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As melhores férias da minha vida I

por João Távora, em 29.08.08

As primitivas memórias que guardo dos Verões em Milfontes fazem sentir-me velho. Nos anos sessenta, exceptuando o café da Barbacã, que tinha televisão e gelados, e talvez nalguma casa que eu ignoro, a iluminação utilizada era gerada por lamparinas de petróleo. Nessa época recordo-me de comprar rebuçados a meio tostão, e de na feira de Agosto cobiçar um reluzente bimotor Douglas em folha de flandres. É desses tempos que me lembro das infindáveis horas de sesta a que nós, crianças, éramos cruelmente condenadas todas as tardes. Eu invariavelmente suportava o castigo impaciente, de olhos esbugalhados no escuro, mas com os ouvidos nos sons da tarde mole, que se arrastava lá fora na rua a estalar de calor.

Foi nos anos sessenta que tomei consciência do mundo; quando os americanos chegavam à lua e se atravessava o rio Mira numa chata que o Sr. Joaquim Viola remava com um só remo alçado sobre a ré.
Conhecida como Princesa do Alentejo, a terra das três mentiras (não é vila, não é nova nem tem mil fontes) era principalmente uma aldeia de pescadores e tinha umas dezenas de casas à volta do forte seiscentista, e poucos eram os privilegiados forasteiros que usufruíam daquela encantadora praia, encimada por um areal imenso de altas dunas.
Todos os anos naquela pequena aldeia, durante umas semanas valentes, sentia-me incomensuravelmente feliz: com o nariz e as bochechas empastadas de Caladril, uma pomada cor-de-rosa para as queimaduras, passava todo o tempo possível dentro d’água. Diariamente, pela manhã (aqui presto devida homenagem à minha mãe, que tão perseverantemente pastoreava um rebanho de cinco rebeldes criancinhas), lá íamos todos para a praia junto do rio, que então era suficientemente espaçosa para as poucas dezenas de famílias de veraneantes que aí se encontravam todos os anos. Hoje essa praia encontra-se rasgada por uma estrada de alcatrão e o areal recuou pela erosão das marés tornando-a impraticável, pelo menos no Verão.
 

(Continua em baixo)

As melhores férias da minha vida II

por João Távora, em 29.08.08

Uma certa manhã de Agosto, no dia dos meus anos, acordei estremunhado e espremido pelas eufóricas meiguices do meu pai. Chegara de Lisboa e trazia embrulhado de presente um minúsculo insuflável encarnado que (mal ele sonharia) me proporcionou uma das melhores férias de sempre. Eu encaixava que nem uma luva no barquito, que com as palmas das mãos remava com destreza. Na minha imaginação, possuía um autêntico veleiro com o qual alcancei a Índia, cheguei a África e ao topo do mundo. Tirarem-me da água é que era uma carga de trabalhos.

Ano após ano fui aprendendo a conhecer as águas e as marés daquele rio, que cheguei a atravessar a nado muitas vezes. E recordo com saudade as vezes que passeava orgulhoso ao lado do meu pai no seu Volkswagen aos abanões pelo meio das dunas dos Aivados. E havia o nosso guia Jacinto, um pescador autóctone que auxiliava o meu pai em façanhas piscatórias, e que nos acompanhava no Canal à lota do peixe. No último ano que passámos juntos nessa aldeia alentejana, meu pai comprou uma velha barca que deixou à guarda do Jacinto, para um imprescindível restauro. Depois do 25 de Abril, ele não voltou a Vila Nova, e eu nunca mais soube o que se passara com o nosso barco, com o qual tenho a certeza ambos sonhámos divertidas aventuras e passeios numas férias que jamais aconteceram. Talvez por mero pudor, nunca falámos do assunto.
Hoje, por lealdade e caturrice ainda reservo todos os anos uma parte das férias com a família em Milfontes, um destino que afinal se tornou numa pequena selva de betão, paredes-meias com dois enormes parques de campismo. Contra isso vale-nos uma casa que alugamos de costas para a vila e sobranceira ao rio, onde nos podemos abstrair da feira que fervilha lá atrás, e de noite ouvir o chapar dos barcos na água ou uma cigarra a trinar. E depois há as dunas e ondas do Malhão, os miúdos tomaram-lhes o gosto. E há os amores e os amigos de Verão que se querem sempre reencontrar, nem que seja só duas semanas para o ano que vem.

 

Foto d' aqui.


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