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Tarefa complicada
É complicado ter de explicar um post, (o erro é meu) mas os comentários que recebi de leitores e Gabriel Silva, em Blasfémias, a isso me obrigam. A minha intenção não era a de valorizar o que aconteceu, nem sequer ali está a minha opinião sobre a UE (concordo com o brilhante texto de Alexandra Carreira, aqui no Corta-Fitas). Quando se tornou óbvio que o "sim" ia ganhar, limitei-me a explicar simplificadamente as implicações da aprovação do tratado, segundo aquilo que eu julgo que irá acontecer. Lembrei o que consta no documento e tentei dizer o que lá está sem usar jargão comunitário.
Não me congratulei pelo facto dos países grandes ganharem poder, mas parece-me evidente que isso permitirá avançar políticas de integração que estão no congelador. A UE será mais ambiciosa, mas não escrevi que estava entusiasmado com esse facto, embora isso me agrade.
Na Europa passará a aplicar-se o princípio de quem paga, decide. A Alemanha paga, pois bem, terá mais voz na matéria. Os comentadores parecem achar isso horrível. A mim, parece-me apenas lógico.
Expulso
Tal como Gabriel Silva assinala, não fui claro na questão das expulsões: passa a existir uma cláusula de saída voluntária, não de expulsão. Mas, a meu ver (posso estar enganado), isto tem uma implicação política importante, embora difícil de explicar: a cláusula passará a servir como forma de pressão sobre países que, por uma razão ou outra, não cumprem os critérios do bom comportamento europeu. Gabriel Silva pensa que me enganei , mas insisto: acho que esta será, eventualmente, uma cláusula de expulsão e servirá para pressionar países "mal comportados". Eu não estava a pensar em Portugal, mas sim naqueles que usam, por exemplo, chantagem para travar alargamentos ou para pressionar politicamente um vizinho que esteja fora da união. Estava a pensar nos direitos das minorias, que alguns se esquecem de respeitar, ou ainda para aqueles que votarem na extrema-direita. Bastará o conselho fazer uma sugestão: "estamos a ver que os senhores desejam sair do clube, passem bem", para o país em causa mudar de política. "Infantilização dos Estados", como escreve Gabriel Silva? Eu vejo padrões elevados.
Simplifiquei em excesso e não fui claro no post, peço desculpa. Se voltei a não ser claro, paciência, teremos outras ocasiões para falar no assunto.
Aversão
Um comentário sobre os comentários. Em Portugal existe uma curiosa aversão à UE. Não deixa de me surpreender. Este soberanismo militante parece ignorar que o pouco desenvolvimento que o País conseguiu nos últimos 30 anos se deve aos subsídios europeus e à estabilidade política a que a Europa nos obrigou, isto apesar dos nossos maravilhosos governantes (muito cá de casa) só terem feito disparates.
É uma questão de identidade: um país com identidade forte, como é o caso português, integra-se facilmente numa UE forte. Só a nossa elite intelectual não parece perceber isso, talvez para não se comparar com as outras elites.
Está na moda atacar impiedosamente os que defendem a UE (o que até nem era o caso deste texto). Falam em pensamento único e outras coisas assim, mas o pensamento único por acaso até se manifesta ao contrário.
Se me permitem ser opinativo (já sei que alguns não vão permitir), sou favorável a uma UE forte. Acho que quando a União Europeia se permite avanços, isso é vantajoso para Portugal. Foi assim com o mercado único, com o euro e com o alargamento. Oportunidades nem sempre bem aproveitadas, mas mesmo assim oportunidades.
Confederações
Gabriel Silva desvaloriza um pormenor opinativo do meu texto, sobre a eventualidade de um referendo europeu, lá para as calendas gregas. A Europa inspira-se na Suíça, que é uma confederação onde há referendos. Acho que não seria o fim do mundo se os europeus votassem o próximo tratado, se houver próximo tratado. Evita-se a palhaçada irlandesa, esse simulacro de democracia que para uns era bom se tivessem votado "não" e para outros só é bom porque votaram "sim", e era mau para uns quando votaram "não" e passou a ser mau para os outros porque agora votaram "sim". Do que nós escapámos, francamente...
O autor de Blasfémias também desvaloriza outra frase do meu texto (o tom displicente é de quem lava o rabinho a meninos, mas eu estava a precisar de um banho de humildade), sobre as implicações do não-tratado. No caso de se repetir o "não", acho que alguns países avançavam com um projecto de núcleo duro onde Portugal teria grandes dificuldades em entrar, mas onde a Espanha não dispensaria um assento. Não me ocorreu que este é talvez o sonho das elites portuguesas, sempre muito british.
