Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Sem esperança

por henrique pereira dos santos, em 31.12.23

Há perto de quinze anos escrevi este post sobre Sócrates (que, então, estava no auge do seu poder).

Ontem escrevi um post que é essencialmente igual, sobre António Costa e Luís Montenegro.

Tanto num caso como noutro, explicitamente escrevia que discutir se alguém é corrupto ou não é assunto que deixo para a polícia resolver (independentemente da opinião que eu tenha sobre cada pessoa, se há coisa que aprendi é que as pessoas não têm escrito na testa que são aldrabões ou ladrões e que os melhores aldrabões são exactamente os mais simpáticos, razoáveis e sensatos, porque sabem que o êxito das suas aldrabices dependem da confiança que conseguem criar nos outros).

Num caso como noutro, o que me interessava era a forma como se tomam decisões ou se reaje às circunstâncias.

A razão pela qual sou especialmente sensível à forma como se tomam decisões (ao ponto de mudar o meu voto natural nas próximas eleições por causa da forma como foram feitas as listas da IL em Lisboa) prende-se com o meu pessimismo antropológico: acho que somos todos mais ou menos iguais, todos mais ou menos permeáveis aos estímulos externos, em todos a carne é fraca e a natureza humana é o que é (não sendo grande coisa, sob muitos aspectos, permite-lhe tocar e cantar a Paixão Segundo São Mateus, de Bach, o que é notável).

Haverá santos, com certeza, mas são poucos, difíceis de distinguir dos melhores aldrabões e, frequentemente, a sua santidade reside na forma heróica como reagem a circunstâncias de um determinado momento, podendo ter sido do piorio o resto da vida.

Daí que discutir a superioridade moral do António e do Manuel seja matéria que não me interessa por aí além, o que me interessa é a discussão sobre a forma e o contexto em que se tomam decisões.

Por exemplo, pretender que fazer buscas à casa oficial do primeiro-ministro, diligência que é impossível executar em segredo, e não dar qualquer informação concreta sobre o que motiva essas buscas defende melhor o bom nome do primeiro-ministro que fazê-las acompanhadas da informação pública mínima que permita às pessoas fazer juízos sobre o que está em causa, é uma ideia que, para mim, não faz o menor sentido.

Andar com telefonemas e outras diligências não publicamente controláveis para tomar decisões admnistrativas que beneficiam pessoas ou organizações, em vez de reuniões formais com registo do que se passa nessas reuniões, é uma prática errada para mim e indiciadora de uma cultura política que favorece a corrupção e o tráfico de influências.

Discutir este tipo de regras em abstracto parece-me muito mais útil que andar a discutir se Montenegro me inspira confiança ou não, ou se ponho as mãos no fogo por ele ou não (não ponho por mim, quanto mais por terceiros).

Se quando faço um post, estritamente sobre a diferença de reacção de Costa e Montenegro face à notícia de um inquérito judicial em curso, há tantas reacções primárias de quem tem opinião definitiva sobre a substância dos factos que seria dispensável haver polícia e tribunais, é mesmo porque não temos grande apreço por regras gerais aplicáveis a todos, isto é, que a qualidade das nossas instituições é um assunto que não interessa a muita gente.

Eu sei que não deveria ter dúvidas sobre isto, de tal maneira foi fácil a António Costa livrar-se da sua mais que antiga e próxima ligação a Sócrates, com o argumento infantil de que não deu por nada.

Eu, que nunca trabalhei tão próximo de Sócrates como António Costa, que nunca o apoiei em coisa nenhuma, e a quem bastaram umas semanas a vê-lo actuar como secretário de estado num ministério em que eu era sub-director geral, fiquei rapidamente vacinado em relação aos seus métodos e António Costa nunca deu por nada?

Um dia, quando Sócrates era o Ministro do Ambiente e estava em Aveiro, entra no carro e diz ao motorista: tenho uma reunião em Lisboa daqui a uma hora e meia e quero chegar a horas. Entretanto vou dormir mas aviso já que não o autorizo a conduzir em excesso de velocidade.

Histórias destas ouvi às paletes e definem muito bem Sócrates, colocando um seu subordinado entre a espada e a parede, levando-o a não cumprir a tarefa que lhe é dada (estar a horas) ou não cumprir as regras, mas encontrando uma forma de responsabilizar totalmente o motorista pelo incumprimento das regras, se houvesse um problema.

Para mim, isto tem importância porque é um evidente abuso de poder exercido sobre quem não se pode defender e define uma pessoa.

Para António Costa deve ser uma boa história e uma boa solução criativa para resolver um problema.

Por isso fiquei vacinado com os métodos de Sócrates ao fim de algumas semanas de convívio distante e António Costa (tal como todo o PS) não viu nada durante anos de colaboração próxima.

Os posts são sobre isto, sobre formas decentes e indecentes de tomar decisões e de reagir a contextos.

Responsabilizar o Ministério Público pelos efeitos de uma decisão própria é uma forma indecente de lidar com a notícia de um inquérito judicial que tem como efeito a erosão das instituições.

