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O que distingue este movimento, que eclodiu nestes países árabes, das revoluções pela democracia na América Latina e na Europa, é que estas revoluções árabes não têm direcção, nem organização, nem programa.
Pode ser que este seja o primeiro dia do resto da vida dos países árabes, que têm estado entalados entre as ditaduras laicas e o fundamentalismo religioso.
Mas é preciso perguntar:
O que há para lá de Mubarak? A Irmandade Muçulmana é o grupo mais organizado da oposição no Egipto. Quem é a Irmandade Muçulmana? A Irmandade Muçulmana atacou o turismo através de grupos saídos das suas fileiras e o turismo faz viver dois a três milhões de famílias egípcias.
Este grupo anunciou que iria juntar-se aos manifestantes anti-Mubarak que têm abalado o regime egípcio nos últimos dias. Os especialistas não acreditam que este grupo, meio clandestino, seja governo. No entanto a Irmandade consegue fazer eleger vários deputados que se candidatam como independentes.
O que há para lá de Ben Ali? A Tunísia está sob um governo de União Nacional, desde a queda e fuga de Ben Ali. Liderado provisoriamente e até às eleições por Mohamed Ghannouchi. Mas nem por isso a violência parou na Tunísia. Nas ruas de Túnis há uma forte oposição ao governo de transição por incluir pessoas do partido de Ben Ali, o RCD. Desde a queda de Ali, foram constituídos três partidos que se preparam para disputar o poder. São eles: o Tunísia Verde, de Abdelkader Zituni, o Partido Socialista de Esquerda, de Mohamed Kilani, e o Partido do Trabalho Patriótico e Democrático, de Abderrazek Hamami.
Já há apelos a uma revolução esta sexta-feira na Síria, a que chamam o "Dia da Ira Síria".
Pode isto ser uma viragem estrutural do mundo árabe para a democracia? Ou é isto o rastilho para uma guerra no mundo árabe?
João Galamba, em Jugular, propôs-me para o prémio do understatement do ano, o que me deixou contente, pois não é todos os dias que se ganha o qualquer-coisa do ano, sobretudo numa área nobre e numa arte mais difícil do que a do eufemismo. Ainda por cima em inglês.
O autor acrescenta a opinião, certamente justa, de que não se tira grande coisa do meu post. Isso preocupou-me.
O post que mereceu a crítica tem duas partes e penso que ambas incomodaram João Galamba. Na primeira, há uma observação, ainda numa fase primária, que me parece poder ser confirmada pela experiência: na blogosfera, aqueles que mais criticavam cada uma das decisões de Bush agora elogiam cada uma das decisões de Obama. É uma constatação e penso que se aplica a Jugular e diria que se aplica ao João.
A observação seria inócua sem a segunda parte do post, onde me expliquei mal. A objecção do João ao meu texto, obviamente, está certa: qualquer presidente desejará manter o poder da hiperpotência. Trata-se de uma banalidade. Por isso, acrescento, as eventuais mudanças estarão na forma de o conseguir. Mas o facto de me ter explicado mal não altera a realidade: estes foram os meses marcantes do primeiro mandato de Barack Obama e não se vislumbra uma mudança na forma de manter os equilíbrios que prolongam o poder da hiperpotência. Ou seja, a política externa americana não mudou no conteúdo. Existe continuidade, não no estilo, mas na substância.
Vejamos exemplos recentes, onde o que fez Obama não se distinguiu de posições que Bush teve no final do seu segundo mandato sobre assuntos semelhantes: Cimeira na Rússia, (empate e adiamento); Irão (silêncio); Xinjiang (silêncio); Honduras (chuto para canto); G8 (empate e adiamento); Afeganistão (ofensiva militar). Se Bush fosse o presidente, imagino as críticas.
Para um observador como o João, a política externa americana sofreu um sobressalto e é neste ponto que estamos verdadeiramente em desacordo. É isto que terei muito gosto em discutir com o autor.
A situação no Irão parece estar a evoluir de maré de protestos para uma fase de negociação de compromisso. Não parece que Mahmoud Ahmadinejad seja retirado da presidência, pois isso seria mostrar uma fraqueza que o regime não tem. Como se pode ver neste texto do New York Times, o Líder Supremo, Ali Khamenei, referiu-se à imprensa “sionista” que no ocidente, segundo disse, tem manipulado as notícias sobre o Irão. Este regime não vai aceitar uma revisão do resultado eleitoral e poderá contentar os reformistas com algumas aberturas controladas e concessões menores. Seria importante o abandono do programa nuclear, mas é preciso não sonhar. No Irão mandam os religiosos e estes não vão abandonar a bomba.
