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Soberania alimentar é o que chamamos à protecção dos mercados internos de alimentos, quando somos nós a fazer, e muita gente acha isso óptimo e uma boa política a adoptar.
Proteccionismo alimentar é o que chamamos à protecção dos mercados internos de alimentos, quando são os outros a fazer (como agora, que a Índia proibiu a exportação de trigo) e muita gente acha isso horrível e um egoísmo intolerável.
"A questão cerealífera: o trigo" é um dos textos mais interessantes que li sobre estes dois assuntos - a nobre soberania alimentar e o execrável proteccionismo alimentar - , muitíssimo bem escrito, muitíssimo bem argumentado, e procurando responder a esta pergunta, que consta tal e qual da tese em causa: “De modo que este país da vinha e da oliveira, das frutas magníficas e das flores preciosas, podendo oferecer nos grandes mercados, com antecedência de bastantes dias, os produtos mais caros e mais raros, de maior procura e consumo, vive agarrado à miséria da sua cultura de cereais. Porque não a abandonará?”.
Uma das coisas interessantes sobre esta tese é a de que é a tese de um académico que está a prestar provas para entrar a Universidade de Coimbra, por volta de 1916, se não me engano, António de Oliveira Salazar, cujo regime, mais tarde, é conhecido por ser responsável pela fortíssima protecção à produção nacional de cereais a que se chamou "Campanha do trigo".
Como de costume, as coisas não são assim tão simples.
A "Campanha do trigo", em grande parte copiando a "Batalha do pão", de Mussolini, não é uma invenção de Salazar, ou do Estado Novo, foi lançada por Linhares de Lima, ainda no tempo da Ditadura Militar que precedeu o Estado Novo, e a tomada de poder por Salazar.
Para complicar, essa campanha do trigo na verdade era uma evolução do que resultou da Lei da Fome, de Elvino de Brito, a legislação proteccionista da cultura de cereais que foi aprovada em 1899 (tinha alguma legislação precedente no mesmo sentido) que é exactamente o objecto da tese de Salazar.
O nome pelo qual ficou popularmente conhecida a legislação de Elvino de Brito é muito esclarecedor: a protecção à produção de cereais nacionais, como forma de combater a entrada de cereais mais baratos vindos do Novo Mundo, resultou, como seria de esperar pela teoria económica, em pão mais caro para os consumidores e ineficiência produtiva por parte do sector.
Salazar é um feroz crítico dessa política - devo dizer que o que mais me espantou na tese de Salazar é o facto da crítica ser, essencialmente, liberal, que é coisa que Salazar nunca foi - e parece ter existido uma tentativa de desmantelar o proteccionismo à lavoura, por parte de Salazar, logo depois da segunda guerra mundial, tentativa que Salazar faz abortar para não perder o apoio da lavoura ao regime.
De uma forma ou de outra, Salazar, o académico, tinha razão: viveríamos muito melhor usando as nossas vantagens para vender caro os nossos produtos no mercado internacional, comprando barato os cereais estrangeiros, em vez de persistirmos na cisma de produzirmos o que comemos.
Um desvio para dizer que quando fiz um doutoramento sobre a evolução da paisagem rural em Portugal, ao longo do século XX, este assunto era tratado e havia um capítulo a que eu queria chamar, ironicamente, o triunfo de Salazar, referindo-me ao académico e ao perído de adesão à União Europeia em que que foi desmantelado, e bem, o que restava do sistema de protecção à produção ineficiente de cereais. Disseram-me que talvez a academia não estivesse preparada para aceitar teses com títulos desses. Ri-me, encolhi os ombros - queria era despachar aquela porcaria - e mudei o nome do capítulo.
Voltando ao assunto, até pode haver quem, perante um cenário de potenciais rupturas de cadeias de abastecimento, pretenda erguer barreiras ao comércio internacional de alimentos (como aliás faz, excessivamente, quer a União Europeia, quer o Estados Unidos, e muitos outros, embora de forma muito mais mitigada do que pretenderiam os fisiocratas que falam de soberania alimentar).
Convém é ter bem presente que a lei da fome não se chamava assim por acaso: o controlo administrativo de preços e as barreiras ao comércio, pagam-se, quase instantaneamente, em escassez e carestia.
O principal fermento das revoluções, como penso ser do conhecimento comum.
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