Síndroma de Pedro e o Lobo
Ideologia e cultura
Este post de Palmira F. Silva, em Simplex e Jugular, pega num dos mitos mais interessantes da “esquerda” portuguesa: segundo essa ideia, a direita não é apenas ignorante, mas também anti-intelectual, demagoga e populista.
A autora, obviamente, nem se apercebe da arrogância intelectual do seu texto ou do desprezo que lança sobre os adversários. Aparentemente, estas são reflexões sobre um livro de Sinclair Lewis, Babbitt, e um segundo romance do mesmo autor (que desconheço) mas o objectivo do texto está nas últimas linhas: a vitória do PSD nas legislativas seria equivalente a uma espécie de fascismo ou ao triunfo da classe média analfabeta, gananciosa e sem horizontes. Estaríamos a escolher entre um partido descerebrado, de gente inculta, e outro que nos trará brilhantes políticas do pensamento.
Não vale a pena gastar muitas palavras a comentar esta curiosa concepção de democracia. Para mim, isto é elitismo disfarçado. É dizer que os intelectuais é que sabem e que o povo se deixa manipular com facilidade. Palmira F. Silva esquece o contexto da época de Lewis, onde as lutas ideológicas eram mais intensas e o realismo social fazia sentido. No nosso tempo a cultura não serve ideologias. É interessante verificar que quando se deu o choque ideológico entre fascismo, comunismo e democracia liberal, com os dois últimos a derrotarem o primeiro, cada beligerante reivindicava para si a superioridade e a pureza. Mas agora as ideologias esbateram-se e a cultura está fragmentada. Convivem milhares de espécies e nenhuma domina. Muitas vivem em nichos quase invisíveis. Não me parece que haja cultura de esquerda ou de direita ou que um dos lados da política local possa reivindicar superioridade. Aliás, o que trouxe de novo este mandato? Alguma coisa melhorou no património, na ópera, nos teatros, nos museus, no cinema, nas artes plásticas ou na literatura? Ao lermos esta autora, até parece que sim, que houve notáveis mudanças.
Sobre a irrelevância
Cinco dias de visita a um conflito a sério e ao chegar descubro que os temas do debate nacional foram a ideia de proibir o comunismo e qualquer coisa sobre sangue e homossexualidade cuja importância nem entendi bem. De resto, a futebolândia e a respectiva discussão de irrelevâncias. Também sei que o país está a banhos e isso dá desculpa, mas no fundo parece que os portugueses, quando se queixam, não avaliam até que ponto têm a felicidade de viver num país sem autênticos problemas.
Não é caso de locais desse vasto mundo onde ainda se travam conflitos esquecidos, como o de Chipre (na imagem), que envolve democracias europeias e, mesmo assim, não sai da cepa torta; mas podia citar casos como Macedónia, Kosovo, Israel, entre muitos outros, nos quais sociedades desenvolvidas conseguem estilhaçar-se, devido aos ódios das diferentes comunidades.
Nesta viagem fiz um amigo, jornalista e filósofo, que me contou como o seu país, a Macedónia, ficou condenado ao isolamento devido ao nome que criou para se identificar. A Macedónia terá de mudar de nome ou ficará condenada pela comunidade internacional à simples pobreza. É um bom exemplo da duplicidade de critérios. Ali decorre também uma limpeza étnica subtil, porque os albaneses pretendem criar um enclave etnicamente puro, um futuro Kosovo. Com angústia na voz, o meu amigo contou-me como (então cidadão jugoslavo) passeou sem dificuldade pela Europa aos 15 anos, algo que o seu filho de 21 não poderá fazer sem se sentir um pária.
Esta crónica não é sobre Chipre ou sobre a Macedónia, mas sobre a intolerância. Que esta nunca se instale num país como o nosso, onde os nadas que acontecem são como pequenos ingénuos momentos. É para isso que vivemos, para os inocentes momentos felizes. Mesmo nos dias em que não sabemos avaliar até que ponto somos afortunados.
A crítica
Fui à ópera em São Carlos sabendo que Don Giovanni, de Mozart, merecera a hostilidade ou indiferença da maior parte da crítica. Era a última récita e não estava à espera de tal qualidade. A encenação, a música, os cantores, o final invulgarmente forte, enfim, houve perfeição. Isso reforçou a minha desconfiança em relação aos críticos.
