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Cristiano Ronaldo
Acabei de ler a reportagem de duas páginas sobre o Cristiano Ronaldo no El País. Tem graça como os perfis jornalísticos das estrelas do momento tendem a mostrar virtudes comuns a qualquer pessoa de bem como exclusivas dos heróis desta nossa década (alguém se atreve a falar de século?) de fortunas imediatas e de gente famosa graças a séries de televisão de três temporadas e duas capas no suplemento de domingo do jornal. A culpa desta elevação aos altares da perfeição, imagino, não deve nem ser do rapaz, cujo único dom (e que dom!) é jogar maravilhosamente ao futebol e saber que este era o único meio de fugir da miséria onde o pariram, da vida com o pai alcoólico, da casa a precisar de cimento e poder tirar essa mãe da cozinha e o irmão da droga, e ajudar as irmãs, enfim, a ser alguma coisa na vida. Nem todos os donos de um talento portentoso têm essa força de vontade ou a valentia para, roçando o analfabetismo, sair lá do cu de Judas e ir para uma Lisboa inóspita, para arrancar a família às urtigas para que estavam destinados.
O futuro e o erro
Da Caveira de Cristal à concretização de Portugal
(do blogue Butterfly Pepper's)
Espero que este país cresça depressa
Quando se tem um blog intimista como o meu Cocó na Fralda, escrever no Corta Fitas é mais ou menos como ser jornalista do Diário da Picheleira e ser convidado para botar prosa no Expresso. Mas cá vai disto, prometo fazer o melhor possível, e quem dá o que tem a mais não é obrigado.
Quando, nas últimas semanas, disse a três pessoas distintas que até gostaria de ir ao terceiro filho, fui surpreendida por uma reacção chocada, transida, quase de nojo até: “Outro?! Credo!!! E tinhas outro filho para quê?” Ora bem, a pergunta, retoricamente falando, é interessante. Para que é que temos filhos? Para perpetuar a espécie? Porque queremos ver como nos saímos nessa missão? Porque queremos um bebé lá em casa? Porque desejamos repetir (ou contrariar) a família que tivemos? Por tudo isto, suponho. Já tenho dois filhos e ainda hoje não sei porque é que os tive. E não sei dizer com segurança porque é que gostava de ter mais um. Eles tomam-me muito tempo, dão-me muito que fazer, fazem demasiado barulho, portam-se consideravelmente mal, riscam-me o sofá, moem-me a paciência. Mas são a minha melhor obra, e se calhar sou do género artista insatisfeito.
Uma das pessoas, que me deitou esse olhar, é uma grande amiga. Moderna, culta, inteligentíssima. Com ela, nunca posso falar dos meus filhos. Sinto-me uma sopeira. E mesmo quando contrario a coisa, “Que parvoíce, isto deve ser impressão minha”, a verdade é que vejo como ela fica incomodada. Depois de um “Os meus miúdos estão tão queridos, estão a passar uma fase giríssima” dito à mesa do restaurante, ela endireita-se na cadeira, como se me rogasse que baixasse o tom de voz. Pela testa dela vejo passarem as legendas: “Pronto, eis-nos chegadas à fase foleira das criancinhas.” E é vê-la a alta velocidade a mudar para o tema, esse sim interessantíssimo, da minha carreira, que novas histórias fiz, que reportagem, que aventura vivi, que figuras públicas conheci recentemente.
O que me chateia nisto é esta ideia de que ter filhos é incompatível com uma vida, não digo profissional, digo mesmo vida em sentido lato. Como se uma mulher com filhos ficasse imediatamente catalogada como uma matrona de tempos idos, uma espécie de dona de casa ideal, relegada para o fogão, alguém a quem se pode pedir conselhos sobre que desengordurante usar, mas nunca nada sobre bares, festas, hotéis ou experiências cool. Não parece possível, pois não? Mas é. A verdade é que, perto de muita-muita gente, eu posso falar dos meus filhos, mas tem de ser um falar desapegado, como quem fala de outra coisa qualquer. Dizer que os miúdos são lindos é pimba. Mostrar as fotografias é antiquado, é intolerável, é repugnante. E mesmo o meu blog foi recebido por alguns com gritos de gáudio, por “não ser um baby blog piegas e choramingas sobre a prole”.
