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Estávamos a meia dúzia de meses da Revolução. Na sala de aulas, de carteira em carteira, de mão para mão, corria um papelinho rectangular manuscrito - «abaixo o fascismo! Viva a democracia!» - a caneta de feltro. Até que o professor o interceptou e leu também.
O professor era um homem bom, ali não havia bufaria. – Rasga isso rapaz! E deita fora! – exclamou autoritário, quiçá assustado, mas não intimidatório. E o assunto morreu seguidamente. Na parte que me toca, apenas ficaram a memória e algumas interrogações fuziladas logo no recreio seguinte e renascidas justamente quando, a 25 de Abril de 1974, o fascismo e a democracia se transformaram em duas vírgula cinco palavras em cada três proferidas pelos portugueses.
Vem esta nota a propósito de uma publicação recente – Os Democratas de Braga (Testemunhos e Evocações) - que me foi oferecida, com simpatiquíssima dedicatória, por um dos compiladores, o meu Amigo Dr. Artur Sá da Costa. Aquilo não foi uma leitura, foi um foguete. Com o máximo aproveitamento como deleite e lição histórica.
Trata-se de uma recolha de depoimentos de muitos opositores à ditadura da II República, vulgo “Estado Novo”. Testemunhos de quem ainda está entre nós ou já partiu. Em qualquer caso, sempre escritos na exaltada paixão dos que viveram esses perturbadores e dolorosos anos de “uma opinião só”, contra a qual se empenharam em luta e sacrifício. Deixando escapar, aqui e ali, a malandrice de tentar apartar o dito Estado Novo da desditosa República, como se, de repente, nos píncaros da actividade oposicionista não estivessem as candidaturas de Norton de Matos ou de Humberto Delgado à Presidência da mesma… Distracções!
Creio-me capaz de sustentar a tese de uma II República durando o tempo bastante para esquecer as vicissitudes da I; e de uma III perdurando o necessário exactamente para ultrapassar também os malefícios da II. O que virá a seguir não calculo, nem este é o lugar próprio para elucubrações de tal índole. Esta será, apenas, uma forma mais rebuscada de vislumbrar os Democratas de Braga, com tenacidade e ideal, à frente ou fora do seu tempo. E agindo organizadamente, com quaisquer laivos de institucionalização, uma sigla, algo que os transporte como um todo para a História do Distrito?
Julgo que não. O depoimento do já falecido barcelense Tinoco de Faria assim o dá a entender na sua abrangência. E a obra não o refere, mas subjaz a tantos oposicionistas uma fractura filosófica e ideológica decerto insanável. Precisamente a que contrapunha os defensores dos direitos individuais e da justiça social aos crentes no determinismo histórico da luta de classes. O que é de sobeja importância quando se especula acerca de como seria se…
… Como seria se nós, os da nossa idade, tivéssemos em 1974 mais uns anitos e já soubéssemos o significado da palavra “fascismo”? E já quiséssemos decidir da nossa vida e manifestar as nossas opiniões e sentíssemos a Guerra colonial a bater-nos à porta e achássemos um disparate e um intolerável abuso a PIDE a bater (à porta e não só) também? Como seria?
Seria uma vaga imensa de Oposição. Já não seria o Estado Novo, como nem chegou a ser mais, entretanto. Falando de mim, seria uma dupla oposição: à ditadura, pelo lado do respeito que o ser humano merece, em todas as vertentes da sua natureza e existência; e ao Regime republicano a que nunca pertenci. Tal qual muitos monárquicos desse tempo da minha meninice tomaram outrossim posições similares. A verdade é que nasci na Oposição, e decerto na Oposição hei-de morrer. Felizmente sem ter sofrido perseguições nem o cárcere, honra seja feita a esta actual República e à liberdade em que me consente escrever estas linhas.
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 26.MAR.2015).
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