Realçar que o Ministério Público está a fazer o seu trabalho e se discute no fim quem tem razão é uma forma decente de lidar com a notícia de um inquérito judicial que tem como efeito o reforço das instituições.

Se Montenegro é corrupto, se houve tráfico de influências e essas coisas todas, não sei, não faço ideia e espero que a polícia e o Ministério Público façam competentemente o seu trabalho.


10 comentários

Sem imagem de perfil

De Anonimo a 31.12.2023 às 15:45


Um dos problemas é esse, o Homem é falível, mas há quem apregoe o oposto. É a tendência woke, de matriz religiosa, da virtude e do caminho dos justos, sem desviar para qualquer vício ou pecado.
Um exemplo é o Ventura, mais um misto de Padeira e Sebastião, quem vem limpar isto, mas o psd instituição já enveredou antes pelo caminho da rectidão, com a questão dos compromissos de honra...
Isto também porque ideias ou competência não há, resta apresentar a agenda moral.


O Socrates era um fura vidas, mais um que sobe com esquemas e expedientes, a questão também passa por saber quantos portugueses odeiam o dito por razões éticas,  e quanto o odeiam por inveja de não conseguir fazer igual.


Já Costa, é um "político ". Daqueles por quem os politólogos babam, e que decerto terá direito a biografia escrita por um qualquer ícone da esquerda intelectual. Toda uma carreira de oportunismo, de facas nas costas e de saber fazer a manobra certa (para ele) no momento exacto. É um habilidoso. Conta com um país passivo e dependente, que acredita ou finge acreditar (já o presidente do Glorioso também de nada sabia, embora fosse vice do Arguido) na bondade e ignorância. Ajuda uma comunicação social amiga, conivente para com sorrisos e tiradas cómicas após incêndios com vítimas mortais, e zero vontade e/ou capacidade investigadora. 


Ps: o termo pretender soa tão mal...
Sem imagem de perfil

De Ricardo a 31.12.2023 às 17:50

Afasta afasta afasta a minha agulha,achega chega chega o meu dedal....lá lá lá não sejas trafulha,vem coser o avental...
Imagem de perfil

De O apartidário a 31.12.2023 às 17:54

2023: as figuras do ano
O dr. Montenegro, em teoria o líder da oposição, na prática não quer incomodar. Principalmente não parece querer governar. De resto, tem sido o primeiro a inventariar as situações em que não governará

30 dez. 2023, 00:21 no Observador 

Figura triste: Marcelo Rebelo de Sousa. Recentemente, Sua Excelência, o Presidente da República informou a nação que, segundo uma sondagem, a sua popularidade se mantém intacta. O alívio da população ouviu-se à distância. Muito mais do que, sei lá, o pandemónio na saúde pública ou a penúria em que progressivamente afocinham, o que afligia os portugueses era, sobretudo, a possibilidade de o prof. Marcelo ter caído em desgraça, no caso com o caso das gémeas brasileiras. Curiosamente, era também essa a única preocupação do próprio prof. Marcelo desde que entrou em Belém. O homem nunca quis ser presidente, tarefa para que aliás mostrou vasta impreparação e desconhecimento: o homem quis, e quer, ser popular. Logo em 2016 ficou claro que ali não há a sombra de um estadista, e sim um artista de variedades emocionalmente dependente dos humores da audiência. Em 2023, deixou sair o dr. Costa quando imaginou que o apoio ao governo poderia beliscá-lo (a ele, o prof. Marcelo) – isto depois de amparar o governo em toda a sorte de loucuras, algumas inconstitucionais, porque calculara que isso o beneficiaria (a ele, o prof. Marcelo). O prof. Marcelo é o assunto exclusivo do prof. Marcelo.

Indecente e má figura: António Costa. Sou dos que acham absurdo o dr. Costa se ter demitido em 2023 por causa de um comunicado da PGR, suspeitas de tráfico de influências e 75 mil euros em notas no gabinete ao lado do seu. Nos oito anos anteriores houvera razões de sobra para o sujeito cair (metaforicamente, vá lá), desde a tragédia de Pedrógão, em 2017, à gestão primitiva e autoritária da Covid, em 2020 e 2021, para não falar da TAP, do SNS, da Justiça, da Educação e, por exemplo, dos srs. Galamba e Cabrita. E isto descontando a trapaça que o levou ao poder em 2015 e, para os menos atentos, lhe definiu o carácter. Em debate de 2014, António José Seguro já o definira. Não serviu de aviso. Para muitos eleitores, a julgar pelas eleições subsequentes, até serviu de estímulo: por cá, a ausência de escrúpulos e de vergonha parece dar votos. Um dia, o dr. Costa congratulou-se pelo aumento de famílias necessitadas de “prestações sociais” (leia-se o aumento da pobreza) e nem uma alminha protestou seriamente a afronta. O país mereceu-o.
Continua 

