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Sim, está bem, mas...

por João-Afonso Machado, em 31.01.23

Nunca li o diploma que anda cá e lá entre a AR e o TC e nada tenho a comentar ou ajuizar sobre as pessoas que querem morrer - pela sua própria mão ou com a ajuda de outrém.

Já quanto a estes "outréns" serão eles, penso eu, médicos apenas, daqueles que eu não consigo entender: porque ainda que consentidamente (mesmo a pedido), estão a matar um ser humano, no exercício e por causa da sua profissão que consiste (creio) sobretudo em salvar vidas e garantir a a saúde e o bem-estar possiveis. Residirá aí uma primeira questão prática a que nunca ouvi aludir: ou muito me engano, ou a esmagadora maioria dos médicos invocará a objecção de consciência para se escusarem a intervir na "morte assistida" dos seus doentes terminais. Os restantes - uma minoria, na minha previsão, - ficará conhecida por tal, por essa faceta de carrasco amigo. Não advirá por este caminho uma nova distinção entre os profissionais da Saúde? E com que consequências?

A segunda questão prática que a moda da eutanásia levanta ainda consegue ser mais preocupante. Neste "mundo cão", quem defende os doentes (sobretudo os do foro psiquiátrico) de qualquer tipo de estímulo, mais ou menos rebuscado, a optarem pela morte voluntária como meio de pôr cobro ao seu sofrimento e (principalmente) às maçadas que causam a tantos?

Se esta questão não fosse pertinente, o incentivo ao suicídio não estaria previsto nem seria punível pelo Código Penal...


22 comentários

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De Francisco Almeida a 01.02.2023 às 10:15

Toda a moral, toda a ética, todo o sistema jurídico necessita de uma base ancoradora, sobre a qual se constrói o edifício. Essa base na civilização ocidental é a vida. Discutiu-se e discute-se quando se inicia a vida - separação com vida do corpo da mãe no nosso sistema jurídico - mas é sobre esta que tudo se constrói, desde a liberdade aos direitos universais aos direitos materiais. E obviamente também à ética médica.
A eutanásia desloca o direito à vida pelo direito à qualidade de vida, por enquanto apenas à muito forte falta de qualidade. É, como foi já dito, uma caixa de Pandora.
Sabemos que o branco é o conjunto de todas as cores e que o negro, como conceito, é a ausência de côr, de luz para ser mais exacto. Por isso não é possível adjectivar ou abrir "nuances" para o negro. De igual forma a morte não é definível "de per si". A morte é a ausência de vida. Não tem existência própria e por isso nunca pode ser regulada.
O que pode ser regulado é a sua imposição. E deveria ser um fortíssimo alerta para as consciências o movimento lento mas sempre progressivo pela abolição da pena de morte.
A lei da eutanásia propõe a morte por motivos de bondade. Se a generalidade das pessoas tivesse uma cultura filosófica básica (é o que tenho, não mais) logo perceberia que a eutanásia é uma aplicação do princípio de que os fins justificam os meios. Isso deveria ser o bastante para acender luzes vermelhas. Mas de facto é apenas o mínimo.
Se é a bondade que dita a aplicação, abre-se toda uma panóplia de variáveis, de valores relativos sujeitos a diferentes apreciações pessoais. Tudo o que nunca deveria existir na Lei. O autor apontou duas, comentadores acrescentaram outras mas o essencial é isso mesmo. Não é possível um critério rigoroso nem sequer um critério empírico pois a variedade de pessoas, tradições familiares etc. aliado é impossibilidade de aplicar o método científico por não ser possível a experimentação, impede o rigor e a clareza.
Então o que vai acontecer? Isso já se pode prever.
O início será minimalista, o que deixará muitos insatisfeitos. Se a vida já não é indiscutível, alguém perguntará com belíssimas intenções, se um doente sem sofrimento mas sem possibilidade de recuperação, pode continuar a ocupar uma cama de cuidados intensivos, impedindo a sua ocupação por outro que possa recuperar. É um pequeníssimo exemplo mas podia encontrar outros e a conclusão é apenas uma. A "rampa deslizante" é inevitável.
Sendo diferentes as sensibilidades em relação a conceitos como bondade ou sofrimento (para não falar já de utilidade social que é o fim previsível a longo prazo) a regulamentação da lei ficará dependente de maiorias ocasionais. E cada "aperfeiçoamento" será mais um passo para o abismo.
Será excessivo? Não é. 
Analisando a "inevitabilidade da rampa deslizante" como conceito (a verdade é a adequação do conceito à realidade) sabemos o que aconteceu nos poucos países que aprovaram a eutanásia. Do mundo ocidental, Canadá, Holanda e Bélgica já têm alguns anos de experiência e em todos houve alargamento do conteúdo e nos três já houve casos chocantes como tem vindo na imprensa. E o mais chocante na Bélgica que foi o primeiro dos três a aplicar a lei. Diria que a "inevitabilidade da rampa deslizante" está provada cientificamente. A experiência real validou o conceito.
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De Susana V. a 01.02.2023 às 10:45