Sobre cinema, já pouco leio do que se publica. Nos anos 80, lembro-me de ter visto um filme que achei genial, Blade Runner, que acabou desancado nos jornais. Tive de me beliscar, julgando que estava louco. Numa revista literária do início dos anos 90, que li recentemente, fazia-se um inquérito aos críticos sobre escritores e a estes sobre os críticos. Nas respostas, os autores mediam as palavras, apenas levemente de censura, enquanto os críticos demoliam, entre outros, António Lobo Antunes (como ele foi detestado antes de ser um génio que já ninguém se atreve a atacar).
Não quero ser mal interpretado: tenho pena de que os jornais estejam a abandonar a crítica. No entanto, penso que em Portugal esta tende a ser demolidora em excesso, pois a notoriedade ganha-se sobretudo ao arrasar obras, não a defendê-las. A crítica é muito tribal, a ponto de causar nojo a tribo do lado. Quase nunca procura aspectos positivos e acho que existe demasiada confusão entre personalidade do autor e a sua obra, entre gosto pessoal do crítico e valor artístico do trabalho analisado.
Os críticos deviam meditar na história do grande libertino: Don Giovanni via em cada mulher uma obra de arte e apaixonava-se genuinamente por ela, tentando ver em cada uma o seu lado mais formoso, identificando as fragilidades, mas habilmente não as revelando totalmente. Era polémico e acabou mal, mas morreu consolado.
Ainda as europeias
Este texto de Carlos Abreu Amorim é revelador. Trata-se da visão que o PSD tem do CDS, aqui colocada com toda a franqueza.
Nos últimos 15 dias acompanhei a campanha do CDS e tive a oportunidade de observar este partido, de falar com os seus activistas, de acompanhar os dirigentes. E o que aprendi é diferente das conclusões de CAA. Desconhecia os centristas e, confesso, para mim foram uma surpresa, assim como me surpreendeu o que vi pelo país, sobretudo o poderoso descontentamento que se acumula.
Do ponto de vista da direita faria sentido juntar CDS e PSD num único partido, mas penso que isso seria um empobrecimento da democracia. O CDS tem pouca militância e uma máquina partidária limitada, escassos quadros e uma dependência excessiva da liderança. Na sombra do vizinho, a sua sobrevivência parece difícil.
Apesar de tudo, acho que os analistas do PSD não devem subestimar a forma como muitos eleitores da direita detestam genuinamente os social-democratas. Aliás, acho que o eleitorado do CDS é diferente do social-democrata, menos interclassista e menos abrangente, muito mais conservador. É um eleitorado que, caso desapareça o CDS, tenderá a não votar PSD. Aliás, um eleitorado que pode radicalizar-se.
Penso também que o CDS não deve ser subestimado e que o seu líder, Paulo Portas, será capaz de obter um bom resultado nas legislativas. Nas europeias, o CDS foi prejudicado pelas sondagens e fez uma campanha barata, conseguindo mesmo assim quase 300 mil votos.
O bloco central está a diminuir (baixou dos 70%) e o CDS tem margem para crescer na direita. E já que no próximo ciclo não haverá maiorias absolutas, é bom que o PSD se habitue de novo a este seu vizinho incompreendido, até por vezes desprezado, mas que se prepara para participar numa próxima solução de poder.
O Independente
O final dos anos 80 e início dos anos 90 foi o período áureo do jornal Independente, que não tinha medo e na altura foi acusado de fazer jornalismo justiceiro, não me lembro se alguém usou a expressão jornalismo de sarjeta.
Hoje, que o Independente está extinto e não incomoda ninguém, todos dizem que aquilo é que era.
Sou jornalista e a minha escola não é aquela. Não acredito na forma demasiada agressiva e obcecada em criticar o poder. Não estou a tentar valorizar. São estilos diferentes: aquele em que me revejo tem o defeito da timidez, o outro morde imediatamente.
Daquilo que tenho visto dos jornais de sexta-feira da TVI, penso que os autores tentam reproduzir em televisão o jornalismo do estilo do Independente.
Recuso a ideia, que alguns pretendem fazer passar, de que aquilo é “jornalismo de sarjeta”, e critico o ataque ao direito de perguntar que o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, fez ontem em directo. Quando as pessoas se ofendem muito é porque os jornalistas tocam nos nervos de uma sociedade. O poder tentará limitar a sua acção, pondo em causa a liberdade de informar. São usadas pequenas fórmulas que desacreditam as notícias: “sarjeta”, “situacionista”, as que estão na moda. A profunda crise da imprensa também ajuda. Felizmente, no caso do jornal de sexta-feira, a técnica da contenção parece ter resultados inversos aos pretendidos: o facto é que toda a gente viu a peixeirada de ontem, portanto, toda a gente estava a ver o jornal de Manuela Moura Guedes.
