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Entrei hoje no Palácio Nacional da Ajuda, e no hall do Ministério da Cultura, entre agendas culturais e um sortido de folhetos de propaganda de espectáculos, estava uma dúzia de exemplares do Jornal de Letras, Artes e Ideias, o tal JL — o seu número mais recente, dedicado ao malogrado cantor José Mário Branco. Deduzi que o Ministério patrocina aquilo e por isso recebe um lote que despacha como pode, tentando que algum desprevenido se interesse por algo que não tem interesse quase nenhum (e isto dura há anos e anos, numa típica subsídiodependência sem fim à vista).
Este post dirige-se directamente a todos aqueles que ainda têm paciência para ler aquele pasquim. Em vez de gastarem 3,50 € numa banca de rua, passem no MC e tragam-no. Não percam neste número o dossier dedicado a Orlando da Costa, pai de António. Muito oportuno...
Mas é também sobre a rede de cumplicidades e interdependências do meio dito cultural que gravita em torno dos chefes socialistas, sobre um jornal que demora a ser descortinado estatisticamente sobre as suas preferências pessoais, literárias e artísticas ao longo de décadas criando a par e passo a ilusão duma vida cultural portuguesa baseada nas suas figuras de preferência, nos seus cronistas e críticos de carreira que ali galgam o degrau de jurados de prémios literários onde também vez ou outra concorrem, e ganham, numa dança de cadeiras sem pudor nenhum.
Já era tempo de alguém dedicar uma tese de mestrado ou doutoramento a dissecar aquela folha de couve, e a trama de interesses subjacente. Fazia-se uma história cultural que também permitia avaliar o que é — o que não chega a ser, melhor dizendo — a nossa diplomacia cultural, alinhando em perspectiva temporal a acção do Instituto Camões, aqueles que promove repetidamente e faz viajar em campanhas dispendiosas mas infrutíferas (mas agradavelmente memoráveis para os próprios, sem pejo de gastarem cobres públicos num passar lustro além-fronteiras das suas vaidades pessoais). Um regabofe que tem nome e selo, mas tarda em ser denunciado porque para país amorfo e complacente não nos faltam atributos.
Vasco Rosa
Desconheço que actividade tem a Comissão de Cultura do parlamento português, ou que acção desenvolvem os assessores ditos culturais — se os há — dos partidos de centro-direita, mas não deixa de ser flagrante a ausência de escrutínio parlamentar às políticas de cultura dos governos de António Costa e seus aliados, diante do avolumar de casos de burocratização, desinvestimento ou do mais insultuoso desleixo patrimonial.
A recentíssima denúncia de que a maioria dos directores de museus e monumentos nacionais está em situação de precaridade por ausência de concursos, com todos os prazos legais ultrapassados para esse efeito — enquanto são forçados por lei nova a planos de actividade plurianuais que não sabem se eles ou outros vão cumprir —, é apenas um desses casos que raiam o absurdo de o próprio Estado não cumprir ele próprio leis que aprovou. Mas há bastante mais, desde a gravíssima e lastimosa situação da Biblioteca Nacional ao adiamento da renovação da lei do depósito legal de livros, da falta de uma campanha nacional de digitalização documental à medíocre mas bastante dispendiosa «internacionalização da cultura portuguesa», onde o clientelismo impera sem pudor, e milhões gastos de nada servem de facto. E claro — acima de tudo — a complacência e a tibieza com que vê empurrada com a barriga a permanência de um mentecapto «acordo ortográfico» com graves consequências educativas e culturais para as gerações do futuro.
Enfrentar e desmarcarar — e tão fácil é — o mais que propagandístico «amor da esquerda pela cultura» é algo que precisa de ser feito, e a chamada de ministros a prestar contas e esclarecer políticas deveria ser parte do trabalho parlamentar de quem não quer resignar-se a uma fatídica travessia de deserto.
