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Recentemente fiz uma pequena nota sobre o facto extraordinário de sermos tão poucos a ter a opinião de que Sampaio, quando dissolveu o parlamento em Novembro de 2004, o fez de uma forma institucionalmente inadmissível, ao não fundamentar a decisão.
Antes, quando Guterres pediu a demissão e Sampaio dissolveu a Assembleia, a justificação foi clara e teve o apoio unânime dos partidos representados na Assembleia, nada a dizer institucionalmente.
Quando Durão Barroso achou por bem não cumprir a sua parte do contrato que estabeleceu com os eleitores, abandonando o cargo de primeiro-ministro porque queria ser presidente da Comissão Europeia, o contexto foi bem diferente, havendo uma maioria estável no parlamento que era contra a dissolução.
Note-se que em democracias bem mais sólidas, mudar um primeiro-ministro sem eleições não é um drama por aí além, foi assim, por exemplo, que Margaret Thatcher ou Theresa May deixaram de ser chefes do governo do Reino Unido, na sequência de congressos partidários em que o chefe do partido mudou.
É fácil perceber porquê: a legitimidade do poder do governo está no parlamento.
As justificações de que à posteriori os factos deram razão a Sampaio são completamente irrelevantes para a questão institucional mas, ainda assim, nem essas justificações são verdadeiras: cerca de 10% do eleitorado mudou o seu voto nos dois principais partidos e o governo de Sócrates foi muito pior e perigoso para o país que o de Santana Lopes, culminando num pedido de assistência externa.
O relevante, no entanto, não são estas questões pragmáticas mas as questões de princípio.
"Ao contrário do que às vezes é propalado, as eleições legislativas não visam eleger um primeiro-ministro ou um governo. Servem para escolher os deputados, que por sua vez irão decidir qual o governo que terá o apoio (ou, no mínimo, a tolerância) parlamentar. ... Nesta equação, o Presidente da República tem um papel importante, pois cabe-lhe, segundo a Constituição, nomear o primeiro-ministro de acordo com os resultados eleitorais ... mas a relação fundamental é entre a Assembleia da República e o governo de Portugal" (Governo de Portugal, Pedro Silveira, pág 80).
Sampaio resolveu, de acordo com o poder discricionário que a constituição lhe dá, dissolver a Assembleia da República, mas é completamente terceiro-mundista fazê-lo sem que o justifique, tornando uma prerrogativa numa prepotência.
Dizer "refiro-me a sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do governo, dos seus membros e das instituições em geral. Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do país" é completamente absurdo e só se justifica porque Sampaio sabia que invocar a demissão de um ministro, e coisas deste tipo, seria inaceitável.
De resto, bastaria fazer notar o seu silêncio perante a primeira preocupação do novo governo saído das eleições (manipular as instituições do Estado, incluindo o Banco de Portugal, para criar um valor fantasioso do défice, 6,83%, que lhe permitisse aumentar o défice dizendo que o estava a baixar), ou a sua indiferença perante a demissão do novo ministro das finanças, ao fim de menos de cinco meses, por razões políticas de fundo (discordância face à opção de gestão das finanças públicas que nos levaram ao pedido de assistência externa), para ter a certeza de que a verdadeira razão de Sampaio foi o que disse, anos mais tarde "estava farto do Santana".
Que tudo isto se tenha passado e, ainda assim, sejamos muito poucos os que olham para esta triste história como um bom exemplo da nossa fragilidade institucional, que nos torna presa fácil de demagogos e populistas, não deixa de me espantar, o que é o menos.
O problema é que esta fragilidade institucional nos deixa quase indefesos, como sociedade, face à possibilidade de cometermos os mesmos erros.
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