Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Para que serve afinal o amor? *

por João Távora, em 26.12.17

Watteau_L'Amour_désarmé_Musée_Condé.jpg

Nestes tempos moderníssimos impera por aí uma enorme confusão sobre o que é o amôr romântico, se é coisa de se fiar e se tem alguma utilidade. Não parecendo, esse é um assunto que importa esclarecer.  

Eu adivinho que a minha filha teenager desconfia que eu não acredito nesse amor, é natural. Mas ao contrário do que possa parecer, eu acredito no amor romântico – eu só acredito no amor com romance - crença que herdei não só do cinema, das canções e da literatura, mas da família e dos vários exemplos que nela testemunhei. 

Mas afinal o que é o amor? Para que é que servirá essa energia extraordinária feita de cardíaca incompletude e desejo insatisfeito, quando o nosso coração cego nos impulsiona para os braços da pessoa eleita? Isso do amor, a que numa fase aguda se usou chamar paixão, ao princípio vai alimentar-se do mistério e novidade do outro, acalentadas pelas circunstâncias da vida que vão sendo exploradas a dois na cumplicidade amiga do tempo novo – então é sempre tudo novo. A diferença é que, ao contrário do que clama o ar do tempo, eu estou convicto que essa poderosa energia, cantada pelos poetas e pelos trovadores desde os confins da História, não é um fim em si mesma. Serve precisamente para o cumprimento das embebedadas promessas proferidas pelos apaixonados, para a construção de uma história cúmplice, feita de referências, dos momentos com que se constroem os alicerces dessa nova entidade em formação que é o Casal – o resultado dos dois indivíduos em comunhão. Isso é a maior realização do amor. Para nos podermos amar “para sempre” temos que nos preparar para a viagem, para enfrentar o tempo, domesticá-lo, como se fora nosso aliado. O amor romântico no fundo não é mais do que o capital inicial com que se começa um exigente empreendimento, que no meu modo de ver se realizará na forma de uma nova família. Matéria tão nobre e exigente como essa requer um grande investimento, daí a importância do amor aforrado em tempos de abundância, de excesso, de euforia. Um grande amor assim não merece ser desbaratado a consumir-se a si próprio como se ele fora um fim em si mesmo; merece ser forja de uma história burilada a dois, que cumpra o final feliz que foi prometido um ao outro em juras de amor eterno. A maneira de tirar rendimento dessa potente energia é aplicá-la numa obra que nos transcenda, em vez de a deixar dissipar para o vazio como vapor desaproveitado. O amor romântico produz uma energia extraordinária.

Por tudo isto eu direi sempre aos meus filhos que nunca acreditem em nada menos que um grande amor, eufórico, cheio de promessas e ilusões – esse é um risco mínimo exigível para um projecto a dois que se queira bem-aventurado e fecundo. Acontece que realizar o verdadeiro amor exige ambição.

 

*Texto dedicado à minha filhota Carolina pelo seu 17º aniversário.  

 

Imagem: L’Amour désarmé - Antoine Watteau, 1715. 

Tags:


Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • cela.e.sela

    na sua centena de heterónimos desdobrou-se em ser ...

  • Anonimo

    inventa o direito de toda a gente a ir à praia à b...

  • passante

    > os donos não conseguem perceberPonha-se a hip...

  • Anónimo

    Excelente texto.

  • lucklucky

    A conclusão a tirar é que o valor de que o autor f...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D

    subscrever feeds