Vasco Rosa
Vivemos tempos confusos por estes dias não só na política. Acho que podemos afirmar que experimentamos quase diariamente progressos tecnológicos que alteram de sobremaneira o nosso modo de vida e a percepção da realidade. A sofisticação da computação, a era digital na internet de banda larga, a desmaterialização da informação, a vertiginosa sensação de protagonismo e liberdade por via da auto-edição nas redes sociais, colocam-nos desafios e incógnitas que não deveriamos subestimar. Pela minha parte, o meu profundo apego aos processos analógicos de registo de informação, como o livro, o jornal em papel, a gravação sonora em vinil e noutros suportes físicos, não me impediu de nos últimos 30 anos acompanhar com fascínio a evolução na tecnologia que aqui nos trouxe, pelo que julgo que isso me concede alguma imparcialidade na abordagem que aqui pretendo fazer ao fenómeno da “estante vazia”.
Se até há bem pouco tempo, a análise duma estante da casa de alguém nos daria impressões precisas sobre o seu perfil sociocultural, na linha do “diz-me o que lês, dir-te-ei quem és”, a tendência cada vez mais consolidada para a desmaterialização de bens culturais como o livro e o disco em informação digital invalidam hoje em dia essa forma de interpretação: chamemos-lhe o fenómeno das “estantes vazias” que no meu entendimento contêm outras ameaças bem menos fúteis do que essa. Se é verdade que na actualidade um pequeno dispositivo pode conter em si uma grande biblioteca com toda a sorte de obras literárias, além de intermináveis horas de registos musicais de toda o género com razoável qualidade na reprodução, o facto é que esta forma de consumo consolidou uma relação, já de si pessoal, numa dinâmica atomizadora da nossa sociedade - as pessoas não ficaram mais livres, apenas mais sós e desorientadas nas suas escolhas.
Daí que as prateleiras vazias, fruto duma mudança radical no consumo destes bens (cujo valor de facto reside no conteúdo e não no suporte), signifiquem uma quebra numa antiga tradição em que essa informação era legada graças à sua forma física. Ela estava disponível e palpável nos diversos ambientes em que todos crescemos e formámos a nossa personalidade. Por sorte minha cresci e desenvolvi-me rodeado de livros, jornais e revistas, que folheava atraido pela curiosidade, tomando assim contacto com realidades improváveis; já para não falar da muito boa música, cujo manuseamento dos discos (com capas atraentes e informativas) e a sua audição mais ou menos voluntária (o gira-discos ecoava pela casa fora) me influenciou o gosto e sofisticação de ouvinte.
Foi assim que os meus filhos cresceram, também eles rodeados de estantes cheias, discos, livros e jornais entreabertos que usufruíram nos espaços comuns da casa onde também partilhámos filmes, alguns dos quais estou certo permanecerão sempre como referência para eles. Como se reproduzirá este processo de transmissão de valores (porque é disso que se trata) nestes tempos de individualismo radical dos auscultadores e do ‘smartphone’ em que cada um constrói a sua biblioteca ou playlist – a lógica da ‘playlist’ no streaming digital é em si um tratado - num aparelho de bolso é para mim um enigma.
É por isto que eu receio que o fenómeno das estantes vazias deixará de denunciar uma pobreza cultural para significar um retrocesso civilizacional. Ou estarei enganado?
Crónica inspirada no artigo "Our (Bare) Shelves, Our Selves" de Teddy Wayne e publicada originalmente aqui.
Sem demora afloram à superfície (do pântano) duas velhas carcaças do nosso colapso cultural: colecção Miró e colecção Berardo, distintas entre si mas tendo como bandeja comum uma enorme e complexa rede clientelar — talvez um preço a pagar por todos, e certamente um mediano valor como arte.
