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Entre as classes dominantes, há um discurso frequente, mas errado, o de que o país não é objecto de reformas estruturais. Parte desse discurso tem, aliás, um pressuposto errado ou, pelo menos, muito pouco rigoroso, o de que são os governos que determinam as alterações estruturais da sociedade.
Que os governos têm muito potencial para fazer asneiras, mas podem muito pouco para alterar o mundo, parece-me um pressuposto bem mais sólido.
Luís Aguiar-Conraria, por causa de quem me lembrei dos dois parágrafos anteriores (são da minha responsabilidade, mas repetem ideias que leio frequentemente nele, isto é, ideias que eu acho que estão no que escreve, ele pode ter uma opinião diferente do que escreveu), dá frequentemente um exemplo claro de uma alteração estrutural com fortíssimas implicações económicas, a grande alteração da qualificação dos portugueses ao longos das últimas décadas (a tendência começa a ser muito marcada nos anos 50 do século XX, mas acelera com o investimento em educação que a sociedade, isto é, o Estado, mas também as famílias, fizeram na educação, a partir do 25 de Abril).
Devo dizer que não sei qual é a tendência actual, é verdade que a qualificação dos portugueses continua a aumentar, mas também me parece razoável admitir que com a emigração de alguns quadros (o grosso da emigração continua a ser o que sempre foi, não é verdade que emigrem sobretudo os mais qualificados, o aumento da qualificação da emigração reflecte o aumento da qualificação geral da população) e com a imigração de muita mão de obra pouco qualificada, talvez a progressiva qualificação da população activa tenha mudado da tendência positiva para alguma estabilização, ou mesmo decréscimo, não sei.
Se a sociedade se reforma mais lentamente do que gostaríamos, em grande medida, é porque somos uma sociedade descapitalizada, não é sobretudo por falta de coragem dos governos que têm medo das consequências eleitorais negativas de medidas necessárias, mas impopulares.
Quando um político manifestamente reformista, como José Sócrates, decide investir voluntariosamente na alteração estrutural da sociedade, acreditando numa economia voodoo em que o investimento do Estado dá sempre retorno positivo, e não implica retirar capital à economia que o poderia usar de forma mais eficiente, o resultado é natural que seja o que foi, uma quase ruptura financeira do Estado e da sociedade.
O que nos tramou no governo de Sócrates não foi o nível de corrupção (isso tramou-o a ele), o que nos tramou foi a desconsideração política pela nossa escassez de capital.
Para o futuro interessa-nos mais o que se passou depois, quando ficou a nú a nossa escassez de capital, com a consequente pré-ruptura financeira do Estado, empresas e famílias (a ordem não é arbitrária).
A troica (em quem, infelizmente, nunca pude votar, como gostaria), emprestou-nos dinheiro, mas exigiu que se reduzisse o défice do Estado e o défice comercial do país, como forma de recapitalizar minimamente o país.
Os EUA têm um défice comercial gigantesco, mas têm um fluxo de capital em sentido inverso que tem permitido aguentar a situação, mas num país como o nosso, ao défice comercial juntam-se fluxos de capital que agravam (ou, pelo menos, não resolvem) o problema (não, o nosso problema estrutural não é a pobreza e os baixos salários, esses são problemas conjunturais que reflectem o problema estrutural de falta de capital).
O governo de Passos Coelho começou por cortar todas as despesas que podia, privatizar o que foi possível (uma excelente maneira de captar capital) e, depois da recusa do Tribunal Constitucional em baixar ordenados na administração pública, aumentar os impostos (isto é, retirar dinheiro da economia para resolver o problema financeiro do Estado).
Depois de resolvida a situação aguda, entre o fim de 2012 meados de 2013, começou a desapertar o garrote que teve de aplicar para estancar a hemorragia.
Como acontece a quem não tem recursos, não havia, até 2014/ 2015, grandes opções: podem-se fazer garrotes melhores ou piores, pode-se até fazer um garrote excessivo que provoca a morte de tecidos por falta de sangue, mas primeiro estanca-se a hemorragia, só depois passa a haver opções nos passos seguintes.
Foi isso que esteve em discussão nas eleições de 2015, e a opção dos governos de António Costa foi a de um ilusionista.
Por um lado, aumentou os impostos indirectos, que se sentem menos (resumindo, retirou mais dinheiro da economia para o Estado) e, por outro, empurrou o buraco para o futuro, descapitalizando o Estado, inscrevendo verbas de investimento nos Orçamentos, mas não as executando.
Esta opção tem grandes virtudes, por um lado do ponto de vista da pacificação social, por outro porque é uma opção que permite comprar tempo para ir acumulando o capital que nos faz falta, tanto mais que as empresas, reconhecendo perfeitamente a ilusão, trataram de se precaver, capitalizando-se tanto quanto possível, para os choques futuros.
O resultado não foi mau de todo, as empresas e as famílias foram-se capitalizando, por exemplo, o aumento do preço das casas, num país em que 70% das famílias são proprietárias das casas em que vivem, é uma capitalização, embora pouco líquida, mas o Estado foi-se descapitalizando (o investimento do Estado não tem sido suficiente para compensar a erosão do capital), com as consequências com que hoje nos confrontamos, e que são o essencial do que está em discussão nestas eleições.
Deste ponto de vista, não é nada igual optar pela continuação da política de António Costa, reduzindo o IVA (um imposto sobre o consumo) para deixar dinheiro no bolso das famílias, ou optar por reduzir o IRC, para deixar capital nas empresas (e seus accionistas).
Por mim, que ainda não decidi definitivamente em quem vou votar, tenho uma ideia perfeitamente definida: eu voto naquilo que me parecer mais eficaz para assegurar a capitalização do país, quer por via da poupança, quer por via da captação de capital externo, quer por via do aumento dos lucros das empresas.
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