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A nomeação de Sérgio Moro para o governo de Bolsonaro tem motivado comentários variados, alguns tão fora de propósito que não merecem que se perca muito tempo com eles, como o editorial do Público de hoje, por David Pontes (um pornográfico branqueamento de Lula e do PT como se o problema principal não fosse o gigantesco esquema de corrupção existente, mas o facto do principal juiz ligado ao caso abandonar o processo para aceitar um cargo político), outros manifestamente bem intencionados mas que me parecem falhar completamente o alvo.
Comecemos pela ideia de que esta nomeação reforça a judicialização da política, para o que se usa, frequentemente, o exemplo de Gárzon. É um comentário que não me parece fazer o menor sentido porque a judicialização da política acontece quando decisões que são da esfera da política são atiradas para o sistema judicial (por exemplo, quando o nível remuneratório dos funcionários públicos é decidido pelo pelo Tribunal Constitucional e não pelo Governo eleito) ou, como é admissível que se diga de Gárzon, os juízes interferem, enquanto juízes, no processo político.
Neste caso Moro é alguém que sai da justiça para a política, não é um juiz que, enquanto juiz, tem uma actuação política, pode ser uma decisão certa ou errada, ter efeitos positivos ou negativos na confiança das instituições e na percepção sobre a separação de poderes, mas não é esta decisão que possa ser classificada como judicialização da política: a partir de ontem Moro não é um juiz, é um político como os outros.
Pode argumentar-se que Moro, enquanto juiz, teve uma actuação política (há muitos que dizem que mandou prender o candidato mais bem colocado para ganhar as eleições, mas talvez valha a pena lembrar, citando Paulo Gorjão, que não existe o crime de "candidato mais bem colocado para ganhar eleições" e portanto ninguém é preso por isso num estado de direito e, no caso concreto, o que há é uma acusação de corrupção e lavagem de dinheiro ao candidato mais bem colocado para ganhar as eleições, acusação que foi contestada pelo próprio e confirmada pelas instâncias superiores do sistema judicial brasileiro, não foi uma decisão arbitrária e solitária de Moro) mas para isso é preciso provar que foi essa a sua actuação enquanto juiz, não chegando esta nomeação (posterior e evidentemente imprevisível no momento das decisões, quer de Moro, quer dos tribunais superiores) para demonstrar essa actuação política: a mim parece-me de meridiana clareza que o futuro raramente (se alguma vez) é causa do passado.
Pessoalmente a aceitação de Moro incomoda-me porque preferia que levasse o processo até ao fim e porque esta aceitação corresponde a dar o flanco aos que a vão usar para enfraquecer o processo (como desde o primeiro momento tem estado a fazer o PT e o faz o editorial de hoje do Público, para além de muitos outros) e as instituiçoes do estado democrático brasileiro.
À minha pequena escala e das minhas pequenas coisas de serviço público já tive algumas (felizmente poucas) vezes de optar entre a minha tranquilidade ética e o risco de deixar passar a oportunidade de contribuir para um melhor funcionamento de entidades públicas. Sem excepção decidi-me por bater com a porta e ir-me embora (o que corresponderia a Moro não aceitar o convite, salvas as devidas proporções) mas ainda hoje não estou convencido de que tenha sempre feito a melhor opção e, nalguns casos, tenho mesmo a certeza de que o que se seguiu foi mesmo muito mau, do ponto de vista do interesse público. Não tenho pretensões a ser super-homem, mas duvido que eu não tivesse conseguido servir melhor o bem público ficando onde estava e não facilitando a minha substituição.
Talvez por isso tenho uma espécie de simpatia pelo Teixeira dos Santos dos santos últimos dias de Sócrates: sabia perfeitamente, desde muito antes, que caminhava para um beco sem saída, mas saltar do comboio seria melhor ou pior? O choque contra a parede que tivemos em 2011 foi suavizado por Teixeira dos Santos estar lá, a tentar introduzir um mínimo de racionalidade naquela cabeça louca, ou se ele tivesse saltado do comboio mais lá atrás o risco de termos um maquinista tão alienado como o comandante do comboio não seria maior e o choque contra a parede bem mais doloroso para todos?
Suspeito que essa foi a situação em que Moro se viu envolvido no momento da decisão de aceitar ou não o convite.
Bolsonaro queira um símbolo para deixar claro que o combate à corrupção e ao crime organizado seria implacável mas respeitador da lei e Moro era o símbolo perfeito para isso.
A Moro restava recusar, não correndo riscos e mantendo o seu prestígio intacto para no futuro seguir uma carreira política, quer a coisa corresse bem, quer corresse mal com Bolsonaro, ou agarrar a oportunidade de realmente ter uma agenda anti-corrupção e anti crime organizado, mas à custa de riscos muito elevados de falhar e, com isso, deixar de rastos o seu prestígio e perder a sua capacidade de influenciar positivamente uma reforma do Estado brasileiro.
Repito, incomoda-me que tenha aceite, o que significa trocar um juiz seguramente útil pela incerteza de um político sujeitos aos constrangimentos inerentes ao que é possível fazer.
Mas sou incapaz de fazer um juízo moral sobre esta aceitação, só me resta esperar para ver se valeu a pena, hipótese em que eu dificilmente poria todas as minhas fichas.
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