Naturalmente, o que JB fez para tornar o CCB um pólo urbano separa-o pela muito positiva do negócio de cofres em que as «obras» do catalão passaram o tempo entre nós. Mas é ainda muito questionável a coesão do amontoado de peças numa vastidão de aquisições que só em parte resistiu ao capricho dos comissários ou à ignorância do patrono. (Será uma compra por atacado? Mesmo do que é menor e irrelevante? E porquê?...)
O sr. ministro da cultura, para ganhar manobra, acerca da compra de tudo isso faz declarações evasivas sobre estes dois notórios imbróglios enquanto visita no Buçaco plateau de filme francês sobre o grande Estaline e de caminho vai a casa-esconderijo em que Álvaro Cunhal foi preso no tempo da velha ditadura. Com tanto património pelo caminho para ver e tomar o pulso, a escolha não lembra ao diabo coxo. Mas há que exibir ou acenar simpatia pelos aliados de parlamento...
A junção subtil desses dois pontos de roteiro parece não ter incomodado ninguém. A repulsa conduziu à indiferença, e as coisas são o que são. Entretanto, governar é passear.
E a Biblioteca Nacional, sempre ali tão perto... pode bem esperar.
Os jornais anunciam que Eduardo Lourenço recebeu o prémio VGM de cidadania cultural. Acredito que o «homenageante» gostasse de felicitar pessoalmente o homenageado, de quem foi, aliás, editor na Imprensa Nacional, em especial de livros sobre Fernando Pessoa e sobre a Europa.
VGM foi um magnífico editor, e a INCM actual deve-lhe imenso, porque ele construiu a editora do Estado, publicando centenas de bons livros essenciais, antecipando-se aos editores comerciais no esforço de criar uma bibliografia portuguesa com um mínimo de dignidade. Quem assumiu idênticas funções depois dele, recebeu obra feita e não foi capaz de melhorá-la, antes pelo contrário...
Dois anos depois da sua morte, era já tempo de a mesma INCM lhe dedicar ao menos um Essencial, esses livrinhos de divulgação que ele criou ao «preço dum maço de cigarros». Por todas as razões e mais essa, que acabo de enunciar.
Porém, a prioridade parece sempre outra, a de fazer esquecer quem fez bem antes (dos protagonistas actuais e pretéritos). Fora isso, a figura e a obra de VGM merecia inteiramente esse pequeno ensaio que o apresentasse nas múltiplas facetas do seu espantoso talento cultural.
Talvez prevaleça ainda o preconceito político, com que alguns o tentaram atingir, para desonra de quem («democratas» certamente...) o praticou.
Ou ainda, que a sua recusa da «nova ortografia» não seja bem acolhida por uma instituição que cedeu à ditadura dessa aberração cultural, impondo-a aos seus autores, sem lhes deixar a margem de arbítrio que é a base duma sociedade livre.
Seja como for, aqui fica o apelo: que a INCM não esqueça VGM.
Da importância da passagem de testemunho familiar do seu património cultural através duma biblioteca ou colecção de música em formato físico em casa. Ou, digo eu, do contributo da desmaterialização através dos meios digitais para o reforço da dinâmica atomizadora da nossa sociedade. Do individualismo que enfraquece o potencial humano civilizacional enquanto comunidade. Veremos no que isto dá.
Muito bem, agora que já temos um ministério da cultura (eh pá, eh pá!!!), o que por si resolve logo muita coisa, vale a pena pedir ao Dr. João Soares que visite demoradamente todos os serviços da Biblioteca Nacional, fale com as pessoas, saiba o estado em que aquilo (o aquilo é apropriado!) se encontra, verifique as carências de meios e pessoal qualificado que tem, e diga publicamente o que vai fazer para consertar (também apropriada) aquela calamidade pública.
Se o fizer nos próximos dias ou semanas, pode ser que até ao orçamento de estado (Março — fantástico!) consiga convencer os seus pares e o PM que a principal biblioteca de Portugal, uma biblioteca patrimonial dum país quase milenar, não pode continuar como está — em resultado, não dos últimos anos de «neoliberalismo» e coisa que o valha, mas dum descaso de décadas, com muitos fascinantes ministros socialistas pelo meio, além dos directores da instituição.