Goodbye Spain
A instabilidade da Espanha sempre foi má notícia para Portugal e este episódio tem os ingredientes de uma preocupante desestabilização. A economia está péssima e a política regional de Zapatero fracassou. No que respeita à descentralização do Estado, talvez os espanhóis não tenham meditado bem no exemplo belga, país que parece estar em fase mais avançada de dissolução: mal é iniciado, o movimento autonómico tem poucas razões para parar; as regiões mais ricas apercebem-se de que estão a abrir os cordões à bolsa, ganham aversão à ideia, e a certo ponto recusam-se a transferências adicionais de riqueza a favor das pobres. Os que em Portugal defendem a regionalização deviam pensar nisto.
Duvido que houvesse muitos verdadeiros independentistas entre a multidão que ontem assobiou o hino, mas será difícil no futuro travar as tendências centrífugas das autonomias espanholas, mesmo que a TVE esconda a cabeça na areia. Esta história também nos ensina algo sobre a Europa, até porque alguns invocaram a “Europa das Nações” (em inglês, para ser mais humilhante). Há quem se iluda em relação à solidariedade dos europeus, os quais teriam a obrigação moral de financiar generosamente os Estados membros mais pobres. Na realidade, será difícil expandir substancialmente o orçamento comunitário. Esta é a limitação da UE: o orçamento equivale a pouco mais de 1% do PIB e não deverá crescer muito, pois quem defenda a sua expansão terá sempre a oposição dos eleitores. E com crise económica em cima é o mesmo que lutar contra moinhos de vento.
Grandes ilusões
Uma memória pessoal
Ainda não tinha 13 anos a 25 de Abril de 1974 e a minha visão daquilo que se seguiu é uma mancha confusa de alterações caóticas e em catadupa. Lembro-me do medo de que a situação política descambasse em guerra civil, e talvez os historiadores do futuro, que possam estudar o período de forma distanciada, concluam que não andámos longe disso. Lembro-me da preocupação dos meus pais e sei que a minha família empobreceu. E, no entanto, tudo mudou naqueles dois anos, sobretudo na maneira como pensávamos. Terá sido o meu ponto de vista adolescente ou foi o rolo compressor da História?
Exercício de imaginação
Pode ser fútil fazer exercícios de imaginação, mas não creio que a minha vida tivesse sido muito melhor se o golpe militar falhasse ou se Portugal se tivesse transformado numa ditadura comunista, ou mesmo se o regime anterior conseguisse uma transição gradual, como aconteceu noutras ditaduras na Europa.
Um triunfo comunista tinha sido uma catástrofe sangrenta e o novo regime não teria passado de 1990. O fracasso do golpe militar implicava a continuação da guerra colonial e o isolamento do país, incapaz de se democratizar. O endurecimento da ditadura era forçoso e não vejo como podia ser evitada a derrota nas colónias. A transição progressiva podia funcionar, mas os processos graduais também têm defeitos e são lentos; penso que essa solução não teria permitido um leque tão grande de liberdades, mantendo crispações que a história factual eliminou.
Os costumes
Passados 35 anos, com a profissão de jornalista, ouvi muitas histórias, para mim quase incompreensíveis, de como a censura cortava notícias que hoje pareceriam inócuas. Só pela liberdade de Imprensa valeu a pena. Mas houve mudanças tremendas nos costumes. A nossa sociedade é hoje muito mais liberal do que a anterior. Ainda me lembro de como era difícil a vida das mulheres no antigo regime e atrevo-me a afirmar: a maior transformação deu-se no plano da liberdade das mulheres (divórcio, acesso a educação, contracepção, união de facto, participação política, poder económico). Desse ponto de vista, o que se seguiu ao 25 de Abril foi uma aceleração ou uma convergência muito rápida com o resto da Europa; o que levara duas gerações a fazer nos outros países levou aqui menos de uma geração.
Os discursos oficiais sobre os dois anos de revolução geralmente não incluem o lado mau, sobretudo o trauma da descolonização, que foi uma tragédia para centenas de milhares de pessoas. O país foi também tomado por uma febre política que destruiu muitas carreiras e permitiu revanchismos e oportunistas. Houve episódios que hoje nos espantam, pelo seu radicalismo, e Portugal foi também palco secundário do conflito entre as superpotências. O facto de pertencermos à NATO foi um elemento decisivo, que garantiu a estabilidade do novo regime político.
