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Quando confrontado com a necessidade de explicar aos meus filhos o sentido da divisa inscrita no brasão dos Távora, Findit quas cunque, fiquei surpreendido com a dificuldade de lhe atribuir um significado claro. A minha consulta aos amigos com conhecimentos heráldicos (não propriamente latinistas) conduziu-me a duas interpretações: a primeira foi um dramático “Tudo tem um fim”, a outra, com significado mais heroico (e irónico, tendo em consideração o trágico processo dos Távora) foi “Abre seja o que for”, como quem diz “Para nós não existem obstáculos”.
Centro-me na primeira significação, “Tudo tem um fim” que exprime um materialismo brutal, até cruel, nada condicente com a religiosidade da família Távora (comum nas elites da época). Uma percepção vulgar nos nossos dias, confirmada quotidianamente pela transitoriedade da vida e das glórias ou dos bens terrenos. Não sei se a tradução do latim nos permite uma interpretação alternativa que prefiro, aquela em que “fim” é tido como “finalidade”, “propósito”, no sentido de que as nossas acções e obras servem um projecto superior, seja numa Comunidade, na História, ou no Projecto de Deus. O contrário do ponto de vista niilista, da ausência de sentido e desígnio da Vida Humana. Se tudo tem uma finalidade, também o tem a pertença a um nome de família, a uma comunidade identitária derramada no tempo a persistir de geração em geração, protegendo os seus e servindo a Pátria. Era a explicação ideal que eu gostaria de entregar à minha descendência.
Ao que parece, o significado mais plausível é o de “Seja o que for, abrimos”, como defende José Norton aqui, “findit” com o sentido de fender, ou seja, abrir. Já o termo “quascunque” significará “o que quer que seja”, “seja o que for”. De facto, esta tradução da divisa em latim ajusta-se a uma família de guerreiros com origens medievais, cujo poder se afirmava pelo serviço ao Rei com a força das armas. De resto, a família Távora foi por mais de 400 anos um caso raro de ascendência social constante, pelo desempenho de cargos militares e administrativos no Reino, assim como alianças matrimoniais. Assim os Távora chegaram ao século XVIII como uma das mais poderosas Casas de Portugal (e pagaram-no caro). Como refere o historiador Nuno Gonçalo Freitas Monteiro em “O crepúsculo dos grandes (1750 – 1832)”, “O caso dos Távoras, (…) era relativamente excepcional. Deve-se ter em conta que, pelo menos no início do séc. XVIII, se atribuía a essa linhagem e aos que dela descendiam uma identidade peculiar (consubstanciada numa singular altivez e espírito guerreiro), que não tinha paralelo com nenhuma outra família. Não era comum uma tão forte consciência da identidade e da pertença a uma linhagem.” Nesse sentido justifica-se Findit quas cunque, com um sentido próximo de “Ou vai ou racha”…
Com origem toponímica, nomeadamente de uma vila ribeirinha do Rio Távora, com o mesmo nome, situada no Alto Douro, este é um apelido muito antigo que surgiu com Lourenço Pires de Távora em 1320, filho do 6º senhor de Távora de Pedro Ramirez. Seja como for, o apelido Távora, utilizado pela minha família, é nome da varonia da Casa de Abrantes há dez gerações, por via de D. Manuel Rafael de Távora (1715-89) que pagou com 16 anos de prisão o facto de ser irmão mais novo do malogrado Marquês de Távora. Curiosamente o apelido foi resgatado pelo meu trisavô como um acto de rebeldia assumido, contra as modas republicanas e anticlericais veneradoras de Sebastião José que então se afirmavam, quando no último terço do século XIX, talvez por inércia, o “banimento” pombalino do apelido prescreveu.
Talvez fosse tempo de se ensaiar uma crónica desta família, um estudo aprofundado que se focasse nas histórias e lugares dos seus principais protagonistas e linhagens. Portugal construiu-se alicerçado em famílias. Como refere Rui Ramos “As “casas” foram fundamentais na transmissão de memórias, cultos e valores que começaram por ser de linhagens, para depois se tornarem os de uma nação, como Jorge de Sena demonstrou em relação aos Lusíadas, que começou por ser uma epopeia de “linhagens” para hoje serem lidos como a epopeia de um “povo”.”