O estado da BN é — acreditem — de estrondoso colapso iminente.
Terá remédio? Vamos esperar para ver.
Uma medida: acabar com o Instituto do Livro, uma inutilidade e um sorvedor de dinheiro. Só com isso resolve coisas. Outra medida: pedir o patrocínio da Fundação EDP (socialista), que oferecendo a electricidade, permitirá concentrar meios para coisas que a BNP literalmente não faz: conservar, estudar, catalogar e digitalizar o seu arquivo de cultura contemporânea (paralisado!!!), preservar jornais, e mais. Ainda outra: melhorar as condições da sala de microfilme, com mais de metade das máquinas avariadas ou defeituosas.
Há coisas do outro mundo. A biblioteca do convento beneditino de Mafra é uma das maiores maravilhas portuguesas, pela arquitectura, pelo ambiente e pelos livros e manuscritos que contém. Com o fim da monarquia, esteve pelo menos quinze anos sem bibliotecário. Prodígios republicanos... Isso mesmo acabo de ler num jornal de 1925, em que se revela o desaparecimento dum importante manuscrito sobre a vida de D. Sebastião, manuscrito que Raul Brandão, quando militar ali ao lado (grande capitão!!), pôde ler.
Sob o título «O património cultural, a Cinemateca e a Lei do Cinema», José Manuel Costa publicou no sábado, no jornal Público, p. 55, um importante texto sobre a sustentabilidade da conservação e actualização tecnológica do nosso património fílmico — é um assunto que a todos deveria preocupar, e muito, pela relevância do tema e pela importância das decisões que brevemente serão tomadas.
JMC fala mesmo de encruzilhada histórica da conversão ao digital.
Eu sei que um jornal, qualquer jornal, desvaloriza umas coisas e sobrevaloriza outras, e assim será ad eternum. Por mim, este assunto estaria na página 3.
A cultura é "um _____, de _____ e de _____, de _____ e de ______ e um ______ que se vai basear imenso na ______e na _____" (António Gomes de Pinho, presidente da Fundação de Serralves, RTP2).
Preencha os espaços vazios:
Nota: algumas palavras poderão ser utilizadas mais do que uma vez.
A vida cultural portuguesa está numa tal indigência, que nos passa ao lado o que no Brasil vai ser feito para redescoberta e reinvenção da história comum. Saem livros importantes (este será um desses casos) que ninguém comenta nos jornais nem encontra nas livrarias (que livrarias há em Lisboa, verdadeiramente dignas desse nome, além da Ferin e da Poesia Incompleta?). Mais ainda: não se lê uma crítica ou simples notícia dum livro saído em Espanha, França ou Inglaterra em que estejamos implicados como nação. Onde nos levará esse empobrecimento?
O Público de hoje dedica página e meia aos 80 anos da Hemeroteca Municipal (na meia página do lado Marilyn Monroe nua, com duas toalhas-flores tapando os seios, é uma companhia para lá de idealizada de qualquer artigo!) e aos seus problemas: edifício inadequado, horário curto, excesso de incorporações, e outros. Apesar da boa vontade do director, Álvaro Matos, a qualidade dos serviços não é nem metade do que ali fica escrito. É assunto que conheço bem: dos últimos 7 anos, 2-3 devo tê-los passado lá...
E parece-me incrível que só a Rubem de Carvalho, do PC, aliás autarca desde há duas ou três décadas e nunca o vi ou li antes opor-se à «barbaridade» que agora o indigna, tenha sido pedida opinião, como se as coisas da cultura fossem um exclusivo desse sector político ou dessa cor partidária.
