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No que se vai escrevendo sobre o colonialismo português há coisas a que nem vale a pena dar importância, como a tolice de que haveria poucos negros nos transportes públicos porque era proibido andar sem sapatos (é espantoso como afirmações completamente mirabolantes são usadas como testemunhos relevantes, sem qualquer validação minimamente credível).
Há outras que me parecem histórias mal contadas (a experiência ensinou-me que, de maneira geral, quando uma história parece mal contada, é porque está mesmo mal contada) mas sobre as quais não tenho informação suficiente para ter opiniões definidas.
É o caso das famosas restrições à circulação que, de acordo com umas coisas que vou vendo escritas, faziam com que só com autorização os negros pudessem circular nas zonas brancas das cidades coloniais.
Quando este argumento foi usado por uma pessoa ponderada e por quem tenho consideração, pedi referências concretas sobre o assunto porque nunca as encontrei em lado nenhum (há sim, no estatuto do indigenato, umas referências a autorizações para mudança de residência, em algumas circunstâncias mas, em qualquer caso, aplicável apenas aos indígenas, em algumas circunstâncias num diploma que foi revogado em 1961 e cuja a aplicação sempre foi problemática (como é inevitável em diplomas legais aplicáveis a populações que, por definição, são indocumentadas)).
A referência tinha sido numa conversa ligeira, mas como dei importância à referência, o meu interlocutor foi mais preciso: não existiam propriamente passes para circular entre diversas zonas da cidades definidas pelo tom de pele dos seus habitantes, o que havia era umas declarações das entidades empregadoras para o caso de haver algum cruzamento com o policiamento e haver dúvidas sobre o que andaria fulano ou cicrano a fazer nesta ou naquela zona da cidade.
Na verdade, são coisas substancialmente diferentes, num caso seria uma política oficial, codificada administrativamente, de separação de diferentes comunidades, no outro é uma prática policial que existia, sim, que frequentemente tinha uma base racista (como ainda hoje acontece em muitas partes do mundo), tanto mais que havia uma forte correlação entre o tom de pele e a estratificação social (havia muito mais gente clara nas classes dominantes e havia muito mais gente escura entre os pobres e deserdados e a permeabilidade social dentro dos estratos sociais era prejudicada também por considerações racistas).
Se é verdade que não tenho ideia nenhuma desses "passaportes" internos, não é menos verdade que tendo saído de Moçambique com 14 anos, poderiam existir sem eu ter qualquer consciência disso.
Mas não só nunca ouvi falar do assunto, como me parece pouco consistente com a propaganda assimilacionista do regime e pouco consistente com a capacidade das autoridades controlarem os movimentos diários de milhares de pessoas (que não existia).
Já controlos policiais das zonas mais burguesas que poderiam causar mais problemas a negros que a outros, a partir de algumas horas do dia, isso sim, parece-me dentro do quadro normal da sociedade que conheci e é uma manifestação do racismo real que existia.
Um texto de uma pessoa que manifestamente escreve de forma íntegra (quando protesto com o excesso de contrabando ideológico é sobretudo por ser contrabando, que ideológicos são todos os textos) chamou-me a atenção para uma coisa curiosa.
O texto aludia, com base numa fonte indirecta, a declarações racistas de Salazar.
Estranhei, não porque saiba se Salazar era racista ou não, mas porque era um político muito cauteloso e consistente, parecendo-me pouco credível que fizesse declarações racistas quando toda a propaganda do regime assenta numa ideia assimilacionista de império pluri-racial.
Fui verificar a referência, o autor realmente classifica umas declarações como racistas, mas eu não vejo nessas declarações racismo nenhum, ou seja, há uma interpretação que não me parece descabida, mas eu não faria essa interpretação.
E isso chamou-me a atenção para a tal curiosidade: embora em dezenas de textos haja transcrições de textos ou discursos racistas de pessoas de primeira linha do regime, não me lembro (não estou a dizer que não haja, não me lembro de ter lido) de transcrições de textos ou discursos de Salazar em que os autores se baseiem para falar no racismo e no segregacionismo como base ideológica da colonização feita por Portugal.
E isso dever-nos-ia pôr a pensar na argumentação que frequentemente é usada para tentar demonstrar que o racismo era uma opção do regime.
Uma coisa é qualificar como racistas as sociedades coloniais (que o eram), outra coisa é dizer que havia gente e práticas violentamente racistas (que havia), outra coisa ainda é dizer que frequentemente as autoridades fechavam os olhos a abusos de base racista (e fechavam), e tudo isso é diferente de dizer que o regime era legal e administrativamente racista, quando na verdade há uma clara evolução ao longo do século XX, bem documentada, nomeadamente em relatórios de inspectores coloniais, que vai no sentido de se ir combatendo o racismo e impondo uma prática mais assimilacionista, que é verdade que era contestada por franjas sociais com algum relevo, longe, no entanto, de serem dominantes.
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