É possível que, como democracia recente, estejamos a viver a era das carreiristas. Só elas, as mulheres tipo Sexo e a Cidade, de saltos altos, roupas fashion e conversas sobre gajos, reuniões e malas, só essas têm interesse. Como se fosse impossível que uma mulher com filhos pudesse ser isso, também. Espero que este país cresça depressa. Até lá, vou reservar as minhas mariquices só para alguns. E um dia destes passo-me e tenho mesmo mais um. Agora… por favor, não me perguntem como é que se cose uma meia. Mas se quiserem saber onde passar uns dias românticos a dois respondo sem hesitar.
Sónia Morais Santos (do blogue Cocó na Fralda)
Estação de Entre-Gentes
À entrada da rua com nome de flor está um marco postado pelo Senado de Lisboa. Vinca o termo da capital na qual os que agora e aqui passam fazem vida, sem vagar para atentar num traço antigo, que não se vê. Os que vão e vêm por este caminho que já não é real, ou pelo caminho férreo, os que cruzam bairros nascidos sobre searas e olivais, esses vivem agora e aqui outros traços. São gente que apanha o comboio em Queluz-Belas, ou em Agualva-Cacém, gente que não lamenta horário trabalhador-estudantil, gente que preferia não ir ao Hospital Amadora-Sintra, gente que troca de metro na Baixa-Chiado, que regressa demasiado depressa pelo IC-19, gente que não se entende no seu modo luso-afro-sino-russo-brasileiro. Gente na corda bamba da urbanidade - que faz cidade entre esta estação e a que se lhe seguirá.
Ana Cláudia Vicente
(dos blogues O Amigo do Povo e Quatro Caminhos)
Um preço a loucura no horizonte
O meu pai conduzia a Bedford branca na picada que atravessava toda a Matola Nova até à estrada de alcatrão que ligava Lourenço Marques à Matola Velha. Eu não ia de branco. Guiava depressa demais, porque estávamos atrasados para o voo. Eu vinha nesse dia para a Metrópole. O voo era ao final da tarde, e sabia-se que precisaria de umas boas horas para cumprimento de todos os trâmites alfandegários. Conferência de documentos. Vasculhar as malas. Passar no controle de metais, no apalpamento...
Ouvia o estrondo dos cabos de electricidade, sacudidos pelos buracos da picada, na caixa da carrinha, lá atrás, esse lugar que ia deixar atrás, atrás; íamos a passar junto à cantina, mais de meio caminho, do lado direito de quem ia, onde os negros esperavam pelas boleias, e vendiam tudo, lenha, montes de carvão, galinhas, cabritos, capulanas e raízes para mascar. Era aí que eu pedia para ir comprar garrafas de cerveja Laurentina ou 2M ou Seven Up, ou bocados de gelo ou enxofre ou óleo ou azeite, ou assim qualquer coisa de que a minha mãe se tivesse esquecido de todo, e não houvesse outra solução porque o meu pai não estava por perto. Podia descalçar-me às escondidas no mato, e ir clandestinamente descalça, a ver se conseguia que os meus pés ficassem como os pés dos negros, de dedos abertos e sola dura, rachada. E gingava como uma preta, para experimentar o que era ser preta. E as mamanas passavam por mim e riam-se, e os negros também. E diziam-me coisas que eu não percebia, riam-se, a branca, a branca, essa branca do electricista. E eu ria-me. Tinham reparado em mim. Tinham-se rido. Ia descalça. E não podia.