Aliás, penso que o tema tem sido discutido na blogosfera portuguesa com pouco realismo. Compreendo que o desejo em política dê origem a campanhas, como se vê em Jugular, que tem publicado propaganda dos reformistas (sim, usei esta palavra associada a algo de maléfico e pouco honesto; mas que querem? é propaganda na mesma, embora do lado "bom").
Acho compreensível, gostava que tivessem razão, mas infelizmente o que escreve Luciano Amaral, aqui, é mais realista, como são mais realistas estas observações de Ana Cássia Rebelo, em Ana de Amsterdam, aqui e aqui.
É perigoso confundir desejo com realidade e fazer a leitura dos acontecimentos aos olhos das nossas convicções. Esta é a maneira mais certa de não percebermos nada.
O Irão desenvolveu um regime autoritário vigiado pelo poder teocrático e no ocidente é normal ter simpatia pelas elites que querem mudanças nesta sociedade inflexível e altamente fanatizada.
Por enquanto, é impossível perceber para onde caminha a revolução islâmica. Talvez isto acabe numa mudança de regime, sendo mais provável a pequena evolução e consequente afastamento dos elementos radicais.
Não acredito que possa haver uma mudança sísmica no poder religioso, personificado no Ayatollah Ali Khamenei, mas seria lógico o afastamento de Mahmoud Ahmadinejad, presidente acusado de ter vencido as eleições através de uma fraude em larga escala. Os dirigentes religiosos estão muito divididos e as pessoas não abandonam as ruas. Talvez um milagre seja possível.
O anúncio da derrota de Ahmadinejad seria uma boa notícia para o Irão e para o mundo. Haveria esperança dos iranianos abandonarem o seu perigoso programa nuclear e moderarem as ambições de hegemonia regional.
Infelizmente, como aconteceu na Birmânia, ninguém pode excluir a possibilidade dos ultra vencerem, forçando o Irão a entrincheirar-se ainda mais no seu beco sem saída. Mesmo que ganhem os moderados, é preciso não esquecer que esta será uma democracia tutelada e limitada desde o momento de escolha dos próprios candidatos, o que inclui Mir Houssein Mousavi, que é um membro deste regime.
Discordo deste texto de João Galamba, em Jugular. O autor defende a tese de que Obama está limitado pela anterior administração: “acção condicionada por políticas passadas”. Diz João Galamba que “a única influência bushiana nas políticas actuais é o seu legado (negro) e não qualquer tipo de visão ideológica”, frase que se aceita em parte, mas que dava pano para mangas.
Claro que o autor fala sobretudo da questão de Guantánamo, não se percebendo nesta tese a razão da Casa Branca ter uma posição diferente da do Congresso democrata. Ao contrário do que sugere João Galamba, acho que se pode dizer que Obama “recuperou” um tipo de solução para lidar com o problema dos prisioneiros de Guantánamo, portanto, não se “limita a ter de lidar com uma situação táctica que lhe foi deixada”. Podíamos dizer o mesmo sobre a guerra do Afeganistão, onde aliás a táctica certa ainda não está bem definida. Diria que a própria estratégia parece algo incerta.
A meu ver, este artigo revela o crescente incómodo dos observadores de esquerda que não compreenderam um aspecto das últimas eleições presidenciais americanas: Barack Obama não era um candidato revolucionário que iria trazer rupturas ao sistema, mas sim um reformista que se propunha fazer coisas bem pragmáticas. Apesar da retórica, na América não há cortes abruptos, mas melhoramentos. A mudança não tem a ver com a alteração do modelo e inclui sempre o elemento da continuidade. Obviamente, Obama não é sequer parecido com Bush ou Cheney (talvez a pior dupla da história americana), mas muitas das suas políticas serão idênticas porque o que está ali em causa é o interesse prático dos Estados Unidos.
Eu sei que já foi há uns dias, mas fazia cá falta este tesourinho deprimente da geopolítica.
José Pacheco Pereira escreveu dois artigos no Público (um deles pode ser lido no Abrupto) sobre o conflito no Iraque e a justificação da guerra. Como é habitual no autor, os argumentos são inteligentes e eruditos, mas passam ao lado do essencial: a estratégia já falhou e, por isso, a guerra está perdida.
Quando derrubaram Saddam Hussein, os americanos queriam democratizar o Médio Oriente, através de um efeito dominó de democracias, controlar o preço do petróleo, testar a modernização que tinham efectuado nas suas forças armadas na década anterior, ganhar a opinião pública árabe contra o terrorismo e dar um passo decisivo na sua meta de só ter aliados no Golfo Pérsico, o coração petrolífero do planeta.
