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Emoções básicas (41)

por Luís Naves, em 08.01.09

Paixões

A discussão que o Tiago Moreira Ramalho e o João Tordo tentaram iniciar aqui nos últimos dias, sobre a monarquia, originou comentários irados. É interessante como este sistema de governação que serviu durante séculos mas que não possui actualidade suscita tais emoções na blogosfera portuguesa. A monarquia terá no máximo interesse histórico. Por mim, acho mais importante falar do futuro.

 

Por exemplo, a república americana criou um sistema peculiar que assegura aos EUA um domínio internacional sustentável. A grande vantagem parece-me ser a sua adaptabilidade, mas há outros elementos, como a livre expressão, o reflexo anti-aristocrático, a renovação das elites. A América mantém-se dominante desde 1945, apesar da recente ascensão de rivais; mas estas potências emergentes, como a China comunista (ou de mandarinato), são ao mesmo tempo vulneráveis a crises. Por outro lado, na hora da saída do 43º presidente americano, é interessante observar como estes oito anos de unilateralismo da era George W. Bush não passaram de ilusão. Os EUA ganham em desenvolver as alianças do tempo da Guerra Fria. Barack Obama, provavelmente, quererá reforçar as relações com a Europa e Japão.

 

Na Europa está a surgir uma nova forma de fazer política, baseada na negociação permanente (alguns diriam excessiva) e numa complexa rede de relações entre órgãos que se complementam. É um work in progress que não se parece com mais nada. Claro, as nações continuam a dominar o sistema, mas é interessante ver como a presidência europeia de um país de pequeno porte, como a República Checa, pode causar tantos estragos. Ora, isto é uma vantagem da UE, não é um defeito.

 

É curioso ver como a Rússia de Vladimir Putin tem tão poucos críticos na blogosfera, em comparação à América ou à Europa (onde há democracias). Como prova a questão georgiana ou a do gás ucraniano, as acções de Moscovo são explicadas pela perda de parte do império, no final da Guerra Fria. Hoje, a Rússia tenta condicionar as antigas colónias e recuperou um sistema (no papel, uma república) que se assemelha em muito à hierarquia czarista. Ou seja, Putin é uma espécie de Napoleão, usando a república para reconstituir o império.

 

Há um outro sistema em competição, o teocrático, muito em voga em países muçulmanos onde os militantes fundamentalistas afastam os moderados. Também é interessante ver como autores da nossa blogosfera chutam para canto este interessante grupo do Islão político, que não negoceia, por ter sempre a razão divina do seu lado. A vitimização faz sempre parte da estratégia de poder. Estes também se enganaram no século, mas com mais cinismo do que os imperialistas.

 

As emoções básicas (crónica) V

por Luís Naves, em 06.07.07


De como gostamos da violência
De onde vem a raiva contemporânea, essa intensa ira que nos corrói? Toda a cultura popular é feita de imagens de extrema agressão; a informação, o entretenimento, o que nos chega pelos espelhos que nos rodeiam, tudo é feito de grotesco, desumano e distorcido.
Seja qual for a comparação, os contemporâneos vivem melhor do que nunca. Viajamos, temos acesso a um bem-estar jamais visto, a confortos que no passado pertenciam apenas aos poderosos. E, no entanto, quase ninguém parece satisfeito, como se toda a gente fosse insaciável, todos ao mesmo tempo.
Confesso que me confunde, esta insatisfação quase revoltada. Há quem explique a ira contemporânea pela vaidade intranquila, a perturbação de ver os outros subir na vida. Seria, pois, a inveja a dominar o nosso mundo.
Mas a explicação não me parece suficiente para se compreender a inundação de imagens de extrema violência.
Abro a televisão e ali passam resumos de filmes: são extractos breves do essencial, uma sequência rápida de efeitos especiais onde se podem ver pessoas a ser desfeitas, pedaço a pedaço, com volúpia...
Ainda não tinha visto um filme muito popular há dois anos: A Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg, baseado em H. G. Wells. Gosto muito do livro original e também gostei de um filme dos anos 50 em que a invasão marciana era uma espécie de metáfora do seu tempo da guerra fria (os americanos eram pacíficos, quase ingénuos, bonzinhos e inocentes). Na nova versão (que vi um dia destes) para meu espanto, Spielberg corta Wells às postas e faz do original gato-sapato. O filme é uma xaropada sentimental sobre um mau pai que protege as suas irritantes criancinhas, as quais guincham histericamente todo o filme, enquanto o absurdo progenitor anda de um lado para o outro a atropelar refugiados como ele. Torci pelos invasores. Na versão de 50, os americanos ajudam-se uns aos outros, estão do mesmo lado, querem defender o seu país. Na versão pós-11 de Setembro, é cada um por si. Tom Cruise chega a matar um homem que lhe salvara a vida.
De onde nos vem esta raiva? É este um sinal de algo mais fundo?
A TV passa uma genial série, Roma, onde a violência está de tal modo integrada na história, que faz sentido. Acho que a série tem um argumento impressionante, muitíssimo bem feito, com personagens desenhadas ao pormenor, de enorme riqueza de nuances psicológicas. Mas o que me fascina, nesta série de TV, é a forma como os argumentistas falam de nós, parecendo que nos contam uma história sobre o fim da república romana e a guerra civil que levará ao império. (Não posso deixar de referir a excelência deste programa, dos actores à realização, passando pelo texto, os figurinos, gráficos ou fotografia).
O fundo histórico é um pretexto (e nem me refiro aos erros). O que é ali importante é a exibição da ira contemporânea, cuja origem não é de todo clara.
Não assenta na divisão em classes, pois todas as classes a possuem na mesma proporção. Não é o hedonismo dos ricos, pois também os miseráveis são cruéis. Não tem a ver com a natureza humana, pois tanto os bons e inocentes, como os maus e hipócritas, adoram a violência e vivem na violência.
Mas atravessa toda aquela história um lugar comum da ira: a ausência de valores. O único verdadeiro idealista, o judeu Timão, após uma carreira de matança insensata, tenta libertar-se do horror, mas tragicamente sem o conseguir. É o único que o tenta fazer, nesta história sobre o poder e a traição, sobre ambições sem limites e o elaborado acaso. Roma é um espelho do mundo contemporâneo, que também se debate numa espécie de guerra civil: vive numa crise insondável, com nostalgia de um passado feito de heróis destemidos e honrados. Um passado inatingível. É um mundo sem esperança, que desconhece ainda estar a criar a sua própria destruição.


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