À passagem da carrinha levantava-se uma nuvem de poeira vermelha que caía sobre a carapinha dos pretos e a pele castanha dos pretos e os tornava irreais, seres tão medonhos, tão extraterrenos, intensos, proibidos. Tão misteriosos. Sei que não ia de branco, porque era o dia da minha partida para a Metrópole, e tenho a certeza que cheguei a Lisboa com com calças de terilene azul-marinho. E foi junto à cantina, essa cantina, que o meu pai teve de voltar atrás. Esquecera-se de alguma coisa que fazia parte da minha bagagem. O anel de esmeraldas da minha madrinha que eu teria de passar na alfândega, no dedo médio; estava muito largo, ataram-lhe cordel para mo cintar ao dedo; mesmo assim, largo: era de ouro branco, com umas pedras desprezíveis; tinha outra ideia do que deveria ser uma esmeralda; a minha madrinha, quando retornasse, não tinha dedos que chegassem para os anéis, pelo que os ia distribuindo.
Isso contrariou-me. Não o anel. Voltar atrás. Perder 20 minutos. Vestiria o que me pedissem, colocaria nos dedos os anéis que me entregassem, se quisessem até os engolia, ou entalava-os debaixo das mamas, como se fazia com as notas e as moedas. Era só pedir. Queria sair dali para fora o mais depressa possível. O resto era amendoins.
Tinha ficado tão feliz quando soube que na decisão final sobre o meu futuro tinha vencido a partida. Houve uma decisão? Não interessa. Que se tinha decidido que eu me ia embora no primeiro avião disponível. Qualquer desculpa servia: os estudos, a segurança, a minha virgindade... Dali para fora. A andar. Rápido. Queria, como uma criminosa de guerra, voltar às costas a toda aquela esquizofrenia que não me permitia ser legitimamente quem eu era nem o que eles eram; ninguém poderia ver-me ou sequer ver-se. Precisava de uma identidade. De uma gramática. Melhor, de poder mostrá-las sem medo. Sou isto, pronto, sou isto, assim, agora, olhem, arranjem-se.
Vestiam-me e calçavam-me de branco, mandavam-me pisar o raio da terra tão negra e húmida que chiava debaixo dos pés, ou tão vermelha que o verniz ou o couro se pintavam de uma aguarela de sangue claro. Não havia forma de poupar o meu corpo às manchas da terra, contudo estava proibida de me manchar dela. Não havia forma de me libertarem dessa necessidade de me manter imaculadamente branca. Na minha memória estou sempre vestida de branco, preocupada em não me sujar. O vestido branco que não usei nesse dia é a mais clamorosa metáfora da minha vida de pequena colona: uma branca de branco, agarrada à saia que não pode sujar, olhando os sapatos brancos que não pode empoar. É assim que me vejo, na cabina da Bedford branca, encolhida debaixo da roupa, preocupada com a poeira que entra pelas janelas.
Era Novembro, fazia muito calor e eu usava um vestido branco em tecido crepe canelado. Não me podia sujar. Tudo isto parece certo, mas é mentira. Eu vestia de azul.
Do lado do volante, o meu pai. Vais para a minha terra. Vais gostar. Pede à tua avó que te faça toucinho entremeado com couve branca. Do lado da janela, a minha mãe. Não te sujes. Tem cuidado para que nada chegue partido. Olha o anel da tua madrinha.
Sim, olharia por tudo. A quem entreguei o anel da minha madrinha?
Agora, depressa, para o aeroporto. A vida na colónia era impossível. Ou se era colono, ou se era colonizado, não se podia ser qualquer coisa pelo meio, no meio daquilo, sem um preço a loucura no horizonte.
Isabela (do blogue O Mundo Perfeito)
Regresso a casa
Sinto sempre uma desconfiança instintiva quando ouço falar de políticas de apoio à natalidade e à maternidade. Arrepio-me de cada vez que se enaltecem as qualidades das mulheres que cuidam dos seus rebentos, que quereriam estar em casa 6 meses, 8 meses, 12 meses, para amamentarem, para darem papas e banhos e para assistirem ao gatinhar, ao rir, ao andar dos seus rebentos.