A democratização do Médio Oriente está comprometida. Sempre que se falar em democracia num país árabe, a liderança no poder dirá que esta é igual a caos: "vejam o que aconteceu no Iraque".
O preço do petróleo entrou em parafuso, embora a Guerra do Iraque não seja o único factor nem talvez o mais importante.
A modernização das forças armadas americanas teve de ser desacelerada, pois é preciso pagar os elevados custos da guerra. De qualquer forma, neste ponto, os EUA têm um avanço de 20 anos.
A opinião pública árabe será provavelmente mais anti-americana do que era. Aqui, houve mesmo um desastre.
E o Golfo Pérsico ficou mais instável. Onde havia três forças, há duas: Arábia Saudita e Irão. O Iraque está fragmentado em três partes, cada uma das quais precisa de ajuda externa para sobreviver. Os curdos estão rodeados de inimigos e serão um factor de perturbação para a Turquia e Irão. Os árabes xiitas, no sul, precisam dos americanos para não serem dominados pelos iranianos (persas) e mesmo assim há quem discorde, como é o caso de Moqtada al-Sadr. Os árabes sunitas precisam de protecção contra todos os outros.
Escrevi várias vezes neste blogue, ao longo do ano passado, que o combate final pela Casa Branca seria entre John McCain e Hillary Clinton. Esta previsão não podia levar em conta a espantosa campanha do Barack Obama. Tinha tanta confiança na vitória de Hillary entre os democratas que fui subestimando as hipóteses do adversário da antiga primeira dama. Outras pessoas, neste blogue, viram mais cedo a importância da nova figura (o caso do Pedro ou do Francisco). A inteligência, o carisma e a capacidade oratória são arrasadores. Eleger uma mulher parece ser difícil.
Enfim, a corrida está, agora, resumida a três nomes: McCain, Hillary e Obama Um deles será o próximo Presidente americano e isso implica mudanças. Guantánamo, a guerra no Iraque, as relações com a Europa e com a China, com a América Latina, tudo vai mudar, nomeadamente a economia. Aliás, será a economia a definir a eleição e os democratas terão vantagem, pois nos meses cruciais, Setembro e Outubro, o desemprego será mais alto. (Sim, não haja ilusões, vêm aí tempos difíceis).
Os democratas estão empatados. Sem Obama, Hillary não pode ser escolhida; o inverso também é verdadeiro. Este impasse é perigoso para ambos. Ganhar o partido vai exigir golpes baixos e ameaça transformar-se numa vitória de Pirro. Acho que no final, a decisão será pelo voto popular democrata, mas este pode não coincidir com o número de delegados. É um pesadelo.
A única saída, para os democratas, é algum tipo de acordo, e depressa. Hillary, neste momento em desvantagem, terá de aceitar ser vice de Obama. Acho que este cenário é bem possível, logo a seguir à votação na Pensilvânia. A luta final será entre Obama e McCain e o primeiro estará a um passo da Casa Branca.
Li e ouvi algumas análises sobre a nova estratégia da Casa Branca para o Iraque e, na maioria dos casos, surgia uma curiosa lenda: os Estados Unidos comportam-se de forma tão estúpida que nada daquilo faz sentido.
O pressuposto aparece em comentários tão díspares como o de Pulido Valente, no Público (sem link) ou nas reflexões de Daniel Oliveira, no Arrastão. Também já se ouviu na TV.
A meu ver, a teoria da estupidez americana impede uma boa análise dos factos e, acima de tudo, confunde erros políticos com acções descabeladas. Os EUA falharam o seu plano A para o Iraque e já estão a combater o plano B, que tiveram de improvisar. Ou seja, estamos perante o caso clássico de um império que tenta reparar uma situação aparentemente desesperada.
Em primeiro lugar, é preciso compreender o essencial. A estratégia americana visa desde o início criar um ambiente favorável aos interesses ocidentais na região do Golfo Pérsico. Que interesses são esses? O suave fluxo de matérias-primas energéticas. A Civilização Ocidental depende inteiramente do petróleo do Golfo: A Arábia Saudita produz nove milhões de barris diários, o Irão mais seis milhões e o Iraque tem potencial para cinco ou seis, embora produza menos de três milhões. Há mais países na região a produzir gás natural e petróleo. Enfim, a zona é responsável por 25% do abastecimento mundial de petróleo e, dentro de dez anos, algo próximo de um terço.
Claro que, no plano retórico, o Iraque devia tornar-se uma radiosa democracia. Mas esta era uma espécie de cereja em cima do bolo.
