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Sócrates e a justiça

por Miguel A. Baptista, em 06.04.21

Num Estado de direito as decisões dos tribunais devem ser respeitadas. No entanto, esse respeito não impede que as mesmas sejam escrutáveis e que possa haver um julgamento crítico da população acerca das mesmas. 

Mesmo supondo que os juízes são apenas movidos pela busca da verdade e do sentido de justiça, eles não são deuses infalíveis. Há casos em que a falha, ou erro judiciário, é inegável. Por exemplo, no famoso caso O.J. Simpson, este foi considerado inocente pelo tribunal criminal e foi considerado culpado pelo tribunal cível. Ou seja, não foi preso, mas teve que pagar uma indemnização à família da vítima. Pela mais básica lógica aristotélica é impossível que nenhum dos tribunais tenha cometido uma falha de julgamento. Presumindo que os juízes de ambos os tribunais estavam de boa fé, os meios de prova apontados nos dois julgamentos podem ter sido diferentes ou os juízes, legitimamente, interpretaram de forma diversa os diferentes meios de prova. 

Uma declaração de culpado não significa que a pessoa seja culpada, significa apenas que os juízes entenderam que, para além de qualquer dúvida razoável, a pessoa era culpada. Supondo que todos estão de boa-fé tendencialmente esse entendimento coincidirá com a realidade, mas não é obrigatório que assim seja. 

Nada impede que, embora respeitando a decisão dos juízes, uma pessoa tenha um entendimento diferente. Por exemplo, o caso Casa Pia não me permitiu criar uma convicção da culpabilidade de Carlos Cruz que fosse para além da dúvida razoável. No meu entendimento não foi apresentada nenhuma prova completamente contundente que não permitisse qualquer outra interpretação que não a culpabilidade de Cruz. Assim sendo, não me foi permitido criar nenhuma convicção pelo que não tenho qualquer palpite acerca da culpabilidade da pessoa, para além do diz que diz. 

Penso que no caso de Sócrates a justiça já parte derrotada num ponto, o prazo de instrução do processo foi muito para além daquilo que é razoável e aceitável. Oiço que a decisão que virá a ser tomada sexta-feira, num sentido ou noutro, dará quase forçosamente origem a um recurso que deverá demorar dois anos. Estando eu fora do mundo jurídico, por muito que me esforce, não consigo compreender como é que a reapreciação de um processo leva dois anos, da mesma forma que não compreendo como é que são necessárias mais de seis mil páginas para lavrar um despacho judicial. 

Ao contrário do processo Casa Pia, no caso de Sócrates há elementos de prova, nomeadamente as escutas telefónicas que, em minha opinião, não permitem que exista nenhuma dúvida razoável acerca da culpabilidade de Sócrates. E não estou apenas a falar de culpabilidade de comportamentos menos éticos, mas sim de culpabilidade de conduta criminosa. 

Conforme disse, a justiça já saiu pouco prestigiada pelos seus timings de processamento. Uma justiça desmedidamente longa compromete o próprio conceito de justiça. Se a decisão acerca do pronunciamento de Sócrates não for algo, muito bem sustentada, ou seja, à prova de bala, a imagem da justiça sofrerá mais um duro revés. 

PS – O propósito deste post não é discutir a eventual culpabilidade de Carlos Cruz no caso Casa Pia, como tal agradecia que comentários não se concentrassem nesse ponto. Segundo aspecto, eu não sou uma pessoa de Direito, como tal é natural que a nomenclatura usada contenha erros técnicos crassos. Peço aos meus amigos juristas que tenham a caridade de não se arrepiarem com os meus eventuais erros. 


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