Estranho a enorme quantidade de consultas a que têm que ir acompanhadas dos respectivos companheiros, quer eles queiram quer não, esperando horas infinitas para poderem ouvir os dois que o feto ainda na barriga da mãe tem que ter a companhia do pai, o amor, o apoio, enfim, toda aquela retórica que acompanha o amor e a educação primorosa que nos ensinam que é a correcta e única possível.
É claro que acho muitíssimo bem que quem quiser fique em casa a cuidar dos filhos. O que me parece é que, encapotada e subliminarmente, se vai fazendo de novo uma lavagem ao cérebro da sociedade ensinando às mulheres que a sua função primordial é procriar, amamentar e acompanhar os filhos, e que só o não fazem por razões económicas.
Se o tempo gozado em licença de maternidade fosse dividido entre o pai e a mãe, ambos teriam oportunidade de acompanhar os filhos e de prosseguirem as suas careiras profissionais. A coberto de um grande apoio social à família e à mulher, empurra-se de novo o género feminino para a sua função reprodutora, esquecendo que as mulheres são maioritárias no desemprego em geral e no desemprego de longa duração, em particular.
As políticas de apoio à natalidade deveriam ser igualitárias, com a existência de creches na proximidade dos locais de trabalho, horários em part-time, teletrabalho, tudo o que facilite a vida de quem tem filhos, mas em pé de igualdade para ambos os sexos. Em vez de se insistir para que os homens ajudem e acompanhem a gravidez das mulheres como uma obrigação, por vezes ridícula e sem justificação, olhando quem não o faz como um machista sem remédio, seria melhor que se insistisse na necessidade de os homens ficarem em casa metade da licença de parto, no acompanhamento dos filhos ao médico e aos infantários, na facilidade com que os podem alimentar, exactamente da mesma forma que as mães. E não condenar as mães que optam por dar biberão, que querem regressar ao trabalho rapidamente após o nascimento da criança, que também gostam de beber um copo com amigos ou colegas de trabalho ao fim da tarde, que adoram a sua independência económica, que não gostam de ficar em casa. Não são piores mães por isso.
E também se pode ter liberdade de escolher não ter filhos.
Depois da revolução da pílula, da conquista da independência económica e da realização profissional, a sociedade parece quer fazer sentir de novo que as mulheres têm uma obrigação imperiosa, da qual depende até a sobrevivência da espécie, de regressar a casa.
Sofia Loureiro dos Santos (do blogue Defender o Quadrado)
Um muro de letras
Na altura em que o tomate Raf estava a dois euro e quarenta e nove cêntimos, eles entraram a meu lado no supermercado. Vinham algures pela direita e demos passagem uns aos outros, eu dei-lha a eles, eles deram-ma a mim, e entretanto, sem saber já quem entrou primeiro, absolutamente irrelevante no contexto, encontrei-me dentro do estabelecimento propriamente dito. Comecei pela habitual ronda das saladas, há que viver saudável e os vegetais, diz-se, são parte integrante do bem-estar físico, que naturalmente produz efeitos imediatos, assim se espera, sobre essa nebulosa da harmonia interior anunciada e vendida também nos coloridos suplementos dominicais. Os frutos vermelhos, por exemplo, são antioxidantes poderosos. Quem sabe levada por isso abeirei–me da enorme banca onde estavam dispostos os tão apregoados Raf, feios, mas saborosos, a publicidade naqueles dias era inequívoca.