Saddam Hussein começou a sua carreira como nacionalista árabe, foi depois um combatente da Guerra Fria. Em ambos os casos teve enorme sucesso, no entanto nunca se adaptou à nova ordem mundial, nos anos 90. Em vez disso, tentou tornar-se um líder hegemónico na região. Talvez devido a excesso de confiança ou por temerem genuinamente as ambições do ditador iraquiano, os EUA decidiram abandonar a sua política tradicional para o Golfo, que se baseava na manutenção de um sistema de equilíbrio de poder entre três potências, com pelo menos duas pró-ocidentais. Arábia Saudita, Iraque e Irão deveriam manter-se mais ou menos idênticas, sem nenhuma delas a conseguir ameaçar as duas outras, e sobretudo sem coligações de duas hostis à América.
O sistema funcionou até ser perturbado por um Saddam que acreditava poder ser o dono da região.
Como os três últimos anos comprovaram, ao removerem o ditador iraquiano, os EUA não conseguiram manter o sistema de três potências. Este foi o erro político.
É à luz desta lógica que podemos interpretar os actuais desenvolvimentos. O Iraque vai desaparecer e a estratégia americana é já a de conseguir que essa fragmentação ocorra com o mínimo de derramamento de sangue e, sobretudo, que ela não perturbe o normal fluxo de petróleo do Golfo.
A entidade curda funciona já de forma praticamente independente. Terá petróleo, mas também o problema do isolamento geográfico. Penso que irá depender de uma boa relação com a Turquia e com os Estados Unidos.
A entidade xiita, a sul, está em formação. Precisará dos americanos para não cair totalmente nos braços do Irão. Tem petróleo. Será uma teocracia governada pelos Ayatollahs mais respeitados.
A entidade sunita está ainda indefinida. Poderá nascer radicalizada ou regressar a uma ditadura do partido Baas. Tem pouco petróleo e precisa de uma boa ligação à Síria, pois não me parece que lhe sirva a protecção da Arábia Saudita.
O Plano B, a fragmentação do Iraque, parece assim ser pouco favorável aos interesses americanos e ocidentais, mas o problema é que não existe outra possibilidade.
Será difícil que a partilha ocorra sem grande derramamento de sangue. Mas, se a divisão for rápida e sangrenta, como querem os democratas dos EUA, os soldados estarão de volta a casa dentro de um ano. Isso, claro, também dependerá do Irão e da Arábia Saudita.
E se o Hamas volta a ganhar na Palestina? Irá Israel mudar de atitude em relação ao governo radical?
Enfim, esta é uma entre muitas incógnitas que vão afligir a região do Médio Oriente em 2007.
A zona de fractura mais volátil do mundo, devido à cobiça das imensas riquezas no subsolo (três quartos das reservas petrolíferas mundiais), a região do Médio Oriente terá os seus olhos postos no que se passa na Palestina e no Iraque. E os fundamentalistas islâmicos podem ali reunir novos argumentos para alimentar a sua guerra santa.
O projecto dos neo-conservadores americanos de se transformar o Iraque num farol democrático, que seria depois imitado por todos os países da área, fracassou de forma clamorosa. O efeito real foi exactamente o inverso do desejado. Perante o descalabro do novo poder iraquiano, incapaz de se sustentar sem apoio externo, os regimes autoritários da região vão travar as suas tímidas experiências democráticas. Até porque se libertarem o voto, ganham os fundamentalistas.
Mas a situação mais perigosa parece ser a do conflito entre os dois principais ramos do Islão, o Sunita e o Xiita.
Em guerra aberta no Iraque, as duas comunidades terão tendência para chocar entre si, no âmbito da rivalidade entre Arábia Saudita e Irão.
Teerão tem ambições nucleares e um regime algo paranóico. Mas não me parece que os EUA estejam em condições de ameaçar os seus planos. Israel tem a vontade mas não possui os meios. Por isso, penso que o Irão conseguirá desenvolver bombas atómicas, talvez em 2008. Trata-se de uma perigosíssima proliferação, a marcar o início de uma guerra fria na região.
E que dizer da instabilidade crescente da monarquia saudita? As regras da sucessão do monarca aplicam-se a príncipes com mais de 70 anos. Em breve, a sucessão caberá à geração seguinte (uns 300 potenciais elegíveis), com divisões entre pelo menos duas facções, uma mais conservadora e hostil a Teerão, outra mais próxima do Ocidente. Conseguirá a família real manter a sua unidade?
A NATO também deve encontrar maiores dificuldades no Afeganistão. E é uma incógnita assustadora saber até que ponto existe uma possibilidade da Aliança Atlântica perder aquela guerra. Seria a primeira e a última travada fora da Europa pela organização.
Enfim, se é possível fazer previsões para o Médio Oriente em 2007, diria que todos estes conflitos vão agravar-se, com impacto nos preços do petróleo.
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