninguém é deixado para trás.

JornadasMundiais.jpg

Estranho (ou talvez não) é verificar a animosidade de uma certa elite intelectual que se arroga defensora das liberdades e da igualdade em teoria, mas que fica profundamente acossada com a sua prática no concreto. Será certamente uma maçada para ela ver Lisboa invadida por jovens em festa, vindos de todos os cantos do mundo, de diferentes línguas, raças e nações, a encher Lisboa por amor de Jesus Cristo e à Sua Mensagem, apenas com uma linguagem comum: a generosidade de que sejam capazes, a sua Fé, energia e poder de reivindicação que lhe é intrínseca. Julgo que esse rancor se explica pelo temor e incompreensão daqueles que nunca experimentaram a Liberdade profunda que nos devolve uma Fé sincera e cultivada. Afinal é com os joelhos no chão e os olhos no céu que nos redimimos e libertamos, e isso, hoje como há 2000 anos, é uma verdade chocante aos olhos do mundo. 

Como é bom de ver, mas não conveniente aprofundar, é nessa prática cristã, que testemunhamos o desabar das fronteiras nacionais num benigno multiculturalismo realizado, porque fundado sobre a rocha dos mais basilares valores fundamentais da humanidade: «Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Maior do que estes não há mandamento algum». Esta é a chave desse mistério, o legado de Jesus Cristo. No princípio os cristãos distinguiam-se pela alegria e amor que irradiavam, “olhai como eles se amam”, um desafio que ainda hoje enfrentamos. E quem conheça a vida da Igreja nas nossas cidades, sabe muito bem como é normal celebrarmos uma Eucaristia presidida por um sacerdote africano de pele retinta e ajoelharmo-nos lado a lado com um individuo ou família de diferente condição económica, da mais exótica etnia ou cor de pele, sem que isso esmoreça o fervor da oração comunitária.
Ao fim de 2000 anos temos de nos perguntar se haverá caminho alternativo para a humanidade que não a mensagem de amor cristão emanado de Jesus Cristo. Porque será que esta proposta de harmonia não vos serve? Porque será que os dois milhões de jovens de tantas e distintas pátrias e continentes reunidos no Panamá em torno do Papa Francisco causam tanto incómodo à intelectualidade bem pensante europeia? Porque estas reuniões constituem a desconstrução da Luta de Classes e do Marxismo Cultural que nos querem impingir aqueles que há séculos  prometem acabar com a Igreja de Pedro?

Como aconteceu nos diferentes grandes eventos católicos sucedidos em Portugal desde a visita de Paulo VI, sempre que foi dado protagonismo devido à juventude generosa e entusiástica, estes acontecimentos resultaram no reforço do catolicismo, mas principalmente foram ocasião para muitas mentes inquietas (e que perigo é a inquietação para o status quo), de gente inconformada com a precariedade das respostas do tempo, se converterem ao desafio que Jesus Cristo a todos propõe.
No fundo a grande ameaça que constituem as Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa em 2022 é o reforço dessa identidade cristã neste extremo da Europa, fervorosamente laicista, tecnocrática, economicista e anódina, que preconiza tornar a nossa gente meros consumidores divididos em segmentos de mercado. Um continente em que a caridade (leia-se Amor) se quer desligada das pessoas, regido por um algoritmo legal, sem alma, sem identidade, sem pertença... sem consequência. 


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