Do lado oposto ao meu, debruçado sobre o mesmo expositor, encontrava-se o casal com quem me cruzara à entrada. Julgava-os deambulando algures noutro corredor, a decisão das saladas nem sempre é pacífica e na languidez do dia que entardecia deixara a pressa amarrada ao poste do stresse pretérito. Abordaram-me entretanto Ó menina, a que preço é o tomate? O preço estava bem visível: dois euro e quarenta e nove o quilo e, não fora a intervenção rápida da mulher, leitora perspicaz de rostos alheios, jamais teria compreendido a razão da pergunta. Lamentarei o resto da vida a expressão desconfiada e incrédula que soltei sem sequer balbuciar palavra. A mulher acrescentou então em auxílio do marido A gente não sabe ler. Preferia pensar que o meu rubor era reflexo dos frutos à minha frente e não o constrangimento perante a situação. Respondi de imediato e fui à minha vidinha cheia de letras e números e sinais e símbolos que sei descodificar e que me orientam por esse mundo fora. Não era o caso do casal que deixara para trás. A realidade conhecida, em Portugal a taxa de iliteracia não é prestigiante, tinha, a partir de agora, dois rostos desorientados perante um mero preço de supermercado, a diferença significativa entre as estatísticas e as pessoas. Um homem e uma mulher à mercê da disponibilidade alheia, prisioneiros da sua incapacidade de descodificar mensagens escritas. Dois mundos separados por um muro de palavras e letras incompreensíveis.
E assim é em pleno século XXI. Enquanto os sorrisos pendurados alardeiam as virtudes das novas oportunidades, selados com beijos e apertos de mão vigorosos, e o choque tecnológico ocupa o lugar cimeiro das preocupações governamentais, alguns permanecem excluídos. Não têm rosto, não ficam bem na fotografia e não dão votos. Não são ninguém.
Leonor Barros (dos blogues A Curva da Estrada e Geração Rasca)
Caros leitores do Corta-Fitas,
Os desafios políticos mais urgentes
I
O PSD prepara-se para eleger um(a) nov(a) líder capaz de se apresentar como alternativa ao nosso primeiro-ministro, e o PS já se sente em época eleitoral. No PSD exige-se tudo a esta nova liderança: um programa coerente, ideias, credibilidade e capacidade de apaziguar o turbulento partido, bem como enfrentar as eleições legislativas de 2009 de igual para igual com José Sócrates.
II
Elaborar programas, dar ideias, encontrar soluções no papel e nos discursos para o País não é difícil. Ideias não faltam nas cabeças inteligentes (a inteligência não é, ao contrário do que pode parecer, um bem escasso) e voluntariosas que se preocupam com o desenvolvimento do País e apontam, e bem, o dedo ao seu atraso crónico; basta um olhar pela blogosfera - por exemplo - e para os debates que, e ainda bem também, nela se desenham para termos as ideias para um esboço de programa de governo. Uns dias para redacção final, os polimentos do marketing comunicacional, o inventar de dois ou três slogans políticos, e já está!
Mas a dificuldade em governar está no facto de que os programas e as ideias esbarram na realidade: no dia a dia das gentes, no País tal como ele é, nas circunstãncias, no mundo global dos nossos dias e nessa interdependência tão grande no nosso caso. Os candidatos a futuros primeiros-ministros deveriam dizer-nos o que farão nos chamados worst-case scenarios que são palco excelente a revelar quer a consistência das políticas quer o carácter do político.
Como é que Portugal vai enfrentar uma conjuntura internacional de baixo crescimento económico, não só possível como provável, com o euro forte, uma subida de preço dos combustíveis e sobretudo da alimentação? O que se faz se as exportações não crescerem, as falências continuarem o seu caminho de inevitabilidade e o desemprego continuar a aumentar? Como se enfrenta o descontentamento dos eleitores estrangulados com a carga fiscal, empréstimo da casa e preço da alimentação? Como se reforma o Estado nestas circunstâncias? Onde se corta a sua despesa? Como se encontra equilíbrio entre os interesses legítimos dos diferentes grupos, das classes, os direitos adquiridos de uns, todos eles de alguma forma dependentes do estado, face ao mais abstracto bem ou face ao mais mensurável desenvolvimento da nação?
