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A 14 de Dezembro de 1918 Sidónio Pais é assassinado, consumando a decadência final anunciada desde o regicídio de 1908. Em seu redor construiu-se o mito. Foi o Presidente-Rei exaltado por Fernando Pessoa, o “nosso primeiro republicano sem barrete frígio”, como lembrou António Ferro. Paradoxo de um tempo conturbado, Sidónio reúne em torno de si as várias facções políticas desavindas. Nele revêem-se os republicanos autoritários na apoteose dos gritos ao Chefe, os monárquicos esperançosos na personalização do poder, os católicos cansados do anticlericalismo radical. Mas Sidónio liberta-se das amarras do tempo. Depois da sua morte continuará o culto e nele reconhecer-se-ão os fascistas e exaltadores do militarismo do novo século e os artistas do futurismo impulsionados pela estética radical que suplante o anacronismo burguês oitocentista. Para os conservadores um preservador da ordem, para os católicos um enviado dos céus e, na senda modernista, descobrem outros a renovação da tradição encarnada no cesarismo.
O registo ainda não fora definido, mas nas décadas seguintes encontraria paradeiro: a poesia da violência, a política elevada à estética, o mito suplantando a razão, o heroísmo elevado à virtude, a condução da massa informe a uma unidade de destino. Ainda que original entre nós, não constituía uma novidade na política europeia. No passado Napoleão III e Bismarck tinham dado o mote ao conjugar os desafios herdados pelas revoluções liberais com o remanescente da tradição, o “cesarismo plebiscitário” era a resposta à legitimidade da autoridade quando ameaçada pela violência das barricadas. Em suma, preconizava a "revolução desde cima" do hegelianismo, também estudada pela pena de Oliveira Martins. Faltava apenas encontrar o protagonista. Para Martins seria o rei D. Carlos, não tivesse o projecto da “Vida Nova” definhado com o desaparecimento do seu principal animador; e não tivesse o regicídio roubado a única força viva da monarquia. Numa reviravolta da história a “República Nova” de Sidónio retomaria o pojecto de uma revolução conduzida desde cima. Mas Sidónio está para além da tecnocracia, ou de uma teorização filosófica, a sua passagem fugaz eleva-o a mártir e símbolo da República.
Desde as profecias do sebastianismo, até ao culto miguelista, que não se conhecia uma tão grande devoção. Aos reis é fácil encarnar o mito, mas na República (e num regime ainda jovem em 1918) tal ainda parecia inconsequente. Sem dúvida que Sidónio contrastava com os demais Presidentes da Primeira República, na imagem que cultivou, no modelo, na linguagem. Mas foi a morte quem o tornou um ícone, em parte através da idealização jornalística de Reinaldo Ferreira (o famoso Repórter X)."Morro bem salvem a pátria" tornou-se uma espécie de grito derradeiro face à agonia do próprio regime. Na verdade Sidónio terá suspirado "não me apertem rapazes".
Homem de gesta guerreira que fardava junto às massas o seu idealismo, Sidónio inaugurava o século XX em Portugal. Maçon, republicano da tradição laica e jacobina, superou os facciosismos. O homem que muito antes antecipou Mussolini; e que marchou sobre Lisboa antes dos camisas negras entrarem em Roma. Verdadeiramente protótipo do revolucionário de topo, um César redentor da república, bem sintetizava a máxima de Oliveira Martins escritas décadas antes: "um sabre contendo um pensamento".
O catedrático-soldado, o político elevado a mártir, era a renovação da autoridade. Populista e cesarista, bonapartista e nacionalista, como não se conhecia na paisagem seca de uma política de caciques e de bufos, nele o presidente confundia-se com o rei, face ao trono vacante que deixara o país entregue ao caos. Um ano bastou - como se tivesse vivido a existência plena de um povo. Morreu em sentido paradoxal ao do Rei D. Carlos, um por tentar regenerar a monarquia, outro por procurar regenerar a república. No final de tudo, viveu como o século: perigosamente, velozmente.
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