Há muito que defendo que a Hemeroteca deve ser mudada para um edifício novo, pensado por arquitectos muito especializados em bibliotecas, com depósitos climatizados, boas salas de leitura, elevadores de carga, Wifire, tudo isso pago ou quase pago pela venda do Palácio dos Condes de Tomar, onde se encontra, para hotel de charme, sede institucional, etc. Apenas o imobilismo da CML explica a situação actual. Lá, negócios só mesmo os maiores... hotéis, condomínios, loteamentos. O resto, que espere — e desespere!
Quase um mês de trabalho no Rio deu-me, de novo, uma sensação de bem-estar naquela terra e a certeza do muito que deveria ser feito para mostrar o seu lugar na Vida Portuguesa em termos culturais. Mas não, parece batalha perdida, pois não se vislumbra nenhuma entidade pública ou privada capaz de entender isso e encontrar os meios, aliás limitados, de promoção desse resgate cultural que nunca foi feito, desde 1940, 1950, 1974 e adiante. É até estúpido. No entanto, tenho que o Brasil é o único país com o qual Portugal tem agora e de futuro uma relação profundamente cultural, popular e erudita, se quisermos colocar a questão em termos hierarquizados, o que me parece errado, mas a verdade é que do baixo ao alto há laços.
Quando haverá política cultural em Portugal?
Francisco José Viegas, que conhece bem o Brasil, pode ser uma luz ao fim do túnel, Mas esperemos para ver.
A inutilidade de certos governantes atinge por vezes timbres de fazer partir copos. Gabriela Canavilhas, que logo será esquecida, ainda que de triste memória, é que deveria lembrar-se que para tocar certos instrumentos harmoniosos e desenvolver neles melodias extasiantes e mágicas, é preciso saber tocá-los, o que compreensivelmente não está ao alcance de todos — de todos e de todas como agora se manda dizer. Pois bem: de tudo o que fez (e pesa) e não fez (mas devia), sobressai a indignidade de não ter prestado honras de Estado no funeral do Maestro Manuel Ivo Cruz, no Porto. Estava em casa e não esteve para maçar-se. São atitudes imperdoáveis, reveladoras duma ausência de categoria tal que espero que lhe morda as canelas pelas veredas açorianas afora. Pode sorrir para o fotógrafo, que de nada lhe servirá.
A cultura é uma arma contra o preconceito, contra a preguiça, contra a desonestidade e contra a falta de sentido crítico próprio. Mas a aposta na cultura não é abrir um "museuseco" aqui e ali, ou organizar eventos de moda, não é gerir guerrinhas de comadres nos teatros.
Investir na cultura é pôr as crianças desde a pré-primária a aprender a distinguir Mozart de Beethoven, a aprender história de arte desde a primária, é proporcionar o gosto pela literatura, é criar sentido crítico, incentivar a criatividade e a expressão artística, ensinar que a estética é um devir. No fundo é ensinar o gosto pelo belo.
Portanto uma difícil tarefa.
Não é possível apostar na cultura sem a associar à educação.
O escritor Francisco José Viegas, que é o responsável pela editora Quetzal e colunista do Correio da Manhã, vai ser o próximo secretário de Estado da Cultura. Tal como tinha sido anunciado por Pedro Passos Coelho durante a campanha eleitoral, essa área deixa de ter ministério, ficando sob a alçada directa do primeiro-ministro.
Demonstração por absurdo
Quase sem querer, em “A Minha Ilusão Liberal”, um pouco mais abaixo, o Tiago Moreira Ramalho defendeu auto-estradas sem portagens: se as estradas já foram pagas com os meus impostos, para quê pagar portagens? Na lógica do Tiago, o País não pode, por exemplo, subsidiar energia eólica até ela ser rentável, nem ciência, nem a Torre de Belém (quando aquilo cair, caiu). O argumento das escolas explicado desta forma fica algo estranho: quantos estudantes pagam impostos? Ah, são os pais. E, portanto, o acesso aos serviços é conforme o imposto cobrado aos pais. O estudante pobre cuja família está isenta de impostos deve pagar mais propinas; ao rico com pais que já pagaram em impostos, não se deve cobrar propinas.