Não deverá ser em vão, mesmo nos nossos dias, exibir-se este apelido. Há que honrá-lo.
Na imagem: Pormenor do fontanário central do Jardim da Quinta da Piedade no coração da Póvoa de Santa Iria com o brasão Lancastre e Távora, em homenagem ao enlace de D. Isabel Lancastre e Manuel Rafael de Távora.
Morreu o meu Tio Duarte de Castro. Não sei se já alguma vez vos falei da importância que atribuo à família alargada, da diversidade de legado que nos concede uma comunidade de avós, tios e primos, na formação de pessoas mais livres e mais inteiras. Tenho o privilégio de ter crescido e vivido com a presença viva da família da minha mãe, que hoje se reencontra no céu com o seu irmão Duarte. Nós por cá é que ficamos mais pobres, menos amparados.
Duarte Nuno de Carvalho Gomes de Castro, nasceu a 13 de Março de 1939 em Cascais, na Avenida Emídio Navarro, morada que antecedeu a mudança dos meus avós Maria da Assunção e João António para a Casa da Avenida. Afilhado de baptismo do Senhor Dom Duarte Nuno, depois de ter frequentado o Colégio Militar, ingressou na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no curso de 1964 onde ombreou com uma ínclita geração de juristas de que foi toda a vida amigo e cúmplice. Graças a isso sempre me foram familiares nomes como os de Alberto Xavier, António Sousa Franco, Augusto Ataíde, Augusto Ferreira do Amaral, Diogo Freitas do Amaral, Duarte Ivo Cruz, Eduardo Santos Silva ou Martim Albuquerque, rapazes cuja inteligência iluminou muitos serões da Casa da Avenida. Esta, foi uma geração que se empenhou no serviço a Portugal, seja embalada pela esperança na Primavera Marcelista ou na consolidação duma democracia liberal depois do 25 de Abril.
Do Tio Duarte, além do sportinguismo, do gosto pela boa conversa, interesse pela política e pela História, herdei a paixão pelos livros do Tintim, colecção que os possuía num armário do seu quarto de solteiro, que amiúde eu assaltava para me maravilhar com os feitos daquele nosso impoluto e jovial herói – como o eram os meus tios, na minha imaginação.
Foi a 18 de Setembro de 1971 que casou com Eugénia Torres Bastos de Morais acontecimento do qual me assaltam memórias do Copo d’Água no Turf, clube de que foi frequentador assíduo toda a vida. Dessa união ganhei quatro queridos primos direitos; são eles o João, o Vasco, a Mariana e o Bernardo. Quis o destino que o casal fosse morar para a Calçada Marquês de Abrantes, na casa em que, depois da morte dos meus avós, por muitos anos teve lugar a Ceia de Natal que era pretexto de reencontro da família Castro, e dos muitos parentes e primos direitos que nessa ocasião se reviam. O Tio Duarte, com a Tia Gena, teve o mérito hoje pouco valorizado de construir uma família sólida e estruturada nos valores cristãos.
O Tio Duarte, pessoa tão discreta como erudita, foi sempre monárquico assumido, sócio da primeira hora da Real Associação de Lisboa, e era como já referi, sportinguista, clube de que foi tesoureiro na presidência de João Rocha. Foi secretário de Estado dos Desportos do VII Governo Constitucional, aquele executivo AD de vida curta formado em 1981 após a morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa, liderado por Francisco Pinto Balsemão. Amigo muito chegado do meu pai, conquistou o coração e a inteligência deste seu sobrinho, que hoje chora a sua partida. Saibamos nós, que ficamos, dar sentido ao bom legado que a todos nos deixou, em amizade, exemplo e façanhas.
Imagem: Do livro de curso de 1964 da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - caricatura não assinada.
