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É a sensação do momento – um novo hotel, para breve, em Famalicão. Parece que ali para os lados da Avenida do Brasil, em zona comercial próspera, sempre movimentada. Basta atentar nos parques de estacionamento repletos, os automóveis todos alinhadinhos, a lembrar – digo eu – os iates da marina de Vilamoura.
E a maqueta do novo hotel surgiu já nos jornais – um edifício no topo da modernidade, cercado de relva, quiçá de golfe também, piscinas, árvores de um futuro qualquer. Ouvi nas caminhetas, animais mansos e fabulosos – gamos, pavões, suricatas – povoarão e darão movimento e cor à envolvência do hotel. Em suma, a expectativa é grande e a proximidade do Éden parece ainda maior.
Mas (descendo com redobrados cuidados aqueles degraus altos e escorregadios da carreira), vim pensando, a caminho da Rua de Santo António, no nosso ancestral Garantia. Para ali desprezado, uma ruína, os estores como bocas a reclamarem dentista urgente, a pele putrefacta de um leproso. Isto tudo em pleno coração famalicense, como se as síncopes só vitimassem os outros e a alma nada mais fosse além de uma invenção.
Ocorreu-me, seriam umas semanas de incómodo na zona. Mas abria-se um buraco e o aparcamento subterrâneo dos carros ficava assegurado. Aquilo há de dispor de espaço nas traseiras, o bastante para uma piscina coberta, uma sauna e o banho turco, o ginasiozinho e as imprescindíveis massagens. É o spa, a nota fina e actual. Recuperava-se o antigo café ao melhor estilo pós-ante-revivalista e dava-se um jeito nos quartos – aí sim, o cenário tinha de ser substancialmente modificado.
Na velha cozinha – um novo museu culinário. O restaurante panorâmico, tornando o calor, sempre a acelerar. Muito respeito pelos azulejos nas paredes e o mobiliário de há quase cem anos… O resultado: mesmo no centro de Famalicão, a umas jardas da Fundação Cupertino de Miranda, à eterna esquina do nosso mundo inteiro, as tardes sentadas nas esplanadas do espaço pedonal defronte, – o ambiente belle époque de um venerando hotel famalicense. Igualzinho aos que, por aí fora, se apelidam agora hotéis de charme.
Não tenho ilusões: deixaria S. Tiago da Cruz, eu e as minhas canetas de tinta permanente, os meus cachimbos, uns casacos de tweed e a gabardine, e transportar-me-ia do universo britânico para esta sempre mui simpática cidade. Que convida a ler, a escrever, a ouvir o saber das suas gentes. Assim mesmo, sem alguma aspiração ao Nobel da Literatura.
Os meus serões seriam destituídos de Internet e telemóvel. Para qualquer imprevisto, o Garantia disponibilizava aos clientes assim contestatários – um fax; e cognac também. A próxima aventura do Capitão Blacke e do Prof. Mortimore cá decorreria, visto Olrik congeminar roubo audaciosíssimo no Arquivo Municipal.
Isto conversava eu com os meus botões, decerto a caminho de um pastel de nata dos mais belenenses, outro must da nossa praça. A olhar de esguelha o decrépito ex-edifício da CGD, - Muitas galinhas caberiam cá dentro! – disse para comigo, a pensar naquela feirante da caminheta que ouvi jurar a proprietária do fantástico hotel que se avizinha (o tal quase a chegar a Moço Morto) se chama D. Amélia.
Não pode ser verdade. Há de haver confusão. A D. Amélia, quando muito, será a esposa do chefe dessa pandilha.
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 31.OUT.2019)
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