Excelente comentário que subscrevo na íntegra.
Acrescentaria apenas que o suicídio não é crime. E que apenas uma ínfima parte dos que podem pedir a eutanásia não se podem suicidar se desejarem fervorosamente a morte. 
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De João-Afonso Machado a 01.02.2023 às 11:54

Curiosamente, tudo passa ao lado do dado mais concreto que apontei no meu post: a objecção de consciência dos médicos, os únicos autorizados a praticar a "morte assistida". Ou seja, a lei sendo aprovada, vai esbarrar com recusas que a tornam quase inútil. Salvo num aspecto ilusório: a eutanásia é permitida, somos tão modernos como os ouros. Enfim, o costume.
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De O apartidário a 01.02.2023 às 14:00

Acompanho as suas interrogações e perplexidades. No entanto há outra questão paralela a essa (ou transversal se quiser),vão estar os hospitais (sabendo como é agora) capazes de dar resposta ao aumento previsto de idosos em fim de vida tendo em conta a falta de centros geriátricos e afins? 
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De João-Afonso Machado a 01.02.2023 às 14:15

A avaliar por estes malandros que estão no Governo, a resposta é não. Nunca os serviços públicos funcionaram tão mal.
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De Catarina a 01.02.2023 às 13:02

Exactamente. Subscrevo ponto por ponto. Não era capaz de tamanha clareza.
Cumprimentos,
Catarina Silva
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De Anónimo a 02.02.2023 às 10:43

" vão estar os hospitais (sabendo como é agora) capazes de dar resposta ao aumento previsto de idosos em fim de vida tendo em conta a falta de centros geriátricos e afins?"
Como diz o JAM, a resposta é claramente um Não.
 
Por conseguinte, o pior que pode vir a acontecer, será a eutanásia  não ser uma escolha plenamente Livre, mas condicionada por não haver outra saída, uma vez que o Estado simplesmente não oferece outras propostas ou soluções, i.e., não  proporciona  outros meios alternativos de assistência   necessários para aliviar o sofrimento a quem os solicitar . O facto de um doente não desejar a dor, nem sempre significa que deseje a morte. Mas se o Estado não dá essa garantia de escolha ao doente, i.e., se o Estado abdica das suas funções, então o doente está subordinado ao que  há ,  não tem escolha  e vê-se "empurrado" para a única solução que está subentendida, ou talvez sub-repticiamente "insinuada". (Bastante perverso... diga-se).
Mas chamam-lhe "morte digna"!!! 
Salvo se for uma decisão livre e consciente_   tudo o resto me parece  uma fraude cheia de má-fé e uma tremenda deslealdade em relação ao Contrato Social: bem podemos dizer que os socialistas estão a liquidar o Acordo estabelecido entre os Cidadãos e o Estado Social.
Que expectativas há diante deste Partido-do-Estado (não ocorre outro nome) que vai encerrando as suas funções mais elementares (Serviços de Saúde capazes de dar respostas)?

 É de supor que surgirão muitas  oportunidades de negócio para explorar este novo "filão" da morte _ a criatividade humana não tem limites...

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De Anónimo a 04.02.2023 às 15:40

Pois é! Neste país, a saúde está pela hora da morte.

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