III
Deveríamos perguntar aos futuros candidatos a primeiro-ministro o que farão eles de cada vez que as suas políticas reformistas forem alvo de grande descontentamento popular. Lembrando o caso do SNS, recuariam deixando cair o ministro e as políticas? Ou enfrentariam, e como, o descontentamento social e o povo na rua? Pergunto-me porque é que hoje já não morrem pessoas nas ambulâncias, nem nascem crianças nas ambulâncias ou pelo menos, se morrem e nascem, já não sabemos. Porque é que esta ministra ao tomar posse afirmou que a política para o SNS não mudava, mas já não há notícias de fechos de serviços de urgências, e porque é que a reforma do SNS deixou de ser um problema que se debate e discute? Dizer que se quer acabar com as listas de esperas longuíssimas para cirurgias é fácil, mas como se negoceia com as administrações dos hospitais, como se colmata o problema criado pelo próprio estado (no acesso às faculdades de medicina) da falta de médicos, como se dialoga, ou enfrenta a classe médica, ou a classe dos enfermeiros? Ou perguntar porque é que ainda não se liberalizaram as farmácias, tal como prontamente anunciado pelo nosso primeiro-ministro?
IV
Na Justiça, os anúncios e as reformas não são visíveis aos olhos do contribuinte. Os ímpetos e excessos legislativos têm como efeito reforçar a desconfiança e o sentimento de incompreensão da Lei. Os resultados dos casos mediáticos Casa Pia, Apito Dourado, Esmeralda, Maddie, por exemplo, são a face da fragilidade da nossa Justiça e investigação criminal. Quem ou o que é que impede as reformas? Na Educação, escrever num programa de governo da bondade da autonomia das escolas, das virtudes dos cheques-ensino, da liberdade de escolha, é simples. Mas como se vai enfrentar o descontentamento das famílias quando, por causa de uma boa medida que é a obrigatoriedade do ensino, os resultados das políticas de não-retenção (palavra politicamente correcta para reprovação) de alunos se fizer sentir nas turmas e no aproveitamento dos outros alunos? E as diferenças se notarem nas escolas autónomas?
V
A enumeração destes exemplos só serve para mostrar que a pressão para inverter as políticas reformistas ou o boicote às mesmas se faz sentir de forma real, e era importante saber como é que os futuros candidatos a primeiro-ministro reagem. Tentar adivinhar a consistência das políticas bem como o carácter do líder são dados tão importantes como avaliar as políticas e as medidas reformistas, para percebermos se abandonam as reformas mudando a cara de um ministro, por exemplo, ou se propõem reformas a passo e passo, ou se se preparam para enfrentar o descontentamento sabendo que podem perder o apoio popular e perder eleições.
Joana Carvalho Dias (do blogue Hole Horror)
Alecrim e Manjerona
Esta notícia do DN dá-nos conta de uma guerra de Alecrim e Manjerona travada nos corredores do Ministério dos Negócios Estrangeiros que daria uma boa opereta, com libretto escrito pelo Eça. Ficamos a saber que há movimentações subterrâneas e revoltas surdas entre os punhos de renda e as luvas de pelica, entre as casacas e os sapatos de verniz, entre os papillons e os botões dourados.
Não posso deixar de sorrir com o que leio: perante as imensas e graves dificuldades que o País atravessa, estas insólitas batalhas no Olimpo passam totalmente ao lado de uma população que tenta sobreviver às crises económicas sucessivas que lhe põem à frente. De uma população que, se inquirida, diria sem hesitar que esta opera buffa não serve, sequer, para divertir o pagode, e que os actores estão todos a mais no palco do quadro de miséria em que vivemos. Não subscrevo esta opinião, mas entendo-a. Sei que a diplomacia faz falta e que tem um papel importante na imagem de qualquer país civilizado. Sei que não poderíamos abrir mão de representações que nos dignificam perante o mundo, e que os veleiros palacianos são, muitas vezes, a única opção para chegar a portos difíceis. Mas não posso deixar de reflectir sobre a profunda clivagem que se agrava todos os dias entre governantes e governados, que faz parecer supérfluo, e até irreal, tudo o que não se trata do simples pão para a boca.
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Racismo de Biden, censurado claro pelos jornalismo...
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Acordo esse que estou a cumprir integralmente, não...
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