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Faz amanhã dois anos que o Público publicou um artigo meu, feito rapidamente para responder aos prazos que me deram, e que deve ser a coisa que escrevi que foi mais citada e elogiada (o amigo meu, mais dado às ironias, concluía num dos dias seguintes, que eu era o novo consenso nacional).
É ao título desse artigo "Imprevisível?" (a ligação não é livre, mas estamos todos no mesmo barco, de acordo com o Público, eu também tenho de pagar para ler os artigos que escrevi de borla para o jornal vender) que fui buscar a base para o título deste post.
Na verdade o êxito do artigo não se deve ao artigo em si (mediano e repetindo o que já escrevi de dezenas de maneiras diferentes, em diferentes sítios) mas à circunstância ter sido publicado logo depois de ter morrido tanta gente em Pedrógão e à barragem de comunicação do governo e presidente da república com uma única preocupação: sacudir a água do capote.
Nos meses precedentes o governo tinha-se entretido a propagandear a maior reforma florestal desde D. Diniz (que não consta que tenha feito nenhuma reforma florestal, mas isso é o menos), cavalgando a propaganda anti-eucalipto como cortina de fumo para o que verdadeiramente estava em causa: mudar alguma coisa para manter tudo como sempre.
Durante esse tempo, a generalidade da imprensa e dos jornalistas ouviram as maiores barbaridades sobre o assunto (os problemas eram o eucalipto, o regime de propriedade, a irresponsabilidade dos proprietários, os terrenos com donos desconhecido, os incendiários, etc.), como se na verdade estivessem a ouvir pessoas sérias, tomando o que lhes é dito como verdades inquestionáveis que dispensam escrutínio.
Durante o tempo do fogo, e no imediato pós-fogo, seguiram caninamente atrás das comitivas oficiais, fotografando os abraços do presidente, o ar compungido do primeiro-ministro, o olhar esgaseado do desgraçado do secretário de estado da protecção civil, como se nunca ninguém tivesse previsto, explicado, estudado, acumulado informação, difundido conhecimento, sobre o caldeirão que estava ao lume e os barris de pólvora que estavam guardados ao lado da lareira.
E por isso mesmo escrevi, manifestamente irritado (na verdade, ainda mais irritado quando dei esta entrevista) com a voluntária cegueira de uma imprensa que passa o tempo inteiro a pôr o microfone à frente de gente que não tem nada a dizer sobre o assunto, embora influencie as decisões que sobre ele se tomam em nome do povo (exemplo de hoje: "Segundo Catarina Martins, “boa parte do problema está no território”, isto é, nas “manchas contínuas de eucalipto e de pinheiro” e na “cultura intensiva de eucalipto”" sem que algum jornalista lhe pergunte quais são as fontes de informação que tem para dizer isto, para além do genro de Louçã, visto que os estudos mais recentes e completos sobre o assunto a desmentem inequivocamente).
Quando há dias comecei a receber convites para ir aqui ou acolá, não percebi logo que se tratava, de novo, do previsível comportamento da imprensa de efemérides: passam dois anos sobre o incêndio de Pedrógão, vamos lá ouvir umas quantas pessoas sobre o assunto.
Até aqui, tudo normal e agradeço os convites (tive de os recusar todos por não estar em Portugal, mas na verdade acaba por ser indiferente, como me disse uma das poucas pessoas que tentei esforçadamente que aceitasse os convites para reduzir o espaço dos ignorantes, demagogos ou simplesmente sectários que forçosamente ocupam o espaço mediático se os que dizem menos asneiras não estiverem disponiveis, "também não posso mas não faz diferença, acho que se lá fosse era só para dizer que o melhor é entregar tudo aos espanhóis").
De repente comecei a perceber que desde os que habitualmente me insultam sempre que têm oportunidade por, na opinião deles, eu ser um vendido aos eucaliptos, até aos jornalistas mais experimentados, todos desatarem a publicar fotografias e videos dos locais ardidos há dois anos, manifestando a sua censura moral por estar tudo igual ou pior (em princípio pior, menos gestão, mais homogeneidade, e por aí).
