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Recentemente tem-se falado bastante em festejar o 25 de Novembro. Eu, pessoalmente, até porque tenho uma veia comodista, não sou dado a grandes celebrações e eventos. Nunca fui a uma manifestação ou celebração desse tipo, pelo que, se me virem numa, talvez seja prudente que me encaminhem para casa pois é provável que ande perdido.
Como em muitas coisas da vida, acredito que este desejo de celebração novembrino é um par ação-reação.
A revolução do 25 de Abril não foi uma revolução de esquerda. Foi o culminar de um movimento, espoletado inicialmente por objectivos corporativos, e que os objectivos políticos estavam mais focalizados no fim da guerra colonial do que propriamente na mudança de regime. Curiosamente, o PCP, que era a principal, e quase única, força política com oposição activa ao Estado Novo, não teve qualquer participação no golpe revolucionário. Uma vez consumado o golpe militar, os capitães foram buscar para chefiar o processo revolucionário um militar sénior de direita, o General Spínola.
Não sendo "ab initio" um movimento de esquerda, o imaginário do 25 de Abril foi totalmente capturado pela esquerda. Desde há muito que há "donos do 25 de Abril" que atestam o pedigree abrileiro de pessoas e organizações. Por exemplo, para, na data, desfilar na Avenida da Liberdade é preciso uma autorização dos que se consideram donos da desta. Se ingénuos, como os da Iniciativa Liberal, se quiserem juntar ao grupo é certo que receberão praxes humilhadoras.
O 25 de Abril que teria, pois, à partida as condições perfeitas para ser a grande festa da liberdade deixou de as ter. Por apropriação ilegítima, o 25 de Abril passou a ser, fundamentalmente, a festa de como a esquerda radical vê a liberdade, sendo que esquerda radical e liberdade tendem a ser contradições em termos.
Escorraçados das celebrações abrileiras, há pessoas, no centro e na direita, que mantêm, aliás legitimamente, desejos celebrativos. São essas pessoas que fazem agora questão de celebrar o 25 de Novembro.
Escolheram justamente a data em que o modelo daqueles que se apropriaram ilegitimamente do 25 de Abril foi derrotado. Assim garantiam que não se iriam cruzar com aqueles que os tratavam como sarnosos ou infiéis. Ao pretenderem para si, em exclusivo, os pergaminhos abrileiros, os esquerdistas criaram a necessidade de uma celebração alternativa, nos quais aqueles que escorraçaram se pudessem rever.
É neste espírito que emerge, pois, o actual desejo celebrativo. Conforme disse no início, não me revejo particularmente nesse tipo de manifestações.
Mas compreendo que haja quem se reveja.
Ponhamos a coisa de forma clara: o 25 de Novembro veio pôr termo a uma deriva tirânica, a uns tempos agrestes e sombrios em que Portugal estava refém de novos déspotas – a esquerda radical de então e de agora. Punha-se fim a uns tempos em que quase toda a comunicação social estava nacionalizada ou silenciada, desde logo a rádio e a televisão cujas audiências eram o país inteiro – só havia na verdade um operador, instrumento do novo poder. O discurso no espaço público era unívoco em torno da inevitável “democracia popular” que os comunistas nos queriam impor para evitar eleições. Aqueles programas culturais, de comentadores e de debates, passando pelos telejornais eram absolutamente monocromáticos, raramente saiam do estilo panfletário esquerdista radical, da incitação ao ódio e à extinção definitiva dos adversários, das vozes que se batiam por uma democracia liberal. Lembro-me bem porque os vivi, eram tempos muito difíceis, a direita liberal ou conservadora tinha gente nas prisões, vivia sob uma pesada intimidação, apadrinhada pelo poder político dum governo dominado pelas tropas revolucionárias, pelo partido comunista e seus satélites. Esse ambiente de medo e intimidação perpassava para a rua, para os cafés, para os empregos, para as escolas.
Sobre o 25 de Novembro, disse Mário Soares mais tarde que “é uma data tão importante para a afirmação da democracia pluralista, pluripartidária e civilista que hoje temos, como a Revolução dos Cravos”. Daí que só podemos concluir que o Partido Socialista, ao rejeitar o legado contra-revolucionário de Jaime Neves num acto de revisionismo histórico sem precedentes, apenas pretende agigantar a sua hegemonia pelo lado extremo e radical do espectro político nacional. A institucionalização da geringonça e a liquidação do centro político – o Chega não é a causa, é consequência.
A divisão acicatada da direita nos dias de hoje que permite a confortável preponderância do PS e dos progressistas no regime, faz-me pensar que talvez fizesse falta a muitos jovens políticos de agora ter vivido em Portugal antes do dia 25 de Novembro de 1975. Para perceberem como existem valores ameaçados mais nobres e perenes pelos quais se baterem, que essa estratégia de puritanismo ideológico fraccionado em camadas, apenas contribui para o crescimento do fosso entre Portugal e as democracias mais maduras dos países desenvolvidos. Tenho pouca esperança que os líderes da direita, - os liberais, sociais-democratas e conservadores - tenham por estes dias vontade real em assumir o papel de adulto na sala. E não é por falta dum Messias, é por falta de vontade.
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