A Europa
Numa futura interpretação do período entre 1974 e 2000, talvez os observadores descomprometidos concluam que o facto histórico mais importante foi a democracia ter permitido a adesão portuguesa à comunidade europeia. Isto garantiu definitivamente a longevidade da terceira república, permitindo a sua prosperidade relativa. Recebemos subsídios em quantidades maciças (estão garantidos pelo menos 25 anos, mas podemos conseguir mais de 30) e acima de tudo adoptámos leis modernas e regras democráticas rigorosas. Temos uma moeda única que nos protege das turbulências financeiras externas, apesar de não conseguirmos cumprir as regras desse espaço monetário (e isso terá de mudar). No fundo, a integração europeia foi o nosso seguro contra todos os riscos.
Há nuvens no horizonte? Claro que há. A nossa economia continua a ser frágil e a sociedade possui grandes desigualdades, que geram injustiças gritantes. O país está em crise desde 2001 e o sistema político parece paralisado com o agravamento diário da situação económica. Nesse sentido, concordo com quem afirma que as maiorias absolutas se revelaram perigosas. A democracia portuguesa tem de saber dar o salto qualitativo e criar a sabedoria negocial dos governos de coligação. Os portugueses confiam pouco nos partidos e esse problema exige patriotismo, renovação das lideranças e bom senso. Seremos mais europeus, é esse o futuro, mas não podemos continuar na mediocridade, pois a Europa é também mais exigência.
Ah, o passado do futuro!
Leonor Barros, no sempre excelente Delito de Opinião, lembra a série de televisão Espaço 1999. Infelizmente, o post não comenta essa memória (ficamos sem saber a opinião da autora) e lembrei-me de escrever qualquer coisa sobre este tema feliz.
Como muitos recordam, Espaço 1999 contava as aventuras da tripulação de uma base lunar após a Lua ser ejectada da órbita terrestre por um acidente. Transformada em gigantesca nave espacial descontrolada, a Lua perdia-se no espaço, evitando colidir com estrelas, enquanto os protagonistas procuravam em cada oportunidade encontrar um planeta onde pudessem sobreviver.
A parte mais curiosa desta série italiano-britânica dos anos 70 era o facto de só haver perigos no exterior. Em cada episódio, os náufragos à deriva enfrentavam uma qualquer ameaça alienígena, que lhes iria restringir as liberdades ou transformá-los em saborosa comida.
A série ignorava alegremente as impossibilidades científicas da história básica, mas o pressuposto permitia o aparecimento de uma colorida galeria de visitantes cheios de surpresas (muitos humanóides e versados em inglês, naturalmente), num rosário de mal-entendidos galácticos, referências mitológicas e reflexões filosóficas sobre a existência de Deus e a pequenez do Homem.
Espaço 1999 era um hino à imaginação, que oscilava entre a aventura delirante, o politicamente correcto da época e uns pozinhos de soft horror. Também recordo as cores berrantes e as máquinas engraçadíssimas (que até talvez voassem) ou os uniformes com calças à boca-de-sino. O comandante Koenig era um imbatível, talvez o maior destruidor involuntário de civilizações extraterrestres na história da televisão.
A traição
Em conversa com amigos surgia uma tese recorrente que sempre achei meio absurda. Diz esta teoria que ao ter aceite o cargo de Presidente da Comissão Europeia, em 2004, Durão Barroso criou as condições para a derrota do seu partido, preparando a maioria absoluta dos socialistas.
Em Portugal existe a ideia dos homens providenciais e os partidos mostram ter dificuldades na substituição dos líderes, sendo essa talvez a maior limitação da democracia portuguesa.
Mas a análise em cima parece esquecer factos simples sobre a União Europeia. Portugal teve a oportunidade de ocupar um cargo de alto nível e poderá não voltar a ter outra nos próximos 50 anos. Embora isso não seja bem compreendido aqui, a função de presidente da comissão é extremamente poderosa. Um exemplo entre muitos: na negociação das perspectivas financeiras (a distribuição do dinheiro entre os Estados membros é política da mais séria) Portugal foi beneficiado, face a outros países, e o facto de ter o presidente da comissão não foi alheio ao bom resultado.
A “fuga” ou "traição" de Durão podia na altura ter sido colmatada pela ascensão de outro líder que pudesse manter a coligação PSD-CDS e que não cometesse os erros e excessos que Santana Lopes cometeu. Mas essas pessoas não apareceram na altura. Muitas, nem sequer depois.
Sempre achei estranha a forma como os observadores desprezam a circunstância de haver um português à frente da comissão europeia. O apoio de José Sócrates à recandidatura de Durão Barroso nem devia ser motivo de discussão. Devia ser óbvio.