Mas meus amigos jornalistas: não são vocês (as minhas desculpas pela generalização, como todas as generalizações é injusta, claro, há excepções que não consigo enquadrar aqui convenientemente) que atiram foguetes porque o governo anunciou o agravamento do IMI para os terrenos abandonados (bela mentira, é para os terrenos de matos, mas adiante) para incentivar a gestão do território? Não são vocês que embandeiram em arco de cada vez que o governo anuncia novas equipas de sapadores, sem que até hoje, numa dessas vernissges, um único jornalista tenha alguma ver perguntado se não era melhor gastar o mesmo dinheiro a apoiar pastores, resineiros, caçadores, criadores de touros de lide e outros gestores do território? Não são vocês que repetem acriticamente os milhões anunciados do Fundo Florestal Permanente e do Fundo Ambiental, sem perguntar a que propósito são esses fundos autónomos que financiam obrigações básicas do Estado nesses domínios, em vez do Orçamento de Estado? Não são vocês que repetem acriticamente os periódicos anúncios de novos milhões para apoiar as espécies autóctones sem que perguntem por que razão se insiste em medidas que não tiveram êxito antes, sem avaliar as razões desses fracassos? Não são vocês que vão às festas de anúncio dos milhões para pagamento dos serviços de ecossistema, sem que questionem o ministro do ambiente por que razão isso é apenas uma experiência piloto para pagar o apoio político de algumas autarquias ao novo modelo de gestão das áreas protegidas?
É que as pessoas que estudam a porcaria dos fogos, há anos que dizem, e repetem, que há um problema central de gestão (para o qual tem havido algumas medidas positivas, como o programa nacional de fogo controlado, ou o programa da apoio ao pastoreio como instrumento de gestão de combustíveis, mas infelizmente são meros pormenores, flores na lapela, ainda por cima desenhados com regras absurdas porque o Estado não confia nas pessoas e prefere investir em regras complicadas, em vez de cumprir eficazmente o seu papel fiscalizador), problema esse que decorre da ausência de competitividade dos sectores que podem contribuir para a gestão do território, e que isso apenas se resolve (parcialmente) com o pagamento, justo, dos benefícios sociais criados pelos gestores do território.
Por isso, estas mesmas pessoas que estudam o assunto, logo nos dias imediatos ao fogo, perante as anunciadas medidas do governo (a começar pela absurda conversa e centragem nas limpezas à volta das casas, a expensas do vizinho), disseram o que ainda hoje dizem e, pasme-se, vossas excelências descobrem agora que é o que está a acontecer no terreno: com as medidas de política que existem, a evolução que se pode esperar da paisagem é exactamente a que está a ocorrer: menos gestão, mais abandono, mais homogeneidade, mais continuidade de combustíveis e um grandioso espectáculo pirotécnico em 2030 (mais anos menos ano).
Nessa altura não se esqueçam da vossa responsabilidade, como agora se esqueceram da responsabilidade, vossa e dos senadores da república ("Ao contrário do que acontece no Norte, os concelhos do Pinhal Interior têm hoje a percepção do valor económico da floresta e criaram mecanismos de prevenção". A Região Centro tornou-se "a mais apetecível" para novos valores florestais, como por exemplo a biomassa, ao passo que o Norte enfrenta uma situação de "abandono [da floresta] gravíssima". Por exemplo, disse, a Lousã e Oliveira do Hospital têm zonas de intervenção florestal "bem instaladas e activas", uma análise de 2010 cuja lucidez o tempo veio esclarecer), quando depois de 2003 e 2005 repetiram acriticamente a propaganda dos governos, e as tiradas brilhantes como a citada, que foram repetindo, incluindo de um senhor que comprou Kamovs, contratou SIRESPs para resolver o assunto, hoje não se lembra de nada e que toda a imprensa carrega ao colo por ser muito habilidoso.
E não se esqueçam de pôr já na agenda os habituais passeios anuais às zonas ardidas em 2017, para os programas do ano que vem.
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