Imagem de perfil

De O apartidário a 31.12.2023 às 17:55

Continuação 

Figura de corpo presente: Luís Montenegro. Há exactamente um ano, estava o governo a esfarelar-se em demissões e demais vergonhas típicas da Bolívia, o dr. Montenegro aparecia às vezes a pedir contenção e, raramente, uma ou duas remodelações. Mas não aparecia muito. O dr. Montenegro, em teoria o líder da oposição, na prática não quer incomodar. Principalmente não parece querer governar. De resto, ele tem sido o primeiro a inventariar as situações em que não governará. São várias e as únicas possíveis: o dr. Montenegro não aceita ser primeiro-ministro se perder as eleições e, mesmo que as vença, se precisar do Chega para a maioria parlamentar. Ou seja, o dr. Montenegro só será primeiro-ministro se houver um milagre. Lembro que o adversário do dr. Montenegro nas “legislativas” é alguém desejoso de se aliar a apoiantes da Venezuela, da Rússia e do Hamas, além de que não enjeitaria um pacto de incidência parlamentar com os canibais da ilha Sentinela. Pelo menos no que toca à ambição, a luta é desigual.

Alberto Gonçalves no Observador
Sem imagem de perfil

De balio a 31.12.2023 às 19:57

Ninguém critica o Ministério Público (MP) por investigar. O que se critica no MP é o facto de este divulgar o que investiga e sobre que pessoas e que tipos de crime tem suspeitas. Porque, ao fazer isso, o MP está efetivamente a caluniar pessoas - é uma calúnia divulgar suspeitas sobre uma pessoa quando não se tem quaisquer provas contra ele.
O MP tem o direito de investigar, de facto tem o dever de o fazer. O que não tem, é o direito de caluniar pessoas, isto é, de divulgar sobre elas suspeitas que não se encontram fundamentadas em provas.
Eu também investigo, de facto o meu dever é investigar (noutro campo), mas só divulgo os resultados das minhas investigações no final delas, se esses resultados forem positivos. Não ando a badalar em público o que estou a investigar e que resultados espero obter, antes de os ter obtido.
Imagem de perfil

De henrique pereira dos santos a 01.01.2024 às 08:39

O Ministério Público, durante quatro anos, investiga um assunto, sem que disso haja a menor informação pública.
Ao fim de quatro anos de investigação, precisa de fazer buscas em vários sítios, incluindo a casa oficial do Primeiro-Ministro.
A tua tese de que seria possível fazer buscas à casa oficial do Primeiro-Ministro em segredo, e de que publicar informação mínima sobre o contexto dessas buscas é caluniar o Primeiro-Ministro, e outras pessoas, é simplesmente ridícula.
Sem imagem de perfil

De balio a 01.01.2024 às 13:04

Não é possível fazer buscas à casa do Primeiro-Ministro em segredo, tal como não é possível fazer fazer buscas em segredo a Câmaras Municipais, clubes de futebol, etc. Tais buscas são repetidamente feitas, não são secretas, aliás os próprios clubes de futebol e Câmaras Municipais objeto das buscas confirmam que elas foram feitas e que prestaram toda a colaboração aos executantes das buscas.
A minha tese, nada ridícula, é que, tal como acontece nos casos acima mencionados, o Ministério Público pode e deve efetuar as buscas, mas não pode informar ninguém sobre aquilo que procurava nessas buscas, qual o facto ou suspeita que era objeto da busca, e que ou quais pessoas são suspeitas de qualquer delito.
Buscas sim; explicações sobre o objetivo delas, não.
O Ministério Público não pode continuar a comportar-se como um caluniador, que lança o opróbrio sobre pessoas que podem muito bem estar inocentes, sem ter quaisquer dados factuais que comprovem as suas acusações.
Já inúmeras pessoas neste país viram as suas promissoras carreiras arruinadas por calúnias do Ministério Público. É altura de parar com isto!
Imagem de perfil

De henrique pereira dos santos a 01.01.2024 às 17:10

O que é ridículo é a tua tese de que fazer buscas na residência oficial do primeiro ministro, que forçosamente serão públicas, sem dar qualquer informação, defende melhor o nome dos visados que dar informação mínima do que está em causa.
Sem imagem de perfil

De Anonimo a 01.01.2024 às 18:17

Segredo de Justiça?
Sem imagem de perfil

De lucklucky a 02.01.2024 às 19:33

"... de tal maneira foi fácil a António Costa livrar-se da sua mais que antiga e próxima ligação a Sócrates, com o argumento infantil de que não deu por nada..."



"livrou-se" poque os jornalistas são de esquerda e extrema esquerda, não há mais razão nenhuma. 
Fosse Costa de direita e os jornalistas estariam não só atacá-lo mas a chamá-lo de ridículo. Como consequência nem teria tido viabilidade para se candidatar a PM.

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • henrique pereira dos santos

    É claro que responder a quem não faz ideia de que ...

  • lucklucky

    "Here’s a True Believer insisting it’s *no big dea...

  • lucklucky

    Primeiro: O Governo de Passos, foi mau. Como todos...

  • cela.e.sela

    a CS é toda ela social-fascista e tem vergonha de ...

  • Anonimo

    Os resultados da austeridade foram tão bons que a ...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D