O tempo em fuga
Perante sinais de dissolução do poder, cada vez mais visíveis, seria normal que crescesse uma alternativa. Mas a oposição continua paralisada, isto a dois meses da primeira votação do ano das três eleições. Portugal vive uma crise estranha: instalou-se o medo e ninguém tem uma ideia de como podemos sair do labirinto. As pessoas temem pelo seu futuro e a total ausência de liderança só pode agravar o estado de alma.
Este governo pensou que liderar era o mesmo que fazer propaganda. A realidade, sempre cruel, acabou por fazer uma visita macabra à maioria absoluta, que pensava controlar tudo com a magia das belas frases.
O meu caso pouco importa, mas estou bastante mais pobre do que em 2005. Na realidade, estou mais pobre do que em 1998. E trabalho mais.
O que importa é que o meu caso é idêntico ao da maior parte dos portugueses. As desigualdades agravaram-se. Além disso, no Portugal contemporâneo, a vida não é apenas mais insegura do ponto de vista económico. A insegurança é física e o futuro de cada um mais incerto. Olhe-se para os jovens de vinte e poucos anos da classe média, geração na qual o país investiu muito esforço; não têm emprego, não têm futuro nas empresas e quase não terão pensões de reforma; muitos deles terão de emigrar; muitos dos que ficarem têm diplomas inúteis. É caso para perguntar: para que serviram vinte anos de subsídios europeus equivalentes a uma média anual de 3% do PIB?
Nas classes tradicionalmente menos favorecidas, o panorama é ainda mais negro, pois são famílias mais pobres, com empregos mal pagos, que estão a sofrer os choques mais brutais da crise. Nem vale a pena falar da exclusão social. Essa será terrível nos próximos anos.
A política não oferece qualquer saída visível. A renovação da maioria absoluta é improvável e os efeitos do caso Freeport vão agravar-se para os socialistas. A oposição social-democrata não parece capaz de ganhar eleições, embora possa tirar a maioria ao PS. O Bloco de Esquerda é uma incerteza e não consegue livrar-se da retórica anti-capitalista. Devido ao calendário das presidenciais, um governo de bloco central teria de durar um mínimo de dois anos, até meados de 2011. Mesmo admitindo que há líderes com esse grau de paciência, a crise económica pode durar mais dois anos, talvez agravada por decisões que estão a ser tomadas. É demasiado tempo para esperarmos por milagres, mesmo um de natureza modesta.
Haverá sempre esmeraldas
As notícias dizem que a situação internacional é bem mais grave do que se supunha. Aliás, ao longo dos últimos meses temos tido surpresa atrás de surpresa: em cada momento, a situação é sempre pior do que se supunha. Os próximos dias serão importantes para o futuro do capitalismo e a sequência desta crise, com a reunião do G20.
Numa cena de A Cidade e As Serras, de Eça de Queiroz, um banqueiro tenta convencer a personagem principal, Jacinto, a investir numa exploração de esmeraldas algures na Ásia. Jacinto duvida e pergunta se foram feitos estudos, se encontraram esmeraldas. E o banqueiro responde: “Há sempre esmeraldas desde que haja accionistas”.
Certas coisas não mudam e talvez haja sempre esmeraldas. Mas foram capitalistas assim que nos trouxeram ao ponto onde estamos. Por outro lado, este será um daqueles momentos da história que mais tarde produzem a sensação de termos vivido algo de invulgarmente intenso. Os acontecimentos precipitam-se sem aparente relação entre si. Tal como aconteceu em outras ocasiões: após a queda do muro de Berlim, por exemplo, ou no final da década de 60 e início de 70, nos anos 30 ou antes da Primeira Guerra Mundial, nas décadas de 70 e 40 do século XIX, em sucessivos saltos de 20 ou 30 anos.
A consciência de termos vivido a História surge mais tarde, mas pelo menos desta vez não podemos ter a atitude de Jacinto e dizer "que é tudo uma seca".
Por lamentável erro, indisfarçável ignorância, chamei Joaquim à personagem Jacinto de Eça. Fica a correcção.
Campo das Letras
O desaparecimento de uma editora é sempre uma má notícia. O anúncio do fim da actividade daquela onde publiquei os livros que escrevi dói com mais força. A Campo das Letras acaba.
Escrever ficção é uma espécie de aventura. Publicar também é difícil. Em 100 escritores, 99 escrevem para o esquecimento. Muitas pessoas pensam que basta carregar num botão qualquer e sai prosa (a famosa inspiração). Nessas perspectivas, o escritor nem tem de ganhar a vida: há sacrifício envolvido, pois bem, mereceu, quem o manda ser vaidoso? Muita gente não acha estranho que um trabalho de anos seja apenas lido por 200 ou 300, escondido atrás do último banal êxito estrangeiro, numa qualquer prateleira de livraria, ignorado pela crítica, invisível. Nem vale a pena falar do sistema literário, mundo que conheço mal, mas que tem fama de certa crueldade.