(...) Sobre o livro "D. Leonor de Távora - o Tempo da Ira" da autoria do meu pai escreveu Helena Barbas num "especial" de duas páginas do semanário Independente de 18 de Março de 1993 intitulado "O Azar dos Távoras": "Existindo na fronteira entre o real e o imaginário, este romance histórico fundamenta-se num paradoxo: une a verdade dos factos com a «liberdade poética» que permite que os primeiros sejam modificados (embelezados, escamoteados, exaltados), ou seja, que tornem essa verdade numa mentira. Outro problema nasce da dúvida sobre a historicidade dos acontecimentos registados. Por tudo o que se (não) sabe - e que D. Luíz muito bem vai utilizando em seu, e nosso, proveito - todo o Caso dos Távoras gira em torno de uma magistral encenação levada a cabo pelo apagado membro da Academia de História que foi Carvalho e Melo. O argumento pombalino desorganiza-se em cenas que nem sequer respeitam uma decorosa verosimilhança, vindo a culminar no cruel e inesquecível espectáculo trágico - este inspirando o devido terror e piedade - que foi a execução pública da família Távora". O livro teve quatro edições, a última das quais em 2010. (...)
Continuar a ler esta crónica que dedico ao meu pai, aqui
Tenho andado desaparecido destas andanças do blog porque me vi confrontado pelo luto e com a subsequente desmontagem da casa dos meus pais que ainda perdura. Uma operação profundamente emocional, que exige revisitar objectos, armários, gavetas, papéis, fotografias, esqueletos e memórias de tempos passados, sentimentos díspares e contraditórios que só agora me autorizo espiolhar.
Em particular, descobrir ou revisitar manuscritos do meu pai remete-me para uma proximidade que, se não fossem estas circunstâncias, nunca me atreveria a reivindicar. Esse encontro tem-me ajudado a perceber uma narrativa que perpassa pelas paredes daquela casa de família, através dos quadros, gravuras, daguerreótipos ou fotografias de antepassados e, não menos importante, na iconografia miguelista que é legado da família que o meu pai com zelo manteve e cultivou como pode, pelo menos numa perspectiva histórica e simbólica - qualquer pessoa mais atenta perceberia que naquelas paredes se contava uma história, onde é que eu andava com a cabeça...
Do seu espólio diversificado, entre muitos ensaios históricos e publicações que revisitei por estes dias, também sobra um interessante conjunto de documentos referentes ao CDS e à situação política nos anos de 1974 a 1976, duas versões manuscritas de um romance duas vezes começado, duas vezes terminado e jamais publicado; entre muitos outros textos e papéis escrevinhados na sua letra bem desenhada em papel almaço quadriculado, que era onde as pessoas como ele escreviam naquele tempo em que ainda não havia blogs. Uma bebedeira de informação e sensações emerge do revirar das estantes, que não só o pó em que todos nos tornaremos um dia. Por vezes reavivaram-se-me na memória os melhores tempos daquele espaçoso andar do princípio do século XX em Campo de Ourique onde nós, os cinco irmãos “Abrantes”, crescemos e nos fizemos gente.
Vem isto a propósito do gosto pela história que sempre nutri, mas que desde os meus quarenta e tal anos ganhou foros de voyeurismo, na emoção que é procurar o encaixe de peças de um puzzle pouco intuitivo, com a leitura de livros, ensaios, documentos e até cartas antigas, com a partilha de testemunhos dos tios mais velhos (tenho várias horas de gravações das suas memórias), de conversas com amigos que nos ajudam a deslindar enigmas genealógicos (o importante que vêm sendo os meus amigos nestes últimos tempos), cujas soluções às vezes escondidas à frente do nosso nariz guardamos como troféus, como se de alicerces existenciais tratassem, tomados de uma espécie de paganismo – Deus há-de perdoar-me. De resto compreenda-se este meu amor acrisolado pelo passado, atendendo à resposta que Churchill deu quando o questionaram sobre o assunto: "Claro que gosto do passado, nasci nele".
Resta saber o que serei capaz de fazer com o legado histórico que me tem sido desvendado e há anos venho juntando e organizando. Depois do luto, talvez.