Os impostos que paguei são finitos, portanto os serviços também deviam ser. Devíamos criar um cartão de contribuinte que contabilizasse impostos pagos e quando a velhinha fosse à farmácia levantar um remédio subsidiado, o farmacêutico podia dizer: mas minha senhora, já ultrapassou o tecto de despesas deste mês e está a dar muito prejuízo ao estado, terá de comprar o remédio sem subsídio; a senhora diz que está muito doentinha e não tem dinheiro? Olhe que não há almoços grátis. Do ponto de vista das finanças, o banqueiro tem crédito e direito a todos os remédios que quiser, embora os possa pagar. Não devia haver excepções, nem no património: os museus que se sustentem. Sei lá, podem vender os quadros.
A contabilidade
Falando a sério: é evidente que um país civilizado precisa de uma política de cultura. A direita portuguesa tem compreendido mal este facto. Quando surge algum debate sobre o tema, há quem lembre um hipotético exemplo americano de alegado laissez faire. Mas as boas orquestras e os bons museus nos EUA são todos subsidiados, pelos municípios, por programas federais ou estaduais ou por incentivos fiscais que funcionam por serem muito generosos (é uma forma de subsídio estatal, ou não?). Nem preciso de falar da Europa, onde a cultura é levada a sério, mas esses são países com outra auto-estima. Como se contabiliza a preservação do património nacional? E os grandes artistas não serão uma forma de património das nações? E uma biblioteca? Quanto valem os painéis de São Vicente? Duas auto-estradas, três? E daqui a cem anos, quanto valem? Qual é o valor de Fernando Pessoa?
Estas são perguntas bem difíceis, na lógica dos almoços grátis. Tiago, acho que quando falamos de cultura não devemos aplicar regras contabilísticas. Esta não é uma questão de deve e haver, da rentabilização ou do lucro, mas tem uma outra lógica, ligada à identidade. Se um país sem cultura não existe, quanto vale a cultura? E a pergunta que devemos fazer é: qual a identidade em que nos revemos?
Discordo do texto do Tiago Moreira Ramalho, "Ide ao Teatro", mais abaixo. Não tenho opinião sobre Belgais, mas sei que o que escreveu Carlos Guimarães Pinto (O Tiago fez o link) é inaceitável e concordo com Daniel Oliveira. Maria João Pires é uma grande pianista e tem de ser respeitada.
Há, na sociedade portuguesa, uma ilusão liberal segundo a qual os subsídios da cultura sustentam um bando de parasitas que fazem arte incompreensível. O Tiago repete esse mito. Se o País adoptasse o seu conselho, desapareciam teatros nacionais, ópera, orquestras e escolas de arte. Deixávamos de ter cinema próprio e víamos as histórias dos outros. Haveria só música pimba. Parte da literatura extinguia-se: nem poetas nem clássicos, mas telenovelas.
Se o critério fosse a rentabilidade e o mercado, os partidos tinham de encerrar portas. Não havia democracia. Não é este um exemplo “de impor aos outros que financiem aquilo que nós achamos bom”? Então, e os subsídios encobertos para a banca? Como justificar essas benesses? A segurança social e a justiça? A defesa? Há pacifistas que discordam da guerra do Afeganistão e, no entanto, estão a pagar o esforço militar.
Porque é que a cultura é diferente da educação? Como justificar a frase com que o Tiago tenta refutar a questão colocada pelo Daniel Oliveira? Escreve o Tiago que “estudar no público é completamente diferente de beneficiar de apoios pontuais para a cultura e para projectos pessoais”. Porquê?
Tiago, não queremos viver numa espécie de Albânia, num país sem dinheiro para a cultura, onde os artistas têm de ir viver para o estrangeiro e onde, como escreveu Camões, “quem não sabe arte, não a estima”…
(Nesta matéria, meu caro, sou completamente marxista, embora da tendência Groucho)
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