Sempre achei que a Campo das Letras tinha ousadia nos livros que editava. Publicou-me a mim, que era claramente um risco económico, mau a falar em público e sem aquele aspecto de escritor.
Jorge Araújo publicou o meu primeiro romance por ter gostado dele. Mandei o manuscrito para várias empresas e só duas me responderam, esta a aceitar, outra a rejeitar. Numa terceira editora, telefonei antes, a perguntar se aceitavam manuscritos portugueses. Do outro lado, resposta automática, a voz muito aflita de uma senhora: ‘Não, por favor, não mande nada!’
Para um país, as editoras nacionais são tão importantes como os bancos nacionais. Para haver bons escritores, é necessária massa crítica, um bom número de escritores menos bons. A morte das editoras independentes é, por isso, um mau sinal para a nossa literatura.
Aproveito esta crónica para agradecer. Ao Jorge Araújo e a todos os trabalhadores da Campo das Letras.
Chumbo europeu
Tudo indica que a Cimeira de Bruxelas, a tal que não era importante, correu da pior maneira possível.
Alguns países (novos membros que não fazem parte da zona euro) saem do encontro com a corda na garganta e em grande desacordo com a posição dos grandes. A Alemanha recusou apoiar um pacote financeiro em larga escala para salvar as economias do leste, confirmando as previsões de alguns analistas que davam como certa a impossibilidade da chanceler Angela Merkel agir no exterior em ano de eleições. Não haverá, para os novos membros, uma maneira mais rápida de aceder à moeda única. Para não ser um fracasso completo, o Conselho Europeu parece ter chutado para Junho uma eventual reparação da crise das moedas do leste e dos respectivos sistemas bancários.
Ou seja, a Europa faz a tradicional navegação à vista: se nas próximas semanas, não houver desvalorizações brutais, corridas a bancos ou protestos nas ruas, então correu tudo bem; se acontecer alguma destas situações, a porta não foi inteiramente fechada a que se chame o 113. Os países grandes da UE apostam os ovos todos na cimeira do G20, como se a solidariedade global fosse mais fácil do que solidariedade no interior da União. O cenário parece ideal para os especuladores e para os cínicos.
A Europa está dividida em três grupos de países: leste, sul e grandes. O fosso tenderá a aumentar nas próximas semanas e talvez no futuro este dia seja lembrado como aquele em que começou o colapso da União Europeia. Escrevo à distância, a partir da província, e espero estar muito enganado.
Momento decisivo
As cimeiras europeias que se realizam a meio dos semestres, dedicadas à economia, costumam ser pouco importantes. No entanto, a reunião deste domingo é diferente das outras.
A União Europeia enfrenta uma das suas crises mais graves de sempre, na ruptura financeira na Europa de Leste e magreza das medidas de ajuda. A questão está muito bem explicada neste artigo de Daniel Gros, onde é apresentada uma proposta de solução. No texto fala-se em 250 mil milhões de euros em risco, 90% deste dinheiro com origem em bancos de países da Europa Ocidental, atraídos à região nos últimos anos pelas elevadas taxas de crescimento económico.
A crise internacional provocou no exterior da zona euro uma verdadeira catástrofe que ameaça contagiar um grupo de Estados da moeda única, incluindo Portugal. A própria estabilidade da União está em risco, sobretudo se cada um dos membros se limitar a salvar as respectivas subsidiárias em perigo. Não será fácil fazer isso, pois os sistemas financeiros dos novos membros são praticamente controlados por bancos dos antigos e o mesmo é verdadeiro para as empresas. A economia local está nas mãos de franceses, alemães, austríacos ou italianos: o contágio é fácil e a quarentena difícil.
Este é o teste da liderança. Até que ponto a Europa já esqueceu os verdadeiros custos das suas divisões? Até que ponto esqueceu os sacrifícios que foram feitos no leste para conseguir esta reunificação? Até que ponto tem vergonha destes países que parecem ser um peso?
Saberemos dentro de dias. No fundo, esta é a primeira grande crise do euro, mas também um momento em que vamos perceber se a UE consegue agir em conjunto quando está em causa um problema que diz respeito a todos os países. Caso se aplique o princípio de cada um por si, a maior experiência política contemporânea estará provavelmente condenada ao fracasso. Por outro lado, se vingar o princípio da solidariedade, a integração europeia vai acelerar.
Os jornais do futuro
A sobrevivência da imprensa foi posta em causa pela realidade tecnológica. Fazer um jornal em papel tornou-se caro. O produto é difícil de distribuir e as pessoas têm acesso a notícias gratuitas na internet, de fácil distribuição. Os jornais têm tentado tudo: se cortam nos custos salariais reduzem a qualidade e perdem leitores, iniciando uma bola de neve colina abaixo; o desinvestimento gera menos receita e a empresa descapitalizada investe ainda menos. As mudanças nas redacções, associadas ao aumento de tarefas, reduziram a qualidade jornalística; menos jornalismo igual a menos leitores e receita, o que exerce pressão para que haja mais tarefas para cada trabalhador; a emigração para a net aproveitaria a publicidade que emigrou para a net, só que esse modelo também não funciona, pois quem lê online evita a publicidade.
Mas há motivos para pensar que os jornais vão sobreviver. Esta inovação e sobretudo esta mostram que a futura distribuição será feita através de telemóvel. Os consumidores pagam a assinatura por cada download para uma plataforma idêntica a um livro electrónico. Já estão a ser desenvolvidos computadores transparentes, que podem ser dobrados. Serão baratos e semelhantes a uma pequena folha de plástico.
Tentemos visualizar: o jornal chega através do telemóvel e é vertido para a plataforma de leitura, que se guarda no bolso. O leitor pode comprar a versão da manhã, a da tarde ou a da noite; pode comprar uma edição mais cara ou mais barata. Os jornais serão pequenos ou maiores, conforme o preço. Na versão curta, bastam algumas notícias, duas ou três histórias analíticas, dois ou três bons comentários. O grafismo pode incluir pequenos vídeos. O preço da informação será baixo e a marca de imprensa precisa de ser reconhecida e ter muito trabalho próprio. Só sobreviverão os produtos com mais conteúdo jornalístico.
Estarei a ser demasiado optimista?
O afundamento
Não percebo nada de política, mas sei que na sociedade portuguesa não se aplicam as mesmas regras a todos. Há uma grande diferença entre ricos e pobres no acesso à justiça, à educação ou à saúde. Há génios da farinha amparo que não precisam de trabalhar e nunca deixam de ser génios. E os juízos de valor são diferentes conforme a tribo a que se pertence.
Fiz um esforço de memória, mas não me lembro das razões exactas que levaram à demissão do governo anterior. Houve um ministro que se demitiu, um comentador de televisão afastado do seu programa e as contas públicas estavam a agravar-se. Já não me recordo se o túnel do marquês veio ao barulho ou o casino de Lisboa, mas lembro-me da violência dos editoriais na imprensa. Era mau, de facto. Resultado: dissolução da assembleia e eleições antecipadas.
A situação que envolve o actual governo provocou uma reacção algo diferente. Tudo parece normal, dizem que é preciso manter a serenidade, que se trata de uma campanha negra, de uma conspiração, de calúnias, e nem pensar em eleições antecipadas.
A reacção talvez fosse adequada se não estivéssemos na situação em que estamos. O Correio da Manhã fez as contas e são 370 desempregados por dia em Portugal, 11 mil mensais. Ouvi durante vários dias, várias vezes, a notícia de que em França o desemprego atinge 45 mil pessoas por mês. Era noticiado como catastrófico. Mas considerando a população, para ter o ritmo português, deviam ser 66 mil. Ou seja, a nossa situação é bem pior. Também tenho ouvido muitas notícias sobre os pobres dos islandeses, tão atingidos pela crise. Mas os islandeses têm um rendimento per capita de 50 mil dólares e podem perder 20% da sua riqueza. E a França tem uma rede social que aguenta taxas de desemprego elevadas.
O que quero sublinhar é que a nossa situação é muito mais grave do que a dos outros países, incluindo Espanha, pois só sairemos da crise depois dos espanhóis. Mas parece que lá fora é que é mau.
Por isso não percebo o tabu das eleições antecipadas. A oposição espera que o Governo Sócrates frite em azeite lento e que o poder lhe cai no colo sem esforço. Os socialistas esperam certamente fazer regressar o partido ao centro-esquerda, manter o poder e inverter o sentido das poucas reformas que este governo conseguiu iniciar. Mas isto são cálculos de politiquice. Enquanto alguns esperam que o fruto apodreça na árvore, nada muda. Se existe o pântano ele é certamente este escândalo em câmara lenta. Com o país parado, continuaremos a assistir ao empobrecimento geral, a este afundar devagarinho, que nem sequer provoca pânico quando se percebe que não há bóias para todos.
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Acho que não percebeu a substancia do texto...