Este divertido diário de Francisco Dias, um ilustre desconhecido (?) quinhentista “procurador de El-rei no Porto” ofereceu-mo o meu amigo Carlos Bobone. Além de tudo o mais (tem histórias de pestes), o que tem de particularmente curioso para mim, são as múltiplas referências ao I Conde de Matosinhos, Francisco Sá e Meneses notabilizado “poeta do Rio Leça” e ao seu pai João Rodrigues Sá e Menezes "O Velho". E que fantástico personagem foi este último: dizem os seus biógrafos que viveu intensamente até aos 115 anos. A sua carreira política começou como ministro de D. João II, foi-o também de Dom Manuel, de Dom João lll e de até D. Sebastião. Traduziu as Elegias de Ovídio, comentou Homero, Píndaro e Anacreonte e "enobreceu" como guerreiro nas campanhas de Azamor e de Arzila. A sua família foi a primeira no Porto em que as mulheres tiveram direito a tratamento de “Dom”, e “cujos homens e respectivas esposas foram tratados por senhorias."
Permitam-me contar esta notícia de forma um pouco subjectiva, ou simplesmente do meu ponto de vista: O quadro de D. Rodrigo Annes de Sá Almeida e Meneses, o embaixador de D. João V que a 8 de Julho de 1716 foi recebido em Roma pelo Papa Clemente XI, muito provavelmente da autoria de Vieira Lusitano de quem foi protector, foi um dos principais protagonistas da magnífica Exposição com que o Museu Nacional dos Coches celebrou ontem a passagem de trezentos anos sobre o acontecimento. Assim, foi com grande orgulho que ontem à tarde eu e os meus irmãos reencontrámos este velho companheiro da nossa infância e juventude que, na parede da sala de nossa casa, da sua imponente moldura dourada nos seguia com um olhar sisudo e atento à nossa passagem. Daquele senhor, o primeiro marquês de Abrantes, nascido em 19 de Outubro de 1676, sabemos ter sido um grande mecenas e homem de artes e da cultura, e também que é da sua autoria o desenho dos magníficos Coches de Aparato mandados construir em Itália, com os quais empreendeu esse importante serviço à Pátria, visando conseguir do Papa o prestígio dum patriarcado para Lisboa.
Entregue em depósito ao Museu Nacional dos Coches pela minha família, é com enorme alegria que o encontramos finalmente exposto ao público, à vista de todos quanto visitem esta magnífica exposição que nos desvenda uma época e uma história… feita de pessoas como nós.
Ver reportagem fotográfica aqui.
Na quinta-feira passada tive o privilégio de estar presente na inauguração da exposição temporária patente no Museu Nacional de Arte Antiga “Azul Sobre Ouro” que se recomenda vivamente. Trata-se de uma ocasião única (quatro meses) de apreciar com pormenor a extraordinária colecção de porcelanas da dinastia Ming, com exemplares únicos no mundo datados maioritariamente entre os séculos XVI e XVII legada por D. José Luís de Lancastre. Com esta iniciativa as peças poderão ser minuciosamente apreciadas sem o perigo do visitante apanhar um torcicolo, já que o seu local de original, onde resistiram incólumes desde 1680 até hoje (e presenciaram por exemplo o terremoto de 1755) é o insólito tecto da Sala das Porcelanas no Palácio do Marquês de Abrantes, sito na Calçada com o mesmo nome em Santos-o-Velho. Foi certamente uma delicada e emocionante operação aquela em que, aproveitando-se as obras de restauro promovidas pela Embaixada de França, actual proprietária do edifício, se retiraram um a um os 263 pratos com a supervisão dos técnicos do Museu de Arte Antiga. Desses foram seleccionados os 58 exemplares mais significativos que se exibem agora na Rua das Janelas Verdes até 24 de Maio próximo.
Uma curiosidade que se destaca da informação patente é a de que não será descabido pensar que as porcelanas do palácio dos Marqueses de Abrantes tenham servido de inspiração aos oleiros de Lisboa no fabrico da faiança azul e branca que por essa altura se popularizava no País, tanto mais que há nota de uma olaria nos registos da freguesia de Santos-o-Velho em 1672 propriedade de D. José Luís de Lancastre na Rua da Madragoa a poucos metros do palácio.
Pela original iniciativa estão de parabéns a Embaixada de França, na pessoa do seu Embaixador Jean-François Blarel, o Museu Nacional de Arte Antiga e seus mecenas na pessoa do seu dinâmico director António Filipe Pimentel